Nigela-dos-jardins; cabelos-de-vénus;
dama-de-verde;
damas-do-bosque;
barba-de-velho
Nigella damascena é uma
fascinante espécie anual que cresce de forma espontânea em campos
cultivados, searas e pomares, terrenos baldios e beira dos caminhos, em solos
pedregosos ou remexidos.
A sua folhagem é plumosa e algo etérea, embora
resistente; a estrutura floral é delicada na aparência mas, bastante complexa e
algo dramática. Por estas razões Nigella damascena é muito apreciada em jardins, sendo muitas vezes cultivada com fins ornamentais.
Foi muito popular durante o
século XIX e parte do século XX sobretudo nas “cottages” inglesas e seus
jardins rústicos. Depois, caiu em desuso perante o surgimento de plantas
exóticas de cores mais vistosas. Porém, volta a estar na moda por direito
próprio. As Nigella damascena são ótimas para preencher lacunas entre as
perenes dos canteiros durante o verão, especialmente vistosas se semeadas em
grupos, formando massas de flores azuis envolvidas em vaporosas folhas verdes. Também
funcionam bem em vasos e cestos suspensos, além de que são excelentes flores de
corte para colocar em jarras ou para fazer ramos e bouquets. Também depois de secas, tanto as flores como os frutos, fazem lindos arranjos.
Fonte: Martha Stewart Weddings Bouquet de noiva com Nigella damascena, Anemona sp. e Muacari sp. |
Fonte: Martha Stewart weddings Exemplos de arranjos singelos, entre eles Nigella damascena |
Nigella damascena é uma
espécie com ampla distribuição mediterrânica sendo nativa de:
Europa:
- sudoeste europeu:
Portugal continental (na Madeira é uma espécie introduzida e não existe nos Açores), Espanha, França;
- sudeste europeu: Albania,
Bosnia e Herzegovina, Bulgaria, Croacia, Grecia, Italia, Malta, Montenegro,
Servia e Eslovenia;
- leste europeu: Ucrânia;
África:
- Ilhas Canarias, Argelia,
Libia, Marrocos e Tunisia;
Ásia temperada:
- Azerbeijao, Ciscascausia
(Federação Russa), Chipre, Irão, Iraque, Turquia e Síria.
Mapa de distribuição de Nigella damascena em Portugal continental. Fonte Naturdata A cor amarela mostra as regiões onde a espécie foi observada em estado selvagem mas sem que tenha havido reconfirmação. A cor verde significa que a espécie foi validada internamente. Veja mais AQUI sobre como interpretar o mapa. |
Nigella damascena pertence ao género Nigella cujo nome deriva do latim e se refere à cor negra das sementes.
Flores de Nigella damascena em botão |
O epíteto damascena que
designa a espécie refere-se a Damasco, na Síria, muito provavelmente o seu
centro de diversidade. Foi assim denominada pelo naturalista e botânico suíço
Conrad Gesner em 1561. Contudo, a espécie só foi publicada por Lineu, em 1753,
tendo sido por ele atribuída ao género Nigella.
Nigella é o mais pequeno
género na família Ranunculaceae e inclui 14 espécies, todas anuais e que se distribuem
desde a região mediterrânica até à Asia temperada. Além da Nigella damascena, o
género inclui outras espécies importantes como Nigella sativa (inexistente em
Portugal no seu estado espontâneo), cultivada em várias partes do mundo e
renomada pelas suas propriedades aromáticas e medicinais.
As sementes de N.
sativa são conhecidas pelo nome comum de cominho preto embora nada tenham a ver
com o nosso conhecido cominho Cuminum cyminum que é da família das umbelíferas.
As sementes de N.sativa ganharam popularidade
e consequente interesse comercial. Além de utilizadas em culinária como
condimento são estimadas como antioxidantes, anti-hipertensivas, analgésicas,
anti-inflamatórias, anti-histamínicas, carminativas e antibacterianas.
Desenho esquemático/comparativo de Nigella sativa (à esquerda) e Nigella damascena (à direita) Fonte: Wikipedia Autor: Franz Eugen Köhler |
Há quem use as sementes de
N.damascena em culinária apesar do seu teor aromático ser menos intenso mas,
segundo algumas fontes, o seu uso é pouco recomendável uma vez que, em doses
excessivas, podem ser tóxicas.
Caule e folhas |
Os caules de Nigella
damascena são eretos ou ascendentes, angulosos, simples ou escassamente
ramificados desde a base. A altura da planta varia entre os 10 e os 70 cm.
As longas folhas estão divididas em segmentos muito estreitos, quase lineares.
As flores, com 2 a 3 cm de diâmetro, são hermafroditas. Geralmente, são de cor
azul-clara ou brancas e aparecem solitárias no extremo dos caules, aninhando-se
num invólucro verde e rendilhado constituído por 5 brácteas, maiores do que a
flor.
Estas brácteas apresentam-se muito afastadas umas das outras (quase em
ângulos de 90º) e estão divididas em segmentos longos, estreitos e pontiagudos,
assemelhando-se às folhas.
Parte de baixo da flor mostrando o ninho de brácteas |
As flores de Nigella damascena partilham uma serie de características com outros membros do seu género no entanto, apresentam uma particularidade muito interessante que é a rara
coexistência, nas populações naturais, de dois tipos morfológicos que resultam
num dimorfismo da composição do perianto.
