Erva dos vasculhos; gilbarbeira; gilberbeira; pica-rato;
sazevinho-menor; azevinho dos pobres
O Ruscus aculeatus é uma espécie perene. As ramificações que surgem desde
a base formam um arbusto compacto e de forma arredondada, com cerca de 20 a 100
cm de altura.
Os caules, eretos, brotam a partir de um rizoma, ou seja um caule
subterrâneo que se desenvolve na posição horizontal em relação ao solo e a
partir do qual se formam, não só as raízes mas também as gemas que irão dar
origem a novos indivíduos.
Fazendo parte da
família das Asparageceae, o Ruscus aculeatus foi incluído no género Ruscus o qual integra umas 7 espécies de
arbustos perenifólios nativos de algumas ilhas atlânticas europeias e da região
mediterrânica.
Ocorrências em Portugal - Fonte: Flora on |
Podemos encontra-lo em quase todos os tipos de solo mas
mostra preferência por locais secos e férteis, em situações de sol ou alguma
sombra, por vezes debaixo de arvores, nomeadamente em soutos ou montados; é
também comum em matos tipicamente mediterrânicos formados por espécies de baixa
altura, de folhas sempre verdes, pequenas e coriáceas; aclimata-se bem aos
ventos marítimos, podendo por isso encontrar-se em arribas costeiras; suporta
bem alguns períodos de seca mas em contrapartida é muito sensível ao frio.
Exemplar queimado pelo frio, apesar de se encontrar ao pé do mar onde não se registam geadas |
Sendo que esta espécie vive em condições de secura, é interessante notar
certas adaptações morfológicas e fisiológicas que lhe permitem a utilização da
água e nutrientes de forma eficiente. Assim, de forma característica, este
pequeno arbusto quase não apresenta folhas as quais foram gradualmente
diminuindo de tamanho no decurso da evolução da planta, como meio de poupar
água.
As folhas foram substituídas por ramos de caules modificados, i.e.
expansões de forma oval que são designados por cladódios e têm a aparência de
folhas. Os cladódios, devido à sua textura coriácea resultam numa economia de
água uma vez que reduzem consideravelmente a evaporação. Os cladódios, rígidos
e terminando num acúleo (ponta curta, rígida e afiada), apresentam
cor verde tal como os caules normais, devido à presença de clorofila.
Curiosamente todas as partes da planta estão especialmente adaptados para
poderem fazer a fotossíntese e as respetivas trocas gasosas.
Foto: Andrea Moro Dipartimento di Scienze della Vita, Università di Trieste |
As flores, muito
pequenas, crescem isoladas no centro dos cladódios e apresentam órgãos reprodutores
em sistema de separação de sexos, isto é, existem plantas com flores
masculinas e plantas com flores femininas (flores dioicas). À primeira vista
flores femininas e masculinas são semelhantes, apresentando o perianto
(conjunto de cálice e corola) em forma de estrela com 6 peças florais livres e
desiguais, de cor violácea ou esverdeada; as flores femininas têm um pistilo
muito curto e o estigma esférico; as masculinas têm 3 estames, com anteras
amarelas, cujos filetes estão soldados a todo o comprimento formando um tubo
inserido na base da flor.
Foto: WIKIPEDIA |
As flores férteis dão
origem ao fruto, uma baga globosa, inicialmente verde e depois vermelho vivo na
maturação, contendo 1 ou 2 sementes volumosas e de cor amarelada. Estes frutos
são a parte mais apelativa da planta e fazem as delícias de aves e de alguns
pequenos mamíferos que ajudam a disseminar as sementes, através dos dejetos.
A planta propaga-se
não só através das sementes mas também, por via vegetativa, a partir do rizoma.
O Ruscus aculeatus floresce e frutifica durante o inverno. As fotos com os frutos maduros incluidas neste "post" referem-se ao mês de fevereiro.
Há
quem coma os rebentos jovens do Ruscus
aculeatus, crus ou cozinhados, como se fossem espargos com os quais, aliás,
estão aparentados pois pertencem à mesma família. Em contrapartida há que ter
cuidado para não ingerir os frutos que são tóxicos, podendo ter efeito
purgante, especialmente perigoso para as crianças.
O Ruscus aculeatus possui grande número de propriedades medicinais sendo muito utilizado em fitoterapia como anti-inflamatório, vasoconstritor e diurético, especialmente eficaz no tratamento das hemorroidas.
O nome
vernáculo erva-dos-vasculhos, que entre outros se dá ao Ruscus aculeatus, tem a ver com o facto de em tempos menos prósperos
se terem utilizado os seus ramos como vassouras, principalmente nas aldeias,
por serem rígidos, ásperos e muito duráveis.
Contudo, a colheita do todo ou parte do Ruscus aculeatus que cresça de forma espontânea nos nossos campos está muito restringida a nível europeu. Tal como o Ilex aquifolium (azevinho), o Ruscus aculeatus é muito procurado como planta ornamental para jardins e também como elemento decorativo em arranjos de flores. Assim, devido às colheitas excessivas estas espécies encontram-se em risco fazendo, por essa razão, parte da lista de espécies protegidas no âmbito da Directiva-Habitat-Fauna-Flora, 1992.
Sobre a classificação científica...
Nos tempos que correm a espécie Ruscus aculeatus está incluída na
família das Asparagaceae. De notar
que esta planta foi alvo de recente reclassificação tendo feito parte da
família das Lilaceae e também da
família das Ruscaceae, em sistemas de
classificação anteriores.
Pode dizer-se que tem havido
alguma falta de consenso entre os taxonomistas acerca da família ou do género a
que determinada planta deve pertencer.
A classificação científica moderna ainda assenta as
suas bases no sistema do biólogo sueco Lineu do seculo XVIII que agrupou as
plantas de acordo com as suas semelhanças morfológicas, conceito que provou ser
demasiado limitado tendo em conta a diversificação das espécies. Desde então,
muitas espécies foram reclassificadas de acordo com novos conceitos sobretudo
baseados no princípio de Darwin que agrupa as espécies com base na evolução a
partir de um ancestral comum, dando menor importância às características
morfológicas partilhadas. Inevitavelmente estas reclassificações, que aliás nem
sempre foram consensuais, fomentaram alguma confusão devido à discrepância que
se pode encontrar em diferentes manuais da especialidade. Felizmente muita
coisa poderá mudar com a recente evolução da sistemática molecular. Através do
acesso a toda a informação hereditária das espécies pela descodificação do ADN
certamente será possível chegar a um consenso alargado e instituir um sistema
de classificação que não suscite dúvidas. Assim, é expectável que no futuro
muitas mais revisões na classificação das espécies sejam aprovadas por quem de
direito. É também de prever que, tendo em conta a quantidade de espécies em
causa este possa ser um processo complicado e moroso, pelo que teremos de
conviver com informações díspares e navegar em algumas incertezas durante
bastante mais tempo…