"O grande responsável pela situação de desequilíbrio ambiental que se vive no planeta é o Homem. É o único animal existente à face da Terra capaz de destruir o que a natureza levou milhões de anos a construir"





sábado, 22 de fevereiro de 2014

Heliotropium europaeum L.

Nomes comuns:
Erva-das-verrugas; tornassol; tornassol-com-pelos;
verrucária; verrucária-peluda

Heliotropium europaeum é uma planta anual, nativa da região mediterrânica e que pode ser encontrada, de forma dispersa, no centro, sul e oeste da Europa, norte de África, sudoeste asiático e também nas ilhas da Macaronésia (exceto Cabo Verde). 

Foi introduzida noutros continentes, possivelmente de forma acidental, sendo o caso mais notório o da Austrália. Liberta dos seus inimigos naturais, a Heliotropium europaeum encontrou, em algumas regiões desse continente, excelentes condições para o seu desenvolvimento tornando-se altamente invasora e interferindo no equilíbrio ecológico. Ao seu comportamento infestante acresce o facto de ser uma planta muito toxica envenenando o gado e causando enormes prejuízos num setor importante da economia local. 

Esta planta multiplica-se apenas através de sementes mas essas permanecem no solo, mantendo-se férteis por muitos anos. Herbicidas químicos mostraram-se ineficazes no controle desta infestante pelo que têm sido realizados testes de controlo biológico através da introdução de insetos e micro-organismos recolhidos na região mediterrânica onde são agentes naturais de controlo da espécie. Em certas regiões da Austrália foi já experimentado, entre outros, o escaravelho Longitarsus albineus, grande apreciador das folhas de Heliotropium europaeum mas os bicharocos não se deram bem com o clima e a seca impediu-os de se estabelecerem. A borboleta Ethmia distigmatella mostrou ser mais eficaz: as suas larvas crescem nas inflorescências da H. europaeum e comem as flores e as sementes. Novos ensaios estão a ser levados a cabo, recorrendo também a agentes patogénicos nomeadamente fungos dos géneros Uromyces e Cercospora. A ideia é levar estes fungos a produzir doenças infeciosas nas plantas recém-nascidas desta infestante, matando-as.
Em Portugal a Heliotropium europaeum distribui-se por todo o território, sendo autóctone do continente e ilha da Madeira e naturalizada nos Açores. Sendo nativa na nossa região esta planta permanece controlada pelos seus inimigos naturais, escaravelhos, larvas de borboletas e outros, mantendo-se o equilíbrio dos ecossistemas onde ela vive, ao contrário do que aconteceu na Austrália. A interação entre todos os organismos que habitam uma região é quase sempre muito sensível pelo que a introdução de uma espécie exótica pode desencadear reações em cadeia e a consequente perda do equilíbrio existente. Este é um assunto muito interessante e ao qual voltarei, com mais detalhes, num dos próximos “posts”.

A Heliotropium europaeum cresce de preferência em pleno sol, em campos agrícolas, bermas de caminhos e também em escombros e estrumeiras onde gulosamente aproveita a elevada percentagem de azoto no solo.
O nome Heliotropium refere-se à característica aparentemente comum das plantas deste género  que leva as flores a seguirem o movimento do sol ao longo do dia (helio = sol, tropium = virar-se para).
Heliotropium europaeum forma um arbusto baixo e alargado que pode chegar aos 50 cm de altura. O seu sistema radicular é muito desenvolvido o que lhe permite recolher água do solo em épocas de seca. A sua raiz principal é fina mas está profundamente implantada no solo, por vezes a mais de 1 metro e além disso é muito ramificada.
Os caules, simples ou moderadamente ramificados desde a base, têm hábito ereto ou ascendente, e são algo ásperos ao tato devido aos pelos brancos que os cobrem e lhe dão a cor acinzentada.
As folhas, de forma elíptica, também estão cobertas por alguns pelos, particularmente na parte inferior, mas são macias; posicionam-se nos caules de forma alternada, aos quais se ligam por um pecíolo relativamente longo; as margens são inteiras e as nervuras do limbo são bem visíveis, sendo as da face inferior bastante proeminentes.
Ao contrário de outras espécies do mesmo género cujas flores exalam um agradável aroma a baunilha, as flores de Heliotropium europaeum não são odoríferas, antes pelo contrário.
As flores, sem pedúnculo e sem brácteas, reúnem-se aos pares e de forma alternada, em inflorescências compridas. Estas formam uma espiral que se vai desenrolando a medida que as flores vão abrindo, ficando finalmente enroladas apenas na ponta. A ponta enrolada e a textura peluda fazem com que os espigões florais se assemelhem a lagartas.
A corola é afunilada, sendo constituída por 5 pétalas unidas na base formando um tubo. A parte central da corola apresenta um desenho em forma de estrela. A superfície das pétalas é ondulada, com uma prega longitudinal entre os lóbulos e é quase toda branca exceto na base que é amarela. 
As flores estão providas de órgãos reprodutores femininos e masculinos mas são tão pequenas (2 a 4 mm) que estes não são visíveis a olho nu. Do androceu (órgãos masculinos) constam 5 estames amarelados que estão soldados à face interior das pétalas e o gineceu (órgãos femininos) apresentam um pistilo central com estigma linear cuja cor verde se vê na garganta da corola.
Envolvendo a base das pétalas e órgãos reprodutores, temos o cálice o qual consta de 5 sépalas estreitas, lineares ou triangulares muito peludas, separadas praticamente até à base e persistentes mesmo depois da queda do fruto. 
São as sépalas que seguram de forma firme os frutos em desenvolvimento, cobrindo-os parcialmente. 
Cada fruto é composto por um grupo de 4 nozes ou núculas que em conjunto têm forma esférica achatada. Cada núcula contém uma semente de cor escura. No processo de amadurecimento as sépalas ficam mais frouxas e as núculas separam-se umas das outras e caiem para o chão. Para além dos meios habituais (vento, animais, escorrência de agua no solo) não se conhece nenhum mecanismo específico de dispersão das sementes nesta espécie mas a verdade é que elas conseguem organizar-se de forma a germinarem a uma distância relativa umas das outras.
A Heliotropium europaeum floresce e frutifica entre os meses de maio e novembro.

