Nomes comuns:
Leituga;
olho-de-mocho
Tolpis barbata |
A bela Tolpis
barbata é mais uma espécie da família Asteraceae (Compositae), comumente
conhecida como família dos malmequeres. As suas cores vibrantes sobressaem
entre as outras herbáceas de baixo porte que constituem as comunidades vegetais
onde se insere, maioritariamente gramíneas.
Tolpis barbata |
Podemos encontra-la de abril a julho, medrando em locais tradicionalmente secos mas cujos solos possuem um certo grau de acidez, na beira dos caminhos, campos incultos e até em solos arenosos do litoral ou do interior. É nativa da região mediterrânica ocidental, incluindo Portugal continental e arquipélago da Madeira. Também existe nos Açores mas como espécie naturalizada.
Tolpis barbata |
Tolpis barbata é uma
planta de tamanho variável cujos caules eretos ou ascendentes podem ir dos 5 aos
90 cm de altura, dependendo da disponibilidade de água no solo; são glabros ou
ligeiramente revestidos de pelos curtos, finos e macios; podem apresentar-se
simples ou ramificados na parte superior e as hastes ramificadas são muitas
vezes mais compridas que o caule principal.
Tolpis barbata - folhas em forma de rosacea Fonte Wikipedia. Foto de Xemenendura |
As primeiras folhas
desenvolvem-se rentes ao solo. Apresentam forma lanceolada com as margens
inteiras, dentadas ou profundamente recortadas.
Tolpis barbata |
Tolpis barbata |
Os caules são praticamente nus de
folhas e as poucas que neles possam surgir são bastante mais pequenas e
estreitas, tanto mais estreitas quanto mais alto se posicionarem.
Tolpis barbata |
As flores são a
parte mais interessante desta planta. Tal como acontece com a maioria das
espécies da família Asteraceae as flores de Tolpis barbata organizam-se em
inflorescências muito peculiares, denominadas capítulos.
Tolpis barbata |
Numa base discóide (recetáculo) que surge no ápice de um longo pedúnculo, inserem-se múltiplas
pequenas flores, formando um conjunto muito bem organizado que se assemelha a
uma única flor. Tal arranjo é muito atrativo para os insetos polinizadores o que,
por si só, é garantia de polinização para todas as florzinhas, permitindo a
formação de numerosos frutos.
Tolpis barbata |
Consoante as
necessidades das diversas espécies da família das Asteraceae/Compositae, as
florzinhas do capítulo podem apresentar arranjos sexuais diversos (femininas ou
masculinas ou bissexuais) e também apresentar 2 tipos de flores que se
organizam de 3 formas: apenas tubulosas, apenas liguladas ou uma combinação dos
dois tipos. No caso de Tolpis barbata as florzinhas do capítulo são todas
liguladas, sem escamas interseminais e são também todas perfeitas ou seja,
bissexuais, embora de tamanhos e cores diferentes. Às do centro que são de cor púrpura,
segue-se um anel de flores amarelas; as da periferia são também amarelas mas de
um tom mais claro, com tiras de uma cor esverdeada na parte de trás.
Tolpis barbata |
Cada pequenina flor
individual é constituída por um ovário inferior, uma corola tubular composta
por 5 pétalas soldadas e um conjunto de 5 estames cujas anteras de cor purpura
se fundem formando um tubo através do qual surge o estilete de cor amarelada.
Tolpis barbata |
Tolpis barbata |
O invólucro de Tolpis barbata é muito característico,
sendo formado por 2 tipos de brácteas, as interiores lanceoladas e eretas,
formando uma espécie de taça bem ajustada e as exteriores que são muito desenvolvidas,
lineares e curvadas, bem separadas umas das outras.
