Nomes comuns:
Pica-três,
bardana-espinhosa, arzola, gatinho
Quando voltamos de
um passeio de verão pelo campo, são grandes as hipóteses de trazermos para casa
a tarefa incomoda de arrancar pequenas sementes e folhas que se agarraram
tenazmente às meias e aos atacadores dos sapatos de ténis.
Ganchos, espinhos ou outros "apetrechos" permitem que pequenas sementes se agarrem a tudo o que passa perto. São intencionais e fazem parte das estratégias de que se
socorrem certas espécies para se fazerem transportar à boleia para longe da planta-mãe,
conseguindo assim iniciar novas colónias. Nesta perspetiva uma das plantas
mais irritantes é Xanthium spinosum, uma sobrevivente por excelência que, a
pouco e pouco, vem conquistando lugar privilegiado no mundo.
Xanthium spinosum é
muito fácil de identificar.
É uma planta anual, robusta e de tamanho médio,
podendo atingir os 90 cm de altura. Os seus caules são eretos ou ligeiramente
curvados, rígidos e muito ramificados.
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A seta assinala os espinhos tripartidos que nascem na axila das folhas |
Os caules são de cor verde-claro, com um
indumento de pelos fracos e densos. Quando jovens os caules são herbáceos
tornando-se, depois, algo lenhosos. De forma característica, os caules projetam
longos espinhos tripartidos de cor amarelada que nascem nos nós da axila das
folhas.
As folhas dispõem-se
de forma alternada e ligam-se ao caule através de pecíolos curtos ou são quase sésseis. As folhas são relativamente estreitas, com forma lanceolada ou elíptica e são profundamente recortadas; as inferiores são muito irregulares com cinco
lóbulos, sendo o lóbulo médio muito maior que os restantes; as folhas
superiores são bastante mais alongadas dado que os lóbulos medianos podem ser
insignificantes ou ausentes.
A página superior das folhas é de cor verde-escuro
brilhante, com pelos fracos e ralos, mais densos nas nervuras proeminentes e de cor clara; as páginas inferiores apresentam cor esbranquiçada
devido à cobertura de pelos curtos e densos, enrolados sobre si próprios.
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Este é o capitulo que podemos observar em muitas das espécies da família Asteraceae mas não é o caso de Xanthium spinosum, como veremos no texto. |
Esta espécie está
incluída na família Asteraceae/Compositae, no entanto, as flores e os frutos
são muito diferentes da generalidade das espécies deste grupo. A maior
diferença reside no facto de Xanthium spinosum produzir capítulos de flores
unissexuais ao contrário dos habituais capítulos de flores bissexuais.
A principal
característica das Asteraceae são os capítulos, em que as flores minúsculas
estão inseridas num recetáculo em forma de disco e separadas por pequeníssimas
brácteas, estando este conjunto envolvido por um invólucro formado por uma
camada de brácteas maiores.
Ao contrário do que acontece na maioria das espécies da família Asteraceae (em que as flores masculinas e flores femininas se agrupam-se num mesmo capítulo), em Xanthium spinosum
os capítulos são constituídos por flores do mesmo sexo, ou seja, existem
capítulos com flores masculinas + capítulos com flores femininas, mas ambos os tipos coexistindo numa mesma planta (planta monóica).
Em Xanthium spinosum
as flores masculinas também são diferentes das femininas.
Ora vejamos:
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A seta assinala as flores masculinas |
- Os capítulos
masculinos podem ser numerosos e agrupam-se no ápice dos caules ou na axila das
folhas superiores. São globosos, com recetáculo cilíndrico e com invólucro ligeiramente cónico devido à forma lanceolada das brácteas que o formam.
Cada capítulo
masculino tem flores mais ou menos numerosas, as quais são pequeninas e
inconspícuas, de cor variável branco-amarelado ao amarelo-esverdeado. As
corolas são tubulares e translucidas, com 5 lóbulos. Os estames são 5, com os
filetes unidos, mas com as anteras livres.
