Nomes comuns:
Cabacinha; erva-cabaceira; erva-de-leite;
erva-mel; erva-ovelha; gorga; nariz-de-zorra
Silene gallica é uma espécie nativa das Ilhas Britânicas, Europa central,
Península Ibérica, região mediterrânica e Oeste asiático, tendo-se naturalizado
em muitas outras regiões de clima temperado. Em Portugal floresce e
frutifica durante a primavera e o verão, um pouco por todo o território. A sua
presença é indicadora de solos moderadamente secos e desenvolve-se muito bem em
campos baldios, cultivados ou de pousio, pastos, jardins abandonados, beira dos
caminhos, dunas e arribas do litoral.
Na generalidade gosta de solos azotados embora não muito
fertilizados. É uma espécie invasora de algumas culturas como a aveia e o
trigo, pelo que é muitas vezes ferozmente combatida.
No
nosso país, por enquanto, ainda se encontra com frequência mas há que ter em
conta o que tem acontecido noutros países da Europa, nomeadamente na Irlanda e
Grã-Bretanha onde esta espécie se tornou dramaticamente muito escassa, passando
a ser espécie protegida. A redução drástica nas populações de Silene gallica nestes países deveu-se principalmente ao incremento das práticas
agrícolas com o respectivo aumento das áreas cultivadas e
à intensificação do uso de herbicidas e adubos.
A Silene gallica é uma pequena planta herbácea de ciclo de vida anual cuja altura
varia entre os 8 e os 45 cm e cujas características morfológicas podem ser
muito variáveis.
Podem aparecer exemplares glabros mas é muito raro pois geralmente
toda a planta está coberta por pelos, pouco densos mas bem visíveis; os da
metade superior são pelos glandulares e pegajosos que protegem a planta dos
insetos herbívoros, muitos dos quais nela ficam presos, acabando por morrer.
Muito apropriadamente um dos nomes comuns em inglês é Catch fly, ou seja, apanha
moscas.
Os ramos, eretos, podem ser simples ou
ramificados desde a base e estão providos de folhas cobertas com alguns pelos;
são opostas, inteiras e terminam numa ponta curta, aguda e rígida.
A forma das folhas é bastante variável: as
inferiores podem ser de espatuladas a oblanceoladas e as superiores de ovado-lanceoladas
a elípticas.
As flores são pequenas mas lindas e de aspeto
delicado; agrupam-se em inflorescências em que, providas de pedicelos curtos e
de tamanho semelhante, se colocam ao longo de um eixo comum que se forma no
prolongamento do pedúnculo.
As flores nascem na axila das brácteas as quais são
mais compridas que os pedicelos e têm formato linear ou elíptico.
O cálice, coberto de pelos multicelulares (para
absorção de água e sais minerais) e glandulares (para proteção contra insetos herbívoros),
é constituído por 5 sépalas unidas que formam um tubo o qual se apresenta
fortemente contraído na parte superior e se abre para o exterior por 5 dentes
triangulares. As linhas de união entre as sépalas formam 10 nervuras
longitudinais de cor verde ou vermelha.
A corola é formada por
5 pétalas brancas ou rosadas, desiguais entre si, podendo o limbo ser inteiro
ou dentado na margem. Alem disso, apresenta um apêndice chanfrado na base de
cada pétala, entre a unha e o limbo.
Nesta espécie as
flores são hermafroditas, dispondo de órgãos reprodutores dos dois sexos. Do
androceu emergem 10 estames com a base peluda e o gineceu tem um ovário que apresenta
geralmente 3 estilos.
O fruto é uma cápsula de formato cónico que se abre espontaneamente na maturação pelos dentes da
parte superior. As sementes são muito enrugadas, de cor cinzento escuro e em
forma de rim.
Esta espécie pertence ao género Silene, o maior da família Caryophyllaceae. Este género reúne cerca
de 600 a 700 espécies divididas em 44 secções. São muito diversificadas, anuais
ou perenes. Estão amplamente distribuídas pelas zonas temperadas do Hemisfério
Norte sendo a região mediterrânica e a Ásia central as duas áreas geográficas
com maior concentração. Contudo, podem encontrar-se espécies nativas em todos
os continentes exceto na Austrália. Este género inclui plantas muito bonitas e
de aspeto delicado, muitas delas cultivadas como ornamentais.