O perianto é o conjunto das peças florais que rodeiam os órgãos
sexuais da flor, nomeadamente as pétalas (que formam a corola) e as sépalas
(que constituem o cálice). Por vezes pétalas e sépalas são mais ou menos semelhantes pelo que são
designadas indiferentemente por tépalas. As tépalas semelhantes a sépalas são
sepalóides e as que são semelhantes a pétalas são petalóides.
O dimorfismo floral desta espécie regista as seguintes duas formas de arquitetura floral em indivíduos diferentes:
Forma de flores simples:
Morfo de flores simples Adaptado de Wikipedia |
Tem um perianto diferenciado em que as sépalas do cálice e as pétalas que
constituem a corola são peças bem distintas. O perianto é
formado por 5 sépalas azuladas petalóides e 5 a 10 pétalas de tamanho reduzido
e de cor mais escura transformadas em bolsa de néctar, com dois lábios sendo o
inferior bilobulado.
Forma de flores dobradas:
Morfo de flores dobradas |
Nesta variante o perianto é indiferenciado, ou seja, todas as peças florais
são mais ou menos semelhantes. Não existem pétalas nectaríferas mas sim um
grande número de órgãos petalóides semelhantes a sépalas situados entre as sépalas petalóides no exterior e os vários estames no
interior.
Ou seja, a ausência de pétalas é colmatada por órgãos sepaliformes, observando-se um gradiente contínuo de formas que se traduz na produção de formas intermediárias bizarras, na transição
entre o perianto e os estames.
Ambas as formas são complementadas por várias series de estames que
constituem os órgãos masculinos da flor.
O gineceu é formado por 5 carpelos unidos em toda a sua extensão, apresentando estiletes eretos, longos e engrossados, os quais são persistentes na
maturação.
Depois de fecundados os óvulos, o ovário incha e forma uma cápsula insuflada muito
lisa e globosa, com 5 compartimentos separados, os quais contêm numerosas
sementes achatadas e negras.
Fruto maduro e sementes de Nigella Damascena Fonte Wikipedia |
Fruto e sementes de Nigella damascena Fonte Wikipedia |
Na maturação os frutos estão anichados no invólucro de brácteas, tal como a flor. A sua forma capsular coroada pelos estiletes é algo intrigante e bizarra pelo que são excelentes para incluir em arranjos
de flores, secas ou não.
Antes da completa maturação a superfície externa dos frutos pode
apresentar listas longitudinais de cor purpura. Depois de secos tomam a cor da
palha, ficam com uma textura semelhante à do pergaminho e é nessa altura que se
rompem, geralmente pelo atrito com o vento, deixando sair as sementes
Para secar estes frutos colhem-se com os respetivos caules enquanto as características
estrias avermelhadas ainda estão visíveis e penduram-se, com as cápsulas viradas para baixo, num lugar escuro, seco e arejado. Para as flores o método é
semelhante mas, para que conservem a cor, precisam ser penduradas num armário ou
forno com uma atmosfera morna.
Ramo de frutos secos de Nigella damascena |
Embora seja uma planta
anual, uma vez semeada num determinado local a Nigella damascena volta todos os
anos pois ressemeia-se e germina com facilidade nos anos seguintes. Para manter as populações
controladas nos canteiros basta repicar no local e descartar as plântulas de
que não necessitamos.
A existência das duas formas florais de Nigella damascena é conhecida desde
os primórdios do século XVII e, desde então, foi descrita em muitas publicações
(Lineu 1753; Hoffman 1875; Blaringhem 1910).
Hendrik Jannes Toxopéus (1927) estudou a espécie sob o ponto de
vista genético e chegou à conclusão que este dimorfismo floral é controlado por
um gene específico e que a forma simples é a dominante, sendo a forma dobrada
recessiva. A prevalência da forma simples e dos seus carateres florais partilhados com
o resto dos membros do seu género sugerem fortemente ser essa a forma
ancestral.
Uma vez que as diferenças morfológicas existentes entre as duas formas de
Nigella damascena estão diretamente relacionadas com os caracteres
especificamente desenvolvidos para atrair os polinizadores (a presença ou ausência de
pétalas nectaríferas e o número de órgãos atrativos), é inevitável que o
comportamento dos insetos e a forma de reprodução das flores seja por elas
influenciado. De facto, estudos recentes comprovaram que as flores com forma
floral simples são muito visitadas por insetos, os quais são atraídos pelo
néctar existente nas pequenas pétalas, sendo a fecundação feita a partir de
polinização cruzada. Em contrapartida, as flores da forma floral dobrada são
praticamente ignoradas pelos insetos, sobretudo os coletores de néctar, como é
o caso das abelhas, que de alguma forma parecem ter conhecimento, à distância, que
dali não levam nada e não vale a pena o incómodo. Neste caso a fecundação
realiza-se através de autopolinização.
No caso de populações mistas em que convivem plantas de ambos os morfos, as
flores simples podem ser polinizadas pelo pólen de flores dobradas e
vice-versa. Ainda assim, ambas as formas estão capacitadas para, na ausência de
insetos, se reproduzirem através de autopolinização pois nesta espécie não
existem mecanismos de autoincompatibilidade.
Fotos: Serra do Calvo/Lourinhã
Fotos: Serra do Calvo/Lourinhã