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A seta assinala as flores masculinas e a estrela indica as flores femininas |
- Os capítulos
femininos crescem na axila das folhas superiores mas abaixo dos masculinos com as flores femininas prontinhas para receber a chuva de pólen que há-de vir de cima, trazida pela brisa.
Os capítulos femininos são solitários ou pouco numerosos e cada capítulo tem
apenas 2 flores. Estas encontram-se encerradas dentro de uma estrutura ovóide formada pelas brácteas involucrais que são coreáceas e cobertas de espinhos em
forma de gancho. Internamente, o capítulo divide-se em dois lóculos, cada um
deles com uma flor feminina sem pétalas. A fertilização realiza-se através dos
estiletes que estão ligados ao ovário e se apresentam salientes através das
aberturas que existem em cada uma das extremidades do invólucro. O pólen dispersa-se com a
ajuda do vento.
Após a fecundação os capítulos femininos transformam-se em frutos rígidos e espinhosos, inicialmente de cor verde e depois amarelo-acastanhado, com duas sementes no seu interior. A planta só se reproduz por semente.
Os espinhos dos frutos terminam em gancho e aderem
ao pelo dos animais e à nossa roupa. Só com muita dificuldade são retirados, o
que lhes permite “viajar” longas distancias e germinar longe da planta-mãe, assim iniciando novas colónias.
Há quem diga que o suíço George de Mestral se
inspirou na morfologia dos espinhos destes frutos para inventar o Velcro, em
meados do século passado. As sementes também podem dispersar-se através da
infestação do pasto ou outros grãos. Flutuam perfeitamente,
dispersando-se também ao viajarem nos cursos de água ou nos regatos formados pela água das chuvas.
As duas sementes que
se encontram no interior dos frutos apresentam períodos de dormência
diferentes. A semente de baixo pode germinar logo na estação seguinte, mas a
outra só germinará passados 2 ou 3 anos permanecendo viável durante cerca de 8
anos.
A planta floresce e
frutifica de julho a novembro, geralmente produzindo sementes durante 2 a 3
meses. Em media, cada planta produz cerca de 150 sementes.
Esta é uma espécie
largamente distribuída pela maioria dos países temperados ou subtropicais do
mundo inteiro. Prospera com vigor e grande poder invasivo em locais onde o solo
foi perturbado, tal como a beira dos caminhos, pastagens, terrenos baldios e
zonas costeiras. É muito resistente à seca, apesar disso, é muito frequente
também em terrenos periodicamente alagados e margens de cursos de agua, diques
e barragens.
Provou adaptar-se de
forma notável numa grande variedade de climas e outras condições ambientais com
exceção de climas de frio ou calor extremo. De forma geral, nas regiões
tropicais só ocorre em altitude, onde as temperaturas são mais amenas.
Aparentemente não apresenta requisitos especiais no que diz respeito ao tipo de
solo. A ampla distribuição de Xantium spinosum pode ser atribuída, pelo menos
em parte, à sua capacidade de adaptação a uma variada gama de condições
climáticas e edáficas.
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Xanthium spinosum ocorre na maioria dos países do mundo quer no hemisfério norte quer no hemisfério sul, entre as latitudes 50ºN e 43ºS, segundo algumas fontes. Fonte do mapa: Wikimedia commons |
Encontra-se mais
abundantemente distribuída na Europa, região mediterrânica, Austrália, algumas
regiões costeiras de África, na América do Sul e Estados Unidos.
Esta planta é nativa
da América do Sul, provavelmente do Chile, embora outros países desse grande
continente reclamem a honra (Bolívia, Equador, Peru, Uruguai e Argentina).
Xanthium spinosum espalhou-se pelo resto do mundo, tendo-se naturalizado de
forma bastante rápida e adquirindo hábitos invasores.
As exatas
origens de Xanthium spinosum permanecem algo confusas e os seus limites
obscuros. Inicialmente, foi considerada nativa da Europa mas, atualmente, parece ser ponto assente que esta planta é nativa da América do Sul,
introduzida e naturalizada nos restantes locais onde ocorre.