Um caso curioso é o da espécie Silene stenophylla que cresce nas tundras da Sibéria. Sementes
desta espécie que há 32.000 anos permaneciam congeladas a 38 metros de
profundidade, foram regeneradas por cientistas russos que a partir delas
conseguiram fazer crescer, em laboratório, réplicas da planta. Veja mais
detalhes AQUI.
No que diz respeito a Portugal, o Portal da
Flora-on apresenta registo de 41 espécies espontâneas do género Silene. Veja
AQUI.
A IMPORTÂNCIA DO GÉNERO SILENE
O género Silene, estudado por Darwin, Mendel e outros cientistas pioneiros, ressurge nos nossos
dias como um excelente modelo para estudar questões interrelacionadas no âmbito
da ecologia, evolução e biologia do desenvolvimento. Há muitas questões sobre a
evolução dos cromossomas sexuais, controle epigenético da expressão sexual, conflitos
genómicos e especiação (evolução dos mecanismos de isolamento reprodutivo) que
carecem de resposta e espera-se que os estudos com as espécies Silene possam
dar alguns esclarecimentos.
Ao longo da sua evolução as plantas
desenvolveram diferentes estratégias reprodutivas, em contraste com os animais
e o género Silene é um exemplo
marcante dessa situação. A maioria das suas espécies são ginodioicas
(em que se combinam flores hermafroditas com flores unissexuais femininas no
mesmo individuo), mas
também existem espécies hermafroditas (todas as flores são bissexuais,
apresentando órgãos reprodutivos femininos e masculinos) e dioicas
(as flores femininas e as flores masculinas aparecem em indivíduos separados).
No género Silene as espécies ginodioicas são as prováveis ancestrais a partir
das quais umas quantas evoluíram para o hermafroditismo e outras para a
dioicia. Por sua vez as espécies dioicas evoluíram em sentidos diferentes,
tendo algumas delas desenvolvido cromossomas sexuais especializados, análogos
aos do sistema reprodutivo dos seres humanos e outros mamíferos.
De notar que na natureza existem alguns milhares
de espécies dioicas mas apenas algumas desenvolveram cromossomas sexuais.
Apesar de tudo as espécies dioicas do género Silene são o alvo preferencial dos cientistas para fazer estudos
comparativos, entre plantas e mamíferos, no que diz respeito à evolução dos
cromossomas sexuais. Estas plantas, muitas vezes anuais, têm a vantagem de se
desenvolverem rapidamente apresentando ciclos de vida curtos em comparação com
os mamíferos.
Nas espécies ginodioicas o sexo é determinado pela presença de genes
de esterilidade masculina citoplasmática (esterilidade parcial ou total numa
planta que resulta numa falha na produção de anteras e pólen). Esta característica nas plantas é controlada por
genes citoplasmáticos que existem na célula do gameta materno e é por isso herdada maternalmente.
A primeira documentação sobre a esterilidade
masculina citoplasmática data do final do seculo XVIII, por Kölreuter, botânico
alemão que foi o pioneiro no estudo das plantas hibridas. A esterilidade masculina citoplasmática está,
hoje em dia, registada em mais de 150 espécies.
Esta anormalidade hereditária inicialmente
considerada um fenómeno indesejável foi entretanto convertida numa vantagem de importância
económica. É um dos métodos utilizados para o melhoramento genético das
produções através da criação de híbridos.
A esterilidade masculina citoplasmática apresenta
vantagens no cultivo de certas espécies ornamentais. As flores dessas plantas
não produzem frutos razão pela qual apresentam maior longevidade (floração mais
alargada no tempo e flores maiores) que as flores das plantas produtoras de
sementes da mesma espécie, característica muito vantajosa em plantas de jardim.
Este tipo de esterilidade masculina também é útil
na produção de sementes hibridas de arroz, soja, girassol, milho e outras, mas
principalmente de espécies comestíveis cuja parte comercial são folhas, caule
ou raiz.
As interacções com o fungo parasita Microbotryum também fizeram do género
Silene um modelo para o estudo da evolução e dinâmica das moléstias em sistemas
naturais. Também as investigações sobre as suas interacções com os insetos
herbívoros poderão aumentar os conhecimentos sobre os processos ecológicos multitróficos e a evolução das plantas infestantes. As ferramentas da genética
molecular (DNA) vão permitir novas abordagens a muitos destes problemas, ao
mesmo tempo que novos progressos poderão ser feitos através da combinação de
estudos da filogenética evolutiva e evolução genética e molecular.
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