Nomes comuns:
Centonódia, erva-da-ferradeira, erva-da-muda, corriola-bastarda,
erva-dos-passarinhos, erva-da-saúde, erva-das-galinhas,
língua-de-perdiz, persicária-sempre-noiva,
sanguinária, sanguinha, sempre-noiva-dos-modernos.
Polygonum
aviculare é a terceira espécie do género Polygonum (familia Polygonaceae) que encontrei nesta região,
juntando-se a outras duas já aqui referenciadas, nomeadamente Polygonum maritimum e Polygonum lapathifolium.
Polygonum
aviculare é uma espécie nativa da Europa
ou Eurásia. No entanto, hoje em dia é uma das plantas mais disseminadas no
planeta. Esta distribuição generalizada é atribuída a várias características da
planta, nomeadamente o elevado polimorfismo genético, grande plasticidade
fenotípica, produção prolífica de sementes, múltiplos meios de dispersão de
sementes, formação de um banco de sementes persistente e alelopatia (estratégia
que consiste na produção de substancias químicas que impedem a emergência ou sobrevivência de outras plantas nas proximidades).
Polygonum
aviculare é uma planta anual cujo período de floração vai de março a novembro, dependendo da localização. É,
principalmente, uma infestante das culturas de primavera e um dos problemas
mais sérios na grande variedade de culturas dos climas temperados, sendo uma
das poucas ervas que são igualmente abundantes entre as culturas cerealíferas e
as culturas de folhas larga, nomeadamente os legumes. É muito frequente em
hortas, especialmente em climas mediterrânicos, também em pastagens e viveiros.
Prefere os solos nitrogenados e algo húmidos mas também ocorre em espaços
urbanos, nas rachas dos pavimentos, em solos pobres e compactados onde outras
plantas encontram dificuldades em sobreviver.
Em Portugal continental, onde é
autóctone, ocorre em quase todo o território sendo mais rara no Alentejo.
Também é nativa no arquipélago da Madeira, mas é exótica nos Açores.
Tal como as outras espécies do seu género os caules
herbáceos são formados por nós e entrenós. Os caules desta espécie não têm
pelos e são geralmente decumbentes, ou seja, desenvolvem-se sobre o solo apenas
com a extremidade ascendente. Estes caules são bastante longos, podendo atingir
cerca de 1 metro de comprimento, por vezes formando grandes tapetes.
Os caules
apresentam estrias longitudinais e ramificam-se quer na base quer nos nós que
entram em contacto com o solo. Também esta espécie apresenta duas
estipulas membranosas que estão unidas e enroladas em torno dos caules nos nós,
no ponto onde se inserem as folhas, escondendo o curto pecíolo e formando uma
estrutura cilíndrica denominada ócrea.
Ócrea |
A ócrea de Polygonum aviculare é transparente, por vezes de
aparência esbranquiçada e os dois segmentos que a constituem são longos,
estreitos e pontiagudos.
As folhas inserem-se de forma alternada mas variam em
tamanho e forma na mesma planta, podendo ser lanceoladas ou elípticas com ápice
agudo ou arredondado. São de cor verde ou verde-acinzentado ou glaucas,
inteiras e glabras.
As flores são muito pequenas e nascem na axila das
folhas, estando muitas vezes parcialmente envolvidas pela ócrea. Tanto podem
ser solitárias como crescerem em grupos pouco numerosos de 2 a 8 flores. Estas
inflorescências podem distribuir-se equitativamente ao longo dos caules ou ser
mais numerosas na parte superior dos mesmos.
A maioria das fontes sugere que esta espécie se
reproduz por autofecundação. Contudo, a presença de flores abertas indica que
também pode ocorrer a polinização cruzada. Existem registos de visitas a estas
flores por mais de 36 tipos de insetos que se alimentam do néctar. Tendo em
conta o hábito prostrado de muitos dos caules e a consequente existência de
flores ao nível do solo, os insetos que visitam esta planta tanto podem ser voadores
como terrestres.
Numa mesma planta existem flores cleistogâmicas
(flores fechadas, de autofecundação obrigatória) e flores casmogâmicas (flores abertas
em que predomina a polinização cruzada). No que diz respeito às flores casmogâmicas,
apenas uma flor abre de cada vez em cada uma das inflorescências. A ântese
ocorre de manha cedo e cada flor permanece aberta durante um período variável
que vai de 1 a 4 dias, fechando definitivamente ao fim do dia. Estes dois tipos
de flores partilham características comuns.
O ovário tem 3 estiletes muito
curtos que terminam em estigmas com a ponta arredondada. O ovário posiciona-se sobre um
pequeno pedúnculo (ginóforo) compreendido entre o androceu e o gineceu, de forma
que os estigmas alcançam o mesmo nível dos estames do círculo interior.