Heliotropium europaeum é uma espécie potencialmente perigosa pois todas as partes da planta são toxicas para animais e humanos. Tem causado a morte de muitos animais (gado) que a encontrem misturada nas pastagens. Os alcaloides contidos na planta provocam lesões irreversíveis no fígado o que não impede que seja incluída na farmacopeia popular como febrífuga, sedativa, analgésica e cicatrizante. Há quem use o suco obtido das folhas para eliminar verrugas, daí a origem de um dos nomes vulgares em Portugal (erva-das-verrugas).

Heliotropium europaeum pertence ao género Heliotropium, um dos 140 géneros em que se divide a Boraginaceaefamília botânica de importância económica relativa e cujas espécies são nativas dos trópicos, climas temperados, oeste americano e bacia do Mediterrâneo. Muitas das espécies Boraginaceae são cultivadas e apreciadas como ornamentais apresentando cachos de pequenas flores principalmente em tons de rosa, azul e roxo. Algumas das mais conhecidas são as minúsculas miosótis, os odoríferos heliotrópios, e as consoldas. Muitas outras são espontâneas em Portugal e algumas até já foram descritas neste blogue. Vale a pena rever AQUI, AQUIAQUI e AQUI.

Fotos: Serra do Calvo/Lourinhã



terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Oenothera rosea L´Hér. ex Aiton

Nome comum: Onagra rosa


Oenothera rosea é uma planta herbácea, perene de vida curta, que forma um pequeno arbusto cuja altura pode ir dos 10 aos 50 cm de altura. É nativa do continente americano (Norte, centro e sul) mas foi introduzida noutras partes do mundo, possivelmente como ornamental, tendo-se assilvestrado e naturalizado. Na Península Ibérica encontra-se distribuída de forma bastante dispersa podendo apresentar, em algumas regiões, comportamento invasor. Além de possuir uma elevada percentagem de sucesso na germinação das suas sementes também tem raízes rizomatosas que se subdividem rapidamente, dando origem a novas plantas. Cresce em terrenos incultos e bermas de caminhos mostrando preferência por solos alterados os quais são ricos em nutrientes. Gosta de crescer em pleno sol e é bastante resistente às amplitudes térmicas.


