Nomes comuns:
Lavatera-de-três-meses; lavatera; malva-real; malva-rosa
Malva trimestris ou Lavatera trimestris,
como é mais conhecida, forma um pequeno arbusto anual de 20 a 80 cm de altura, de aspeto
robusto e de rápido crescimento. A floração acontece, de modo geral, entre os
meses de abril e junho e é exuberante, com flores grandes e vistosas.
É uma espécie nativa da bacia do mediterrâneo e Península Ibérica,
tendo-se naturalizado noutras regiões da Europa e também noutros continentes nomeadamente
na América do Norte. No que diz respeito a Portugal, esta espécie está presente
em algumas regiões do Continente, de onde é autóctone, e também nos Açores,
onde foi introduzida com sucesso.
Distribuição em Portugal - Jardim Botânico da UTAD |
Tecnicamente, o fruto das espécies da família Malvaceae a que pertence esta espécie, designam-se
por esquizocarpos pois resultam da união de vários carpelos soldados. Contudo o
fruto da Lavatera trimestris tem
características especiais, encontrando-se no meio-termo entre um esquizocarpo e
uma cápsula. O fruto desta espécie tem a aparência de um queijo dividido em
porções equivalentes, reunidos em volta de um carpóforo, que os sustenta. O
carpóforo é um prolongamento do eixo floral que, no caso da Lavatera trimestris, aumenta de volume
assumindo forma discóide e cujas abas, transparentes e sem cor, cobrem
inteiramente os mericarpos durante a frutificação. Na maturação os mericarpos (correspondentes
aos carpelos integrantes do fruto e cada um com a sua semente), permanecem
aderentes ao carpóforo mas abrem-se e libertam a semente.
Malvaceae e o caso Malva-Lavatera
Grupo malvoide e grupo
lavateroide
Lavatera trimestris pertence à família Malvaceae cujas espécies se distribuem
por todos os continentes (exceto as regiões mais frias), havendo uma maior
representatividade nos trópicos. Esta família é constituída por trepadeiras,
herbáceas, arbustos e arvores estando o cacaueiro (Theobroma
cacao)
e os algodoeiros (Gossypium spp)
entre os seus representantes mais conhecidos. Muitas espécies desta família têm
importância relevante em paisagismo. As espécies arbóreas de grande porte são
indicadas para arborização de grandes parques e jardins enquanto certas
espécies arbustivas, como os Hibiscus
spp ou Abutilon spp também podem ser
usadas em jardins familiares, em maciços ou como exemplares isolados.
A família Malvaceae constitui uma das grandes famílias botânicas abarcando
atualmente mais de 4225 espécies agrupadas em cerca de 243 géneros. Até há bem pouco
tempo esta família incluía apenas cerca de 1500 espécies, divididas em 75
géneros. Contudo, após estudos filogenéticos, passou a englobar outras
famílias, como a Sterculiaceae, Bombacaceae e Tiliaceae, segundo classificação da APG.
A classificação científica tem as
suas raízes no sistema de Lineu (1707-1776) que agrupou as espécies de acordo com as suas características morfológicas
em classes, ordens, famílias e géneros. Desde então, estes agrupamentos foram
alterados múltiplas vezes, como comprovam as
listagens, por vezes extensas, de sinónimos atribuídos a cada espécie. Uma vez
aceites pelo ICNB - Código Internacional de Nomenclatura Botânica - os nomes
científicos mantêm-se como sinónimos, exceto em caso dos isónimos (no caso de nomes
iguais propostos independentemente para a mesma espécie, em alturas diferentes
e por autores diferentes apenas o primeiro tem estatuto de nomenclatura). Muitas
dessas alterações foram feitas após conhecimento da Teoria da Evolução de
Charles Darwin (1809-1882), com base no seu princípio da ascendência comum. Contudo, em face dos meios disponíveis, muitas
alterações basearam-se apenas em critérios morfológicos,
o que originou muitos erros. A descoberta do ADN e a possibilidade de conferir
as semelhanças e diferenças entre espécies através de análise do genoma levaram a
uma autêntica revolução na sistemática botânica, com profundas revisões da
classificação de múltiplas espécies, algumas já feitas, muitas ainda por fazer.
Este vai ser um processo muito trabalhoso e demorado uma vez que o Reino Plantae é um dos maiores grupos
de seres vivos na Terra, com cerca de 400.000 espécies conhecidas. Mas este parece ser o caminho certo
pois estabelece a relação natural entre os grupos de plantas, baseada na sua
evolução.
Lavatera trimestris foi originalmente incluída no género Lavatera, um conjunto de espécies cuja
maior diversidade ocorre na região mediterrânica, embora também existam espécies
nativas da Califórnia e México, Etiópia e Austrália ocidental.
As espécies
do género Lavatera podem facilmente
ser confundidas com as espécies do género Malva, também da mesma
família e que são nativas da região mediterrânica ocidental e maior parte da
Eurásia, tendo sido introduzidas na Austrália e América do Norte. Assim, as espécies destes dois géneros não só crescem frequentemente nos mesmos
habitats como têm folhagem e floração muito parecidas. São arbustos, pequenas árvores e herbáceas anuais,
bianuais e perenes,
Indiferentes a classificações cientificas, as espécies Lavatera e Malva partilham o mesmo nome popular que lhes é atribuido por
vários povos (Ex: malvas em português e espanhol, “mallows”, em inglês e “mauves”
em francês) o que, aliás, se justifica porque estão estreitamente relacionadas.
