Nomes
comuns:
Margaça-de-inverno; margaça-fusca
Margaça-de-inverno; margaça-fusca
Finalmente, depois de muitas semanas de ausência forçada, eis-me de volta ao inventario e estudo da flora da região onde tenho vivido nos últimos anos.
A chuva abundante e humidade
persistente do inverno passado favoreceram uma flora primaveril prolífera, em
variedade e cor. Por esta altura, inúmeras espécies florescem alegremente e de
forma exuberante, apressando-se a completar os seus ciclos de vida; algumas
mais raras, outras nem por isso. E embora me sinta feliz sempre que encontro
uma raridade ou alguma espécie ainda desconhecida para mim, mais feliz me sinto
ao reencontrar “velhas amigas” que, rebrotando ano após ano, asseguram a
necessária continuidade e estabilidade dos ecossistemas; a sua beleza sempre
renovada, resistência e capacidade de adaptação já são reconhecidas e esperadas,
mas nunca deixam de me surpreender. Estão neste caso os malmequeres, nome genérico
pelo qual são conhecidas múltiplas espécies muito semelhantes e por vezes difíceis
de distinguir entre si.
Diferentes
espécies de malmequeres crescem em campos e beiras de caminhos e rodovias
durante praticamente todo o ano, salpicando a paisagem de branco e amarelo e alegrando a alma de quem neles repara. Pertencem
à família Asteraceae ou Compositae, a maior família de plantas
de flor e talvez a mais conhecida, pois estamos constantemente a cruzar-nos com
exemplares que a ela pertencem, tanto nas cidades como nos campos, em
praticamente todas as regiões do planeta (margaridas, crisântemos, cardos etc.).
No seu todo, a família das Asteraceae/Compositae
compreende cerca de 23000 espécies, as quais estão organizadas em 1500 géneros.
Quase todas exibem uma certa exuberância que não as deixa passar despercebidas,
desde as espécies ornamentais às silvestres, sejam elas grandes e vistosas ou
tão pequenas que poderiam passar despercebidas. Muitas das espécies silvestres
evoluíram a partir da região mediterrânica enquanto a maior parte das espécies
ornamentais tiveram origem na Africa do Sul.
Por estes dias, em que
o solo argiloso da região da Lourinhã ainda se encontra saturado de água, a
espécie de malmequer que mais se destaca é o Chamaemelum fuscatum, de
pétalas brancas e “olho” amarelo. Floresce aqui e ali durante a maior parte do
ano, especialmente desde o outono até ao verão mas o grande “boom” regista-se
no final do inverno.
Na generalidade, pode encontrar-se em terrenos
cultivados ou de pousio mas sempre em locais encharcados ou margens de pequenas
ribeiras temporárias e outros locais húmidos. A floração terminará logo que o
solo fique ressequido com os primeiros calores da primavera mas o Chamaemelum
fuscatum continuará a florescer em pequenas colónias ate ao verão, em
locais que se mantenham húmidos, graças às regas.
Esta é uma espécie nativa da região mediterrânica
ocidental tendo-se espalhado por outras regiões do globo. Em Portugal encontra-se
um pouco por todo o território continental, nas terras baixas, pois não gosta
de altitudes superiores a 500 ou 600 metros.
O Chamaemelum fuscatum é uma pequena erva
anual que pode ir dos 5 aos 40 cm de altura. É fortemente aromática quando
manipulada. Os caules são eretos ou ascendentes, sem pelos e geralmente
ramificados na metade inferior onde podem apresentar cor avermelhada.
As folhas são muito recortadas e de aspeto
ligeiramente suculento.
A parte interessante desta espécie, assim como
de todas as outras incluídas na família das Asteraceae = Compositae, é a
inflorescência. Esta apresenta-se solitária no topo de um pedúnculo e aparenta
ser uma singela flor mas… não é. Na realidade, cada “flor” não é apenas uma flor mas sim um
conjunto delas, todas trabalhando em equipa, unidas no propósito de obter
grandes resultados com o mínimo de dispêndio de energia. A estratégia
encontrada por estas espécies parece bastante complexa mas na realidade
funciona de forma muito simples… ou será ao contrário? De uma ou de outra forma
o processo é simplesmente brilhante.
Senão, vejamos: as
flores são muito pequeninas e para não passarem despercebidas aos insetos elas
começaram por se arrumar, muito apertadinhas, num recetáculo em forma de disco,
geralmente amarelo, o qual é rodeado, nesta espécie, por pétalas brancas (noutras
espécies podem ser amarelas). Este arranjo floral é comum a todas as espécies
da família das Asteraceae, (também
chamadas Compostas ou Compositae,
pela razão óbvia) e denomina-se capítulo. Em linhas gerais, o capítulo é um
tipo de inflorescência composto por flores diminutas em forma de tubo que se
agrupam de forma muita compacta sobre um recetáculo em forma de disco ligeiramente
hemisférico e que constitui o que chamamos o “olho” do malmequer.
As flores da
periferia do disco e apenas essas, estão providas de estruturas alongadas
semelhantes a pétalas e que são denominadas lígulas; estas rodeiam as flores do
disco e dão-lhe o aspeto de uma única flor. São as flores do centro do
conjunto, apertadinhas no seu disco, que vão dar origem às múltiplas sementes
pois são férteis, dispondo de órgãos reprodutores femininos e masculinos. As
poucas flores da periferia, ou seja as que estão equipadas com pétalas
(lígulas) são geralmente estéreis e a sua função é meramente decorativa. São
elas que atraem os insetos polinizadores, tornando o conjunto apetecível.
Assim, através de uma muito inteligente divisão de tarefas cada planta consegue
maximizar a sua produção de sementes, limitando ao mínimo o dispêndio de
energia na captação do interesse dos polinizadores.
Todo o conjunto desta estrutura (recetáculo, flores do disco e flores
periféricas) é mantido no seu lugar por um involucro formado por folhas
modificadas chamadas brácteas (brácteas involucrais), de forma oval, com
margens escariosas e de cor escura. De notar que cada uma das florinhas
tubulares que formam o centro da inflorescência também estão protegidas por um
involucro de brácteas (brácteas interflorais) cuja margem é também de cor
escura.
Os frutos designam-se por cípselas; são frutos secos (com uma única
semente) de forma ovoide e ligeiramente comprimidos lateralmente. Em muitas
espécies da família Asteraceae/Compositae
estes frutos são providos de um tufo de pelos numa das extremidades os quais
ajudam na sua dispersão pelo vento e pelos animais. Estes pelos, designados por
papus ou papilho, são estruturas filiformes, vestígios das sépalas que formam
os cálices florais. Contudo o fruto do Chamaemelum
fuscatum não tem papilho.
Involucro de Anthemis arvensis Foto Wikipedia |
À primeira vista o Chamaemelum
fuscatum pode ser confundido com outros pequenos malmequeres que florescem na
mesma época e nos mesmos habitats, como é o caso do Anthemis arvensis. Contudo, há uma característica que facilmente
nos permite distingui-los, para o que basta comparar os cálices de ambas as
espécies: as brácteas que protegem o cálice do Chamaemelum fuscatum apresentam margens de cor mais escura, enquanto
as do Anthemis arvensis são quase
transparentes.
O Chamaemelum fuscatum é uma
espécie do género Chamaemelum o qual
inclui 4 espécies; embora inicialmente descrito no género Anthemis pelo grande botânico português Avelar Brotero do séc. XIX com
o nome de Anthemis fuscatum esta
espécie foi reclassificada em 1966 e incluído no género Chamaemelum por outro botânico português, João de Carvalho e Vasconcellos.