Tolpis barbata |
A polinização de
Tolpis barbata é realizada por diversos tipos de insetos. Uma vez que as flores
são individualmente muito pequenas não é difícil chegar ao néctar existente
dentro das corolas tubulosas, não sendo necessário ter longos probóscides (como
as abelhas) para o alcançar. O próprio pólen é libertado sobre a superfície das
florinhas estando disponível para qualquer inseto que ali seja atraído. Mas se
assim é, como é possível evitar que as flores sejam fecundadas pelo seu próprio
pólen? Embora existam espécies de Asteraceae que optam pela autopolinização,
esse não é o caso de Tolpis barbata que prefere que as sua flores sejam
fecundadas pelo pólen de flores de outros capítulos, quer sejam eles da mesma
planta ou de plantas vizinhas. São várias e por vezes muito sofisticadas as
estratégias adotadas pelas plantas para que exista a desejada incompatibilidade,
mas Tolpis barbata parece ter resolvido a questão, optando por fazer amadurecer os
estames e gineceu das flores do mesmo capítulo em tempos diferentes.
Tolpis barbata |
Os frutos são tecnicamente
designados por cipselas (e/ou aquénios segundo alguns botânicos). Possuem uma
única semente e não abrem na maturação. Em Tolpis barbata são de dois tipos: os
que resultam da fecundação das flores exteriores possuem um tufo de pelos muito
curtos enquanto os interiores possuem uma mescla de pelos muito curtos com 2
aristas rígidas e muito longas.
Tolpis barbata |
Estes pelos e as aristas são denominados pappus
(latim) ou papilho e a sua função é acrescentar aerodinamismo aos frutos,
ajudando-os na sua dispersão pelo vento, prolongando o seu tempo no ar e
aumentando a sua hipótese de serem arrastados para longe.
Tolpis barbata foi originalmente
descrita como Crepis barbata por Lineu, em Species Plantarum, vol.2, p. 805 em
1753. Foi posteriormente reclassificada por Joseph Gaertner que a transferiu
para o género Tolpis, tendo a retificação sido publicada em De Fructibus et Seminibus Plantarum vol.2, p. 372 em 1791.
O género Tolpis distribui-se
predominantemente pela região da Macaronésia (i.e., Madeira, Açores, Canárias e
Cabo Verde), com poucas ocorrências nas regiões de clima mediterrânico da Europa
ocidental/Norte de África e da África do sul/Madagáscar. O número de espécies
incluídas neste género varia entre 12 (Jarvis 1980) e 20 (Tomb 1977, Bremer
1994) havendo, em consequência, algumas divergências quanto à circunscrição do
género.
No que diz respeito
a Portugal e outros países mediterrânicos, os botânicos ainda não
se puseram de acordo quanto à existência de 1 ou 2 espécies. Ou seja, há quem
admita a existência de uma segunda espécie Tolpis umbellata que supostamente se
diferencia de T. barbata por ser de menor envergadura e ter capítulos mais
pequenos, algumas vezes com todas as flores da mesma cor ou mesmo com o “olho”
de cor purpura. Ora, estas ligeiras diferenças morfológicas podem apenas ser ocasionais,
resultantes do gradiente climático e acentuadas por uma maior ou menor
disponibilidade de água no solo, pelo que T.umbellata é também considerada por
alguns como sinónimo de T.barbata e por outros como uma subespécie desta última.
Mapa dos territórios incluídos na chamada Macaronésia.
Macaronésia é o nome que designa uma região biogeográfica de particular riqueza botânica que inclui os arquipélagos dos Açores, Madeira, Canárias, Cabo Verde e ainda uma faixa costeira do noroeste de África. Estas regiões apresentam ecossistemas únicos e uma elevada diversidade de espécies e endemismos. A Macaronésia não foi seriamente afetada pelas sucessivas alternâncias climatéricas de grande impacto do período quaternário, pelo que muitas espécies extintas na Europa continental conseguiram sobreviver nos territórios da Macaronésia. Muitas dessas espécies fazem parte do que resta das florestas Laurissilva, recheadas de verdadeiras relíquias. |
Sob o ponto de vista
biogeográfico Tolpis é um género notável, pois a maior parte das espécies que o
compõem são endemismos das ilhas da Macaronésia, com espécies endémicas em
todos os grupos de ilhas. Apenas outros 4 géneros têm espécies endémicas em
cada um dos mesmos arquipélagos, nomeadamente Carex, Euphorbia, Festuca e Lotus.
