Nomes comuns:
Folhas-de-veludo, malvão, juta-da-china
Foi no recanto do jardim reservado ao cultivo de frutos e
legumes que vi pela primeira vez esta linda herbácea de folhas aveludadas.
Quase escondida pela produção exuberante dos tomateiros, só em finais do verão
dei por ela. Pelo seu pequeno tamanho - considerando os padrões de exigência de uma planta anual - é possível que tenha germinado tardiamente.
Apesar das flores incipientes era óbvio
que já tinha florido anteriormente pois foram os frutos que primeiro chamaram a
minha atenção. Era um exemplar solitário e completamente diferente das outras
ervas que costumam invadir os canteiros da pequena horta. Certamente foi trazida
de longe por alguma pequena ave, talvez, quem sabe, uma oferenda ou proposta de amizade...
Deixei
passar algumas semanas enquanto observava o seu desenvolvimento e tentava
identifica-la. Entretanto, abriram as flores de tom amarelo e amadureceram os
frutos mas Infelizmente as chuvas que este ano chegaram precocemente e de forma
persistente deterioraram o que restava dos tomates e foi necessário arranca-los
rapidamente, o mesmo acontecendo com as infestantes habituais que este ano atacaram
com força redobrada.
Quando dei por isso, da bela planta nem rasto, devidamente
despejada juntamente com as suas “comadres” no contentor apropriado aos lixos
biológicos. Mas, mais ano menos ano, ela voltará seguramente a germinar no mesmo local, pois algumas
sementes terão ficado no solo. Quando tal acontecer, se eu desejar deixa-la crescer
terei de ter o cuidado de recolher os frutos antes que as sementes amadureçam,
evitando assim a sua proliferação. É que, identificada a espécie, Abutilon
theophrasti, fiquei a saber que é uma infestante exótica e altamente invasora, habitual
em grandes plantações de milho e soja. No nosso país a sua presença está assinalada principalmente no Douro litoral e Ribatejo.
Abutilon theophrasti é
por vezes cultivada em jardins mas aparece principalmente em áreas de resíduos,
bermas dos caminhos, terrenos baldios, na proximidade de currais e em campos
cultivados ou incultos. Na realidade é uma espécie tipicamente ruderal e infestante
que coloniza os habitats modificados pelo Homem e enriquecidos com os fertilizantes das
práticas agrícolas.
A área de
distribuição nativa de Abutilon theophrasti vai do sudeste asiático até ao centro
da região mediterrânica. Na China já era cultivada intensamente há 3000 anos.
Era utilizada principalmente para obter fibras usadas na confeção de fios,
cordas, tapetes, sacos, pano grosso, sapatos, redes de pesca, papel e na calafetagem
de barcos; em medicina alternativa usavam-na para tratar febres, disenteria e problemas estomacais; como alimento, as sementes, de sabor semelhante às do
girassol, eram consumidas cruas (depois de tratadas para perderem o gosto
amargo) ou usadas para fazer farinha depois de secas. Hoje em dia, contudo,
existem alternativas mais rentáveis e saborosas pelo que se pode dizer que a
planta deixou de ser apelativa.
Entretanto, através do Mediterrâneo, Abutilon theophrasti foi abrindo caminho para a Europa e
o resto do mundo.
Abutilon theophrasti foi introduzida na América do Norte pelos ingleses antes de 1750, como uma potencial produtora
de fibras. A ideia dos investidores era conseguir uma fonte de fibras que os
tornasse autossuficientes nesse campo, em vez de estarem dependentes das
fibras importadas.
No mundo de hoje, em que dispomos de uma variedade imensa
de materiais sintéticos, é difícil imaginar como as fibras vegetais eram
importantes para a sociedade de há centenas de anos. Todos os setores da vida
doméstica ou comercial estavam delas dependentes, de uma forma ou outra. As
fibras eram usadas não só na confeção de têxteis, cestaria, manufactura do
papel mas também na construção civil, pesca e navegação marítima. Por exemplo,
as correntes metálicas só foram introduzidas nos navios em meados do século XIX, sendo até então utilizadas grande quantidade de cordas, compridas e grossas, manufaturadas
a partir de fibras vegetais.
Convento de Cristo - Tomar Um belo exemplo do estilo Manuelino, em que as cordas se salientam como elemento decorativo |
Podemos fazer apenas uma pálida ideia dos quilómetros de cordame que foram necessários durante a campanha dos descobrimentos, da dificuldade em conseguir tamanha quantidade de fibras e de quantas plantas foram sacrificadas para que novos mundos fossem alcançados. As cordas eram de tal forma importantes que constituíram um dos elementos decorativos mais repetidos pelos artistas do estilo Manuelino.
No Novo Mundo o projeto de uma indústria própria para a produção de
fibras através de Abutilon theophrasti foi alvo dos esforços dos agricultores
americanos durante mais de um século, mas nunca foi um sucesso comercial. Em vez disso, o plantio
persistente desta planta tornou-a numa praga agrícola causando prejuízos
avultados, chegando atualmente a reduzir as colheitas de milho e soja em cerca de 34%, só nos Estados Unidos e Canadá, apesar
do uso intensivo de herbicidas. O mesmo se passa em alguns países do sudeste
europeu, nomeadamente Alemanha, Republica Checa e Hungria.