Os dados sobre a
data do início da sua introdução noutros continentes e a forma como tal se
passou são muito limitados. Segundo alguns autores esta planta terá chegado à
Europa através de Portugal. Aliás, a espécie-tipo (espécimen de herbário sob a
forma de planta seca e que serviu originalmente para lhe dar o nome) é de Portugal.
Pius Font i Quer,
botânico, farmacêutico e químico espanhol, na sua obra "Plantas medicinales: el
Dioscórides renovado" (1962) refere que no século XVII esta planta era
denominada Xanthium lusitanicum spinosum, numa clara alusão ao território
português. Foi assim chamada por Leonard Plukenet, botânico inglês na sua obra "Almagestum botanicum" (1696), e também pelo botânico francês Magnol em
"Hortus regius Monspeliensis" (1697).
Com base no ensaio
"Géographie Botanique" publicado em 1820 pelo botânico suíço De
Candolle, Font Quer refere que a planta mencionada por Magnol teria sido obtida
a partir de sementes levadas para França por Tournefort (botânico francês
1656-1708), as quais lhe teriam sido dadas por um jardineiro português.
Em consequência, na
sua primeira edição de "Species plantarum" (1753) Lineu refere a
Lusitania como o habitat desta planta.
O termo Xanthium
deriva do grego xanthos (=amarelo) numa referência ao corante amarelo que
pode ser retirado dos frutos.
Spinosum vem do
latim e refere-se aos caules espinhosos.
Esta espécie está
classificada como altamente invasora na maioria das áreas onde foi introduzida.
Produz sementes de forma muito prolífica, com altas taxas de germinação e
sobrevivência, provocando prejuízos avultados nas safras agrícolas sobretudo da
soja e algodão; ao agarrarem-se tenazmente ao pelo das ovelhas as sementes contaminam a lã,
afetando as industrias de têxteis. Além do mais, é uma ameaça à fauna e flora
nativas devido à sua adaptabilidade a uma ampla gama de habitats. A erradicação
através de herbicidas tem-se mostrado ineficaz pelo que poderão ser
equacionados meios biológicos.
As sementes, e as
folhas na sua fase emergente, são muito tóxicas para o gado e animais
domésticos, principalmente porcos e cavalos. Contudo, a não ser que os animais
sejam obrigados a pastar onde esta planta exista em abundância, não é grande motivo de preocupação pois as folhas
não agradam ao paladar dos animais e as sementes, encerradas num invólucro rígido e cheio
de picos, também não são apelativas. A toxicidade das folhas desvanece-se à
medida que se desenvolvem e aumentam de tamanho, embora o mesmo não aconteça com
a secagem.
Xanthium
spinosum já foi muito usada em medicina caseira, sobretudo pelos índios da
América do Sul, por presumíveis efeitos benéficos contra alguns tipos de
cancro, diabetes e cardiopatias.
Entretanto, foram efetuados estudos e experiências “in vivo” e “in vitro” sobre as diferentes
atividades farmacológicas e fitoquímicas desta planta, os quais demonstraram
propriedades analgésicas, anti-inflamatórias, antiartríticas, antiangiogénese e
antivírus. São, no entanto, necessárias mais experiências para explorar o
potencial terapêutico em termos de utilidade clínica.
Xanthium spinosum
pertence ao género Xanthium, assim denominado pelo botânico francês Tournefort (1656-1708), cujo trabalho foi aperfeiçoado por Lineu. Lineu aproveitou o
nome genérico Xanthium em "Species Plantarum" (1753) no qual incluiu duas
espécies, Xanthium spinosum e Xanthium strumarium. Desde então algumas 30 espécies foram descritas e incluídas neste género. Ora, dá-se o caso de Xanthium
strumarium - que cresce um pouco por todo o mundo e também em Portugal - ser
uma planta extremamente variável em termos de hábito, forma e tamanho dos
frutos e reação a fatores do meio ambiente. Assim, as numerosas espécies
apresentadas como espécies diferentes poderão, segundo alguns botânicos, não
passar de variantes de Xanthium strumarium.
Fotos: Serra do Calvo/Lourinhã