Contudo, estes 4 géneros estão muito mais difundidos fora da Macaronésia, tanto
em numero de espécies como em distribuição geográfica, do que o género Tolpis
que predomina nessas ilhas. Por isso, a biogeografia de Tolpis fornece excelente
matéria para o estudo da evolução e diversificação resultantes da colonização das
ilhas oceânicas. Este género tem sido alvo de diversas investigações sobre os
mecanismos de isolamento reprodutivo, testando, por exemplo, barreiras de
esterilidade, a diversidade genética dentro e entre espécies endémicas locais,
a teoria da autocompatibilidade insular inicial, entre outros parâmetros. De
notar que o isolamento reprodutivo é condição necessária ao processo
evolutivo pelo qual as espécies se formam (especiação). Ou seja, o isolamento
reprodutivo geográfico/biológico não só explica a
origem das espécies como também a sua enorme diversidade.
Apesar da considerável
bateria de testes já realizados pouco sabemos sobre as relações de parentesco entre
as espécies deste género e também sobre a sequência das colonizações.
Curiosamente, Tolpis
poderá ter um historial de dispersão fora do comum. Estudos em curso sugerem a
intrigante possibilidade de que as espécies continentais hoje existentes podem
ter derivado de espécies insulares, um padrão oposto ao encontrado nos outros endemismos
da Macaronésia. (Até à data, situação semelhante só foi comprovada para uma
única espécie, Aeonium Webb & Berthel., da família Crassulaceae). Ou seja, alguns
botânicos propõem a seguinte teoria: após se ter dispersado para as ilhas a
partir do continente europeu, o género Tolpis ter-se-á extinguido no espaço
continental devido a questões climatéricas. Posteriormente a espécie terá
seguido o caminho inverso, dispersando-se das ilhas para o continente e
recolonizando a Europa. Todo o processo, muito complexo e com múltiplas colonizações,
terá ocorrido ao longo de milhões de anos numa época em que a morfologia da
Terra era bem diferente do que é hoje. Eventualmente a distância entre as áreas
de dispersão era mais curta, condicionada a forças como a deriva continental, a
alteração do nível do mar e ainda a formação de ilhas oceânicas intermédias.
Por exemplo, reconstruções
das linhas costeiras durante o ultimo máximo glacial, há cerca de 18000 anos,
demonstram que o nível do mar estava 120 m abaixo do que acontece nos dias de
hoje, revelando a existência de diversas ilhas entre os arquipélagos da Macaronésia e o espaço continental. Antes de ficaram submersas pela subida do
nível do mar essas ilhas poderão ter servido de escala, ajudando na dispersão
de Tolpis, o que infelizmente não foi ainda possível comprovar porque não
existem fosseis.
Sobre matérias tão variadas
e fascinantes há ainda muito por descobrir. O biólogo alemão Ernst Mayr (1904/2005) que se dedicou ao estudo da evolução das espécies dizia “é como se
a natureza tivesse feito toda uma serie de experiências e a nossa tarefa seja
meramente analisar os resultados”.
Espécies endémicas do género Tolpis:
A maior parte das espécies de Tolpis são endémicas
da Macaronésia o que o tornam notável e objeto de muitos estudos e teorias,
algumas consensuais, outras nem por isso. Estas espécies são definitivamente
distintas das suas parentes continentais, embora as diferenças não sejam espetaculares. Contudo, uma das característica que possuem é considerada muito interessante e só por si significativa
por se tratar de plantas herbáceas. Com exceção das espécies Tolpis barbata e Tolpis coronopifolia (nativas, respetivamente, da região mediterrânica e Canárias) todas
as outras desenvolvem caules lenhosos. Ora, estudos moleculares filogenéticos indicaram
que a lenhificação evoluiu apenas após a dispersão para as ilhas, possivelmente
em resultado da intensa competição pelos recursos em ambientes insulares estáveis.
