Elymus farctus e Ammophila arenaria:
espécies pioneiras
dos sistemas dunares
As dunas são parte integrante de algumas regiões
do nosso litoral, onde uma maior acumulação de areias levou à sua formação. São
muralhas que impedem o galgamento das águas do mar, proporcionando uma rápida
transição entre o mundo marinho e o continental. Nelas podemos encontrar
ambientes complexos formados por uma ampla variedade de ecossistemas.
Elymus farctus e Ammophila arenaria são duas espécies pioneiras na formação das
dunas e as suas características tornam-nas imprescindíveis na estabilização e
equilíbrio dos sistemas dunares do litoral. Cada uma destas espécies assume
funções diferentes mas complementares. Não há outras espécies que as substituam
pelo que a sua ausência pode levar à degradação de todo o sistema dunar.
Elymus farctus (Viv.) Runemark
ex Melderis
subsp. boreali-atlanticus
(Simonet & Guinochet) Melderis
Nomes comuns:
Feno-das-areias; grama-canina-das-areias;
grama-francesa-das-areias
Elymus farctus é uma espécie autóctone
que podemos encontrar nas areias de praticamente toda a zona arenosa litoral de
Portugal continental e arquipélago da Madeira. É, sobretudo, inevitável como
espécie pioneira das dunas litorais mostrando grande tolerância a submersões
temporárias pela água do mar, quer durante os temporais de inverno quer na
época das marés-vivas. De forma geral, distribui-se por todo a costa atlântica
europeia desde Portugal até à Escandinávia.
É na parte mais recuada da praia que surgem as
primeiras acumulações de areia que vão dar origem às dunas embrionárias, as
mais expostas aos ventos fortes e ocasionalmente atingidas pelos salpicos das
ondas. Nestas acumulações de areia surgem as primeiras plantas perenes que vão
desencadear o processo de evolução do sistema dunar.
A primeira entre todas é a Elymus farctus, gramínea perene de crescimento relativamente rápido
que desempenha um papel fundamental durante a acumulação de sedimentos,
favorecendo a colonização do espaço adjacente por outras espécies. Para tal, Elymus farctus forma tufos pouco densos junto
aos quais se vão acumulando as areias trazidas pelo vento. Estas acumulações de
areia vão crescendo e aos poucos vão cobrindo parcialmente a planta. Mas ela
não se dá por vencida e para compensar, também ela cresce em altura, evitando
sempre o soterramento. As suas raízes nascem a partir dos caules rizomatosos os
quais estão implantados a grande profundidade e formam uma massa intrincada de
ramificações que dão origem a novos rebentos.
Os caules são colmos, isto é, são
ocos e apresentam nós e entrenós bem visíveis; podem atingir 60 cm acima do
nível de areia e são rígidos, delgados e sem pelos.
As folhas, de cor glauca (verde-azulado) e com
nervuras proeminentes e paralelas, colocam-se alternadamente nos colmos; têm
forma linear, podendo apresentar-se planas ou enroladas longitudinalmente; a página
superior da folha é lisa mas toda a face inferior (ou interior, quando
enrolada) está provida de estomas, pequeníssimas aberturas que permitem as
trocas gasosas entre a planta e o meio ambiente. Os estomas controlam a
quantidade de água perdida diariamente, fechando-se ou abrindo conforme as
necessidades da planta.
As flores, de tamanho muito reduzido, são
polinizadas por ação do vento e cada uma delas está provida de órgãos
reprodutores masculinos e femininos (3 estames e 1 estilo com 2 estigmas). São
flores muito simplificadas pois uma vez que não necessitam de atrair insetos
polinizadores não desperdiçam energias em pétalas ou sépalas, estando estas reduzidas a 2
escamas elípticas e membranosas, as lodículas.
Os órgãos reprodutores estão protegidos por brácteas as quais também têm papel importante na dispersão da semente: a pálea e a lema rodeiam cada uma das flores e as duas glumas envolvem todo o conjunto da espigueta.
Os órgãos reprodutores estão protegidos por brácteas as quais também têm papel importante na dispersão da semente: a pálea e a lema rodeiam cada uma das flores e as duas glumas envolvem todo o conjunto da espigueta.
As flores agrupam-se numa espiga direita ou ligeiramente curva formada por espiguetas (espigas secundarias) diretamente implantadas num
eixo central (raquis) e comprimidas lateralmente. Cada uma das espiguetas tem 3
a 8 flores dispostas alternadamente em lados opostos da ráquila (eixo da
espigueta).
A floração dá-se no início do verão.
Os frutos, tecnicamente denominados cariopses,
são pequenos grãos semelhantes ao arroz ou ao trigo.
subsp. arundinacea H. Lindb.