Segundo o conceito tradicional, um detalhe tem sido usado para diferenciar os géneros Lavatera e
Malva, detalhe esse que tem a ver
com a morfologia do epicálice cujas brácteas (que se formam na base da flor)
são supostamente livres no género Malva e fundidas no género Lavatera.
Esta é a versão tradicional e que vigora desde a época de Lineu (1707-1776), no entanto,
este argumento tem sido contestado desde sempre por muitos autores. Na
realidade, o grau de fusão das brácteas é muito variável de espécie para
espécie em ambos os géneros, muitas vezes diferindo entre as populações da mesma
espécie, pelo que muitos autores continuam a achar que a morfologia do
epicálice não é um argumento satisfatório para a diferenciação entre Malva e Lavatera.
A história começou quando o botânico
francês Tournefort (1656-1708), pioneiro da sistemática botânica e a quem se
atribuem os créditos de ter sido o primeiro a fazer a distinção entre espécies
e géneros, propôs Lavatera como género monótipo, em que a única espécie era a Lavatera trimestris, dadas as suas
características morfológicas únicas. Esta decisão baseava-se nas suas
observações das diferentes características do fruto e carpóforo, entre a espécie
Lavatera trimestris (espécie tipo do género Lavatera) e espécies não
especificadas do género Malva.
Contudo, Lineu (1707-1776) ignorou as características do fruto estudadas e relatadas
por Tournefort e preferiu dar ênfase à fusão ou não fusão das brácteas do
epicálice. Em consequência, retirou algumas espécies do género Malva para as
incluir no género Lavatera,
redefinindo este género e alterando por completo o conceito que tinha servido
de base à sua criação.
O facto de Lavatera trimestris possuir um epicálice peculiar pode ter levado a
esta decisão de Lineu, mas a verdade é que o epicálice da L. trimestris é
atípico quando comparado com quase todas as espécies, quer do género Malva quer do género Lavatera.
As análises moleculares conduzidas por Martin Forbes Ray (1995) e
Fuertes-Aguilar et al. (2002) confirmaram que esta divisão é artificial uma vez
que muitas espécies colocadas no género Lavatera estão mais próximas de Malva sylvestris (a espécie tipo do
género Malva), do que outras espécies
desse mesmo género e provou também que os frutos são fatores essenciais a considerar.
(espécie tipo –
“Para evitar ambiguidade e permitir resolver
eventuais conflitos de identificação, cada nome botânico é ligado a uma espécie tipo, quase sempre uma planta herborizada e arquivada num herbário de referência. Esses exemplares tipo têm um valor excepcional para a
ciência, sendo disponibilizados pelos herbários seus detentores para análise e
comparação sempre que surjam dúvidas ou haja necessidade de rever o taxon
respectivo. Muitos desses exemplares têm hoje a sua imagem disponível na
Internet” @Wikipedia).
Nesta conformidade as espécies destes dois géneros, juntamente
com os géneros Alcea e Althaea, foram divididas em dois grupos,
independentemente dos géneros em que tinham sido antes colocadas (exceção feita
a Lavatera phoenicea, endémica das
Canarias):
- Grupo de fruto Lavateroide,
assim chamado porque o tipo de fruto em causa se encontra na
Lavatera trimestris, a espécie tipo do seu género. Neste grupo estão incluídas as espécies cujos frutos apresentam mericarpos parcialmente fundidos, os quais permanecem aderentes ao carpóforo
mas se abrem para libertar as sementes, quando maduras.
-
Grupo de fruto malvoide,
que tem como espécie tipo a Malva
sylvestris. Neste caso os frutos possuem esquizocarpos com mericarpos de
arestas marcadas e paredes espessas que não libertam a semente mas que se
destacam do carpóforo quer separadamente, quer no seu conjunto, sem deixar
resíduos.
De notar que os frutos malvoide e lavateroide são, contudo,
encontrados tanto em espécies do género Malva
como do género Lavatera,
independentemente da sua classificação genérica.
Em consequência, as espécies incluídas no
grupo Malvoide foram transferidas para o género Malva, embora permaneçam duvidas pelo facto de algumas espécies apresentarem frutos com morfologia intermédia. Em muitos artigos a transferência de Lavatera
trimestris é também dada como certa.
Link http://www.theplantlist.org/tpl/record/kew-2504047
Link http://www.theplantlist.org/tpl/record/kew-2504047
Muitas espécies do grupo Lavateroide continuam em duvida pois formam um grupo
mais heterogéneo, muitas delas não tendo ainda sido analisadas
sob o ponto de vista genético. Contudo, uma vez que não parece praticável subdividir
o grupo Lavateroide em muitos géneros, há botânicos que propõem incluir todas as
espécies num único género, Malva. A desvantagem desta transferência seria o facto de Malva L. se transformar num género morfologicamente muito diversificado e de difícil identificação. Por outro lado
as vantagens de tal classificação prevalecem claramente uma vez que todas as espécies
reunidas no género Malva passariam a
representar um grupo monofilético único, contendo todas as espécies descendentes do seu
ancestral comum.
Muitos outros fatores estão em causa para além do acima exposto mas uma coisa é certa, os taxonomistas não vão ter vida fácil para
desenredar esta “meada”, que acresce a tantas e tantas outras situações
intrincadas. Resta-nos desejar e esperar que haja mais cientistas interessados e
meios que tornem possível a tomada de medidas acertadas.