De notar que cada planta de Abutilon theophrasti produz entre
800 a 17000 sementes as quais se mantêm viáveis no solo durante 4 a 5 décadas estabelecendo um banco de sementes tão abundante e resistente que torna
praticamente impossível o controlo da espécie. Uma vez germinada, a planta
torna-se altamente competitiva, concorrendo com as espécies agrícolas pela luz
do sol, espaço no solo, por água e nutrientes. Além disso segrega substâncias
alelopáticas cuja composição química impede que outras plantas se desenvolvam em seu redor.
Abutilon theophrasti é uma espécie anual que se
desenvolve a partir de um caule ereto e vigoroso o qual se ramifica na parte
superior formando um pequeno arbusto que pode alcançar mais de 1,5 m de altura.
O caule e os ramos estão densamente cobertos por curtos pelos estrelados e simples que
lhe dão um toque aveludado.
As folhas têm peciolos longos e dispõem-se nos ramos de
forma alternada; a venação é palminérvea; quanto à forma, as folhas são
cordiformes (em forma de coração) ou arredondadas, com a extremidade
aguda e ligeiramente curva; as margens apresentam pequenos dentes; são discolores porque
a face superior tem um tom de verde diferente da página inferior; ambas as
faces estão cobertas por pelos que as
tornam macias e aveludadas ao toque.
As flores, providas de órgãos reprodutores masculinos e
femininos, surgem na axila das folhas superiores e agrupam-se em inflorescências
do tipo cimeira ou são solitárias. A corola é formada por 5 pétalas de um tom
amarelo intenso, de forma obovada e com um pequeno entalhe na extremidade. O cálice é constituído por 5 sépalas cobertas por pelos e unidas na metade
inferior e que continuam a crescer até à maturação dos frutos. Não existe
epicálice. O androceu é formado por
numerosos estames fundidos até certa altura, formando um tubo ao redor do ovário
e depois livres entre si. A fecundação faz-se principalmente por autopolinização
embora também possa ocorrer polinização cruzada com auxílio de insetos.
O fruto de Abutilon
theophrasis é um esquizocarpo, densamente coberto por pelos, primeiro de cor
verde, tornando-se quase preto ao atingir a maturação.
O esquizocarpo é
semelhante a uma cápsula circular, maior que o cálice e constituída por 12 a 15
mericarpos presos a uma coluna central e que permanecem intactos até à
maturação. Os mericarpos estão dispostos como os gomos de uma laranja, e têm 3
faces: a dorsal ligeiramente côncava e estreita e as laterais planas, lisas e glabras.
Parte superior do esquizocarpo com sementes maduras Foto de Invasive.org |
Cada mericarpo contém 2
ou 3 sementes que são libertadas através de uma abertura situada no ápice. As sementes, achatadas e glabras, apresentam coloração escura e forma de
rim.
A floração ocorre principalmente durante os meses de julho
e agosto.
Uma vez iniciada a floração cada
planta produz sementes de forma contínua até à chegada dos primeiros frios. As
sementes amadurecem cerca de 20 dias após a abertura das flores. Cada
esquizocarpo produz entre 25 a 45 sementes pelo que uma planta grande pode
produzir varias centenas de mericarpos e milhares de sementes. As sementes
maduras sao rapidamente disseminadas pelo vento, agarradas ao pelo de algum
animal ou misturadas com as colheitas. De notar que passam incolumes pelo trato
digestivo dos animais, se deglutidas.
Abutilon
theophrasti pertence à familia Malvaceae que
constitui uma das
grandes famílias botânicas, abarcando atualmente mais de 4225 espécies, agrupadas
em cerca de 243 géneros. Até há pouco tempo esta família era bem mais
pequena mas após estudos filogenéticos, passou a englobar outras famílias.
Esta
família reúne espécies que se distribuem por todos os continentes (exceto as
regiões mais frias), havendo uma maior representatividade nos trópicos. É constituída
principalmente por trepadeiras, herbáceas, arbustos e árvores estando o cacaueiro
(Theobroma cacao) e os algodoeiros (Gossypium spp) entre os seus representantes
mais conhecidos. Muitas espécies desta família têm importância relevante em
paisagismo. As espécies arbóreas de grande porte são indicadas para arborização
de grandes parques e jardins enquanto certas espécies arbustivas, como os Hibiscus spp ou Abutilon spp também podem ser usadas em jardins
familiares, em maciços ou como exemplares isolados. Estas espécies têm grande potencial ornamental. Desenvolvem-se bem na terra ou em
vaso e têm a vantagem de ter uma floração muito abundante e prolongada.
Abutilon theophrasti está hoje em dia incluída
no género Abutilon mas já esteve incluída no género Sida com o nome de Sida abutilon L. (basónimo de Abutilon theophrasti Medikus).
- Para ver um pequeno filme sobre a planta Abutilon theophrasti e a forma de recolher as fibras, clique AQUI.
- Clicando AQUI pode aceder a uma galeria de fotos de híbridos de Abutilon, especialmente preparados para fins ornamentais.
Fotos de Abutilon theophrasti: Serra do Calvo/Lourinhã.
Fotos de Abutilon theophrasti: Serra do Calvo/Lourinhã.