Nome vulgar: estorno
Uma vez iniciado o processo de retenção das areias arrastadas pelo vento,
ação em que Elymus farctus tem papel
fundamental, outras espécies surgem nas areias, ainda móveis. A mais importante
é sem dúvida a Ammophila arenaria, muitas
vezes chamada construtora das dunas devido à sua enorme capacidade de retenção e
fixação de areia. Esta espécie desponta quando a duna chega mais ou menos a um metro de altura,
protegendo-se assim de possíveis submersões pela água do mar, cujo sal não
tolera. É maior que a Elymus farctus e forma
tufos mais fortes e densos cuja função principal é fixar as areias, permitindo
que a duna, em formação, possa ter estabilidade suficiente para que outras espécies
nela possam viver. Enquanto os seus densos tufos cortam a força do vento e dão
abrigo e sombra, o seu raizame profundo e intrincado funciona como ancora.
A Ammophila arenaria é uma gramínea
perene que pode ir dos 60 aos 120 cm de altura. Os tufos herbáceos formam-se a
partir de um sistema de raízes rizomatosas rastejantes e profundas, que podem
chegar aos 5 metros de profundidade. O contínuo soterramento parcial da planta
não só estimula o crescimento vertical das folhas e caules, com formação de
novas raízes adventícias, como é mesmo necessário para evitar o envelhecimento
prematuro das folhas.
As raízes desenvolvem-se também paralelamente à superfície, dando origem a
novas plantas. Recentemente, alguns estudos demonstraram que as raízes da Ammophila arenaria estabelecem
associações com fungos microrrizas, colaboração que lhes permite tirar o máximo
proveito dos escassos nutrientes existentes na areia.
Os caules, resistentes e direitos, designam-se
por colmos. São os caules característicos das gramíneas, cilíndricos e ocos, formando
nós e entrenós os quais passam despercebidos por estarem envolvidos pelas bainhas
das folhas.
As folhas são alternas, lineares e rígidas mas com margens suaves, exceto
na ponta.
Por vezes, as folhas parecem cilíndricas porque se enrolam longitudinalmente
sobre a página
superior, de forma que, tecnicamente, a face exposta é a página inferior
(lisa e de cor verde-azulado) enquanto a página superior (com alguns pelos e
nervação paralela) fica escondida. Este enrolamento acontece quando é necessário
controlar a transpiração e a consequente perda de água.
A Ammophila arenaria floresce de maio a
julho. As flores, diminutas, reúnem-se numa inflorescência compacta, ereta e cilíndrica,
formada por muitas espiguetas. Estas apresentam uma só flor, fortemente
comprimidas lateralmente.
As pequenas flores estão reduzidas aos órgãos reprodutores
masculinos e femininos (3 estames + 1 pistilo com 2 estigmas) e são polinizadas
pelo vento.
Cada uma das flores está protegida por brácteas coriáceas e de
forma lanceolada: 2 glumas + 1 pálea + 1 lema.
O
fruto é uma cariopse, semelhante a um grão de cereal.
Em tempos idos, as
populações costeiras utilizavam as espiguetas dos colmos floridos da Ammophila arenaria e também as suas folhas,
para fazer cestos e vassouras, enquanto que dos caules subterrâneos se
fabricavam cordas e tapetes. Hoje em dia existem maneiras mais económicas e
menos trabalhosas de conseguir os mesmos produtos pelo que a colheita excessiva
desta espécie para estes efeitos não vai atrapalhar, por certo, a sua sobrevivência.
Ainda assim, os cortes de Ammophila
arenaria são passíveis de acontecer além de que outras ameaças podem por em
perigo esta espécie insubstituível. O emagrecimento das zonas de praia que se
regista na atualidade e a subida do nível do mar colocam a Ammophila arenaria à mercê da água salgada que a pode matar ou
debilitar, irremediavelmente.
Por outro lado regista-se uma sobreutilização das
dunas embrionárias pelos banhistas e o pisoteio é excessivo, na tentativa de
criar acessos diretos às praias. As obras efetuadas nas zonas costeiras
nomeadamente paredões, molhes e pontões, também são responsáveis pelas
alterações na dinâmica sedimentar, assim como a circulação de viaturas e a
extração de areias.
Elymus farctus e Ammophila arenaria pertencem à família Poaceae (também denominada Gramineae) que
compreende mais de 10.000 espécies (agrupadas em 650 géneros) e que estão espalhadas
por todos os continentes. No que diz respeito à economia mundial esta família
botânica é uma das mais importantes pois inclui muitas espécies de cereais que são
a base da alimentação humana, quer por via direta quer através de
forragens. Inclui também muitas espécies ornamentais.
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