Ou seja, a lenhificação surgiu no ancestral comum a todas as espécies
existentes, seguido de duas reversões independentes para o hábito herbáceo. Tal
evidência significa que Tolpis poderá representar o primeiro exemplo documentado
de um grupo de plantas lenhosas da Macaronésia que recolonizou o continente
revertendo para a forma herbácea, em resposta às condições ecológicas. De notar
que tanto T. barbata como T. coronopifolia preferem ambientes perturbados e
secos em contraste com a maioria das endémicas que, de forma característica, habitam
zonas húmidas e montanhosas.
Para além de Tolpis succulenta
que é partilhada por Açores e Madeira, existe mais uma espécie nos Açores Tolpis
azorica e outra na Madeira Tolpis macrorhiza. Existem cerca de meia dúzia nas Canárias e uma espécie Tolpis farinosa em Cabo Verde.
A maior abundância de endemismos do género nas Canárias tem sido alvo de estudos mais aprofundados
e ao que parece foram resultado da colonização das ilhas combinada com radiaçãoadaptativa e hibridação entre as espécies.
Tolpis macrorhiza
(Hooker) de Candolle
Esta espécie é um
endemismo do arquipélago da Madeira.
É uma herbácea
perene cujos caules ascendentes, simples ou ramificados, podem crescer até aos
50 cm de altura. Medra entre as rochas ensolaradas da floresta Laurissilva e do
maciço montanhoso central, florescendo de junho a agosto. As folhas são glabras
e algo carnudas, de cor verde brilhante, de forma oblanceolada e com a margem
dentada. As Inflorescências estão organizadas em capítulos, com flores todas
liguladas de cor amarela. As brácteas são significativamente maiores que os
capítulos. Os frutos são cipselas.
Tolpis macrorhiza - gravura de William Jackson Hooker Fonte Wikiwand |
Veja fotos Tolpis Macrorhiza AQUI.
Tolpis succulenta (Dryand. in Aiton) Lowe
Esta espécie é um
endemismo açoriano-madeirense, podendo ser encontrada em todas as ilhas dos
arquipélagos da Madeira e Açores. Cresce em escarpas rochosas e falésias
costeiras. Na Madeira cresce até 1000m de altitude mas nos Açores prefere
situações a baixa altitude.
É uma planta perene
que habitualmente cresce de forma pendente. Os ramos podem crescer até aos 40
cm e são glabros, tornando-se lenhosos com a idade. As folhas são lanceoladas,
de aspeto carnudo e com a margem dentada. As inflorescências em capítulo são compostas de flores liguladas de cor amarela, com uma faixa mais escura na parte
de trás. As brácteas interiores são mais longas que as exteriores. Floresce de
junho a setembro e os frutos são cipselas.
Tolpis succulenta. Fonte Governo dos Açores |
Tolpis azorica
(Nutt.) P.Silva
Esta espécie é um
endemismo dos Açores, distribuindo-se por todas as ilhas exceto Graciosa.
Cresce em locais
permanentemente húmidos como margem de cursos de água, zonas turfosas, orlas
das pastagens, bermas das estradas e florestas de louro-cedro, muitas vezes
acima dos 600 m. de altitude.
É uma herbácea
perene cujos caules uniformemente ramificados crescem até aos 70 cm. As folhas
são glabras, de forma oblonga e com margens profundamente dentadas. As
inflorescências são capítulos formados por flores liguladas de cor amarela.
Tolpis azorica. Fonte Governo dos Açores |