Os estames organizam-se em dois verticilos (5 num
circulo interior e 3 num circulo exterior) e o seu número total varia entre 5 e
8 porque ocasionalmente o verticilo exterior não existe. Os 5 estames interiores
têm filetes engrossados com bases achatadas e são mais compridos que os 3
estames exteriores os quais tem filetes filiformes. De notar que o numero de
estames pode alterar-se durante o período vegetativo.
As flores autopolinizam-se
quando os estames internos se curvam sobre os estigmas. Os restantes estames
alternam com os segmentos do perianto e dobram-se para fora garantindo assim a
polinização cruzada se qualquer inseto visitar a flor.
Estas flores podem ser
consideradas protândricas (quando as anteras ficam maduras e libertam o pólen
antes de os estigmas se tornarem recetivos) embora normalmente ocorra um curto
período em que as fases férteis masculinas e femininas se sobrepõem. Quando as
tépalas se fecham e os estames são forçados a entrar em contacto com os
estigmas, regista-se um lapso de tempo em que as flores ainda não polinizadas
têm uma segunda oportunidade, ocorrendo então a autopolinização.
Os nectários
habitualmente bem desenvolvidos noutras espécies de Polygonum não existem em Polygonum
aviculare, mas regista-se a presença de néctar o que leva a crer que o mesmo poderá ser
segregado pelas células da base dos filetes estaminais.
Sementes de Polygonum aviculare. Foto de RASBAK (pormenor) Fonte Wikimedia Commons |
As sementes são aquénios que se desenvolvem envolvidos pelas
tépalas que formam o perianto e nele permanecem inclusos ou ligeiramente
exsertos na maturação. Têm cor castanha mais ou menos escura e são triangulares,
com as faces concavas.
Uma só planta de Polygonum
aviculare pode produzir entre 125 a 6400 sementes dependendo da
disponibilidade de recursos e o nível de competição com outras espécies. Estas sementes são muito resistentes, quer ao pisoteio, quer
aos ácidos digestivos dos animais que as ingerem e também são impermeáveis à
ação da água. A dispersão é feita por aves, mamíferos e também pela água. Podem
ainda ser levadas para outros locais pela maquinaria agrícola.
Estes aquénios entram em dormência com o calor. Assim,
necessitam de ser submetidos ao frio do inverno para poderem germinar, sendo
que as temperaturas baixas quebram a dormência ao passo que as temperaturas
altas do verão a reforçam.
As plantas começam a produzir sementes cerca de dois
meses após a germinação.
Polygonum
aviculare é definida como uma espécie
altamente polimórfica. Existem consideráveis variações genéticas nos seus hábitos de
crescimento, floração, número de sementes e tempo de vida. Devido à sua extensa
plasticidade fenotípica diferentes variedades têm sido descritas e consideradas
como espécies separadas. Assim, tem sido sujeita a diversas classificações taxonómicas
ao longo dos anos. Algumas autoridades consideram a divisão de Polygonum aviculare em varias
subespécies, enquanto outras a identificam como uma única espécie, embora muito
polimórfica. De forma geral, as subespécies descritas são muito difíceis de
diferenciar. As diferenças relacionam-se com
a forma das folhas (mais estreitas ou mais largas), a constância no tamanho das
folhas (mesmo tamanho ou tornando-se mais pequenas à medida que se aproximam do
topo dos caules), o comprimento relativo das tépalas e a forma do seu ápice
(encapuzado ou plano).
O nome específico aviculare
vem do latim aviculus, diminutivo
de avis (= uma ave), referindo-se ao
facto destas sementes servirem de alimento a muitos dos nossos pequenos
pássaros.
Polygonum
aviculare é, desde há muito, utilizada
como planta medicinal. Na literatura especializada foi classificada como
"analgésico, antipiretico, antisséptico, adstringente, colagogo (com ação
sobre a vesícula biliar), emoliente, diurético, emético, expectorante, hemostático,
laxante, tónico, vasoconstritor, vermífugo e vulnerario". A erva tem
efeitos benéficos contra problemas cardiovasculares, infecções (Tunon et al.,
1995) e deficiências de imunidade (Plachcinska et al., 1984; Stajner et al.,
1997). Consequentemente, a erva é um dos ingredientes usados em suplementos comercializados
para tratar doenças relacionadas. Contém produtos químicos antimicrobianos
gerais (Cowan 1999), glicosídeos, flavonóides, mucopolissacarídeos (Wren 1992;
Kim et al. 1994; Vysochina 1999; Smolarz, 2002).