Os caules, de cor verde ou avermelhada, são simples ou ramificados e estão cobertos de pelos finos e rígidos; podem ser eretos ou prostrados.
As folhas, verdes, de nervuras bem marcadas, colocam-se nos caules de forma alternada; têm forma oblanceolada, algo onduladas e são inteiras ou ligeiramente dentadas.
As folhas vão diminuindo gradualmente de tamanho da base para o topo até assumir a forma de brácteas estreitas, logo abaixo das inflorescências.
As flores agrupam-se ou nascem solitárias na axila das folhas superiores. As pétalas, de cor rosa e embelezadas por veias mais escuras, são 4 e estão protegidas por 4 sépalas esverdeadas geralmente unidas na base mas bifurcadas na extremidade. 
As flores abrem ao anoitecer e fecham ao início da tarde, dai o nome de “evening primrose” que é dado em inglês à Oenothera rosea. Curiosamente as pétalas desta espécie abrem muito rapidamente, num momento estão fechadas, no minuto seguinte estão abertas, movimentos que têm desde há muito fascinado os biólogos.
As flores apresentam órgãos sexuais femininos e masculinos. O androceu tem 8 estames com filamentos longos e o gineceu tem um ovário densamente peludo dividido em 4 partes cujo estilo termina num estigma dividido mais ao menos até meio em 4 braços lineares os quais estão rodeados pelas anteras durante a floração.
Quando envelhecem as pétalas tornam-se mais escuras e caiem. Segue-se o fruto, uma estrutura capsular alongada e circular bastante mais dilatada no ápice o qual é arredondado. Esta cápsula apresenta 4 asas estreitas que alternam com 4 nervos engrossados; no seu interior há varias sementes castanhas de contorno elíptico ou arredondado.
Oenothera rosea floresce e frutifica de abril a outubro.
Nesta espécie, o ponto de inserção das bases das pétalas, sépalas e estames é muito desenvolvido formando um tubo estreito longamente prolongado acima do ovário. Esta estrutura denomina-se hipanto e é na sua base que se deposita o néctar, precioso líquido rico em hidratos de carbono que serve de chamariz aos insetos polinizadores. O hipanto é caduco, caindo juntamente com a flor, na frutificação.
Entre os insetos que polinizam a Oenothera rosea contam-se várias espécies de traças e borboletas noturnas mas nem todas as espécies europeias estão morfologicamente adaptadas para recolher o pólen e polinizar as flores desta planta exótica, a qual surgiu na Europa muito recentemente. Até 1987 foi considerada casual mas a partir dessa data espalhou-se rapidamente. Entretanto tem sido uma armadilha para muitos insetos nomeadamente a Macroglossum stellatarum, conhecida vulgarmente como borboleta-colibri; esta borboleta vai parando sobre cada flor, fazendo um barulho audível que é semelhante ao da ave beija-flor, enquanto se alimenta de pólen e néctar através da sua longa probóscide (armadura bucal longa e em forma de tubo, adaptada à aspiração de líquidos). 
Foto de Clive Crosby gentilmente cedida por Brian Cave de La Borie du Fourquet, Courdon, Lot/France
Na foto acima podemos ver uma Macroglossum stellatarum que ficou com a probóscide presa no longo tubo do hipanto de uma Oenothera rosea ao tentar recolher o néctar e acabou por morrer. Como é possível que tal tenha acontecido? O inseto ter-se-à posicionado, pairando, face a face com a flor aberta e introduzido a sua longa tromba no estreito tubo do perianto, empurrando-a para se alimentar. Ora, nesta e noutras espécies da mesma família os grãos de pólen estão ligados por fios viscosos que apesar de ténues e delicados poderão ter impedido que o inseto retirasse a probóscide. Pode ainda acontecer que o tubo do hipanto seja demasiado estreito para a morfologia do inseto…Outra explicação que me ocorre é que os pelos que forram o hipanto sejam virados para baixo, facilitando assim a entrada mas dificultando a saída. O certo é que na sua luta para se libertar a Macroglossum stellatarum se ensarilhou nas peças florais da Oenothera rosea acabando por morrer. Problemas idênticos acontecem com outras flores exóticas as quais são autênticas armadilhas para insetos providos de probóscides.

Oenothera rosea pretence ao género Oenothera um dos 20 géneros em que se divide a família Onagraceae. Esta família botânica distribui-se por todas as regiões tropicais, subtropicais e temperadas do globo mas com maior diversidade no continente americano. Muitas espécies são cultivadas como ornamentais como acontece com as espécies dos géneros Oenothera, Clarkia e também Fuchsia, estas ultimas especialmente apreciadas e vulgarmente conhecidas por brincos-de-princesa.

Oenothera rosea é uma espécie “splash-cup”!
A dispersão das sementes pelas gotas de chuva:

Um dos momentos decisivos no ciclo de vida de uma planta é a dispersão das suas sementes a qual tem de ser sobretudo eficiente pois dela depende a capacidade de sobrevivência da espécie.
Para qualquer planta com ambições o mais vantajoso é fazer germinar as suas sementes a uma distância razoável das suas progenitoras evitando a sobrelotação e a inevitável competição por água, luz e espaço que pode comprometer as hipóteses da semente chegar ao estado adulto. Por outro lado tem também o objetivo de se expandir criando colónias noutros lugares. 
Certas plantas possuem mecanismos particulares de dispersão que lhes permitem projetar as suas sementes a uma certa distancia mas na generalidade as plantas deixam simplesmente cair as sementes em seu redor e a dispersão é conseguida através de uma variedade de adaptações e mecanismos que envolvem praticamente todas as forças e agentes da natureza. O vento, a água dos locais alagados ou próximos de rios e os animais, são os agentes de dispersão mais falados.
As gotas da chuva representam também uma importante estratégia na disseminação de sementes, no entanto, tal facto tem sido negligenciado ou minimizado. Mesmo quando a chuva é escassa representa, ainda assim, uma poderosa força da natureza como agente dispersor de sementes, esporos e até de pólen. A adaptação à dispersão pelas gotas da chuva é tão perfeita e variada que já são reconhecidos mais de trinta mecanismos diferentes de dispersão “splash-cup” utilizados por espécies encontradas em quase todos os grupos de plantas.
As espécies denominadas “splash-cup” podem encontrar-se entre fungos, líquenes, hepáticas, musgos e algumas plantas de semente de pequena estatura, nomeadamente algumas espécies dentro dos géneros Oenothera (Oenothera rosea), Chrysosplenium, Gentiana, Gratiola, Mazus, Mitella, Ophiorrhiza, Sagina,Sedum, Trigonotis e Veronica. Contudo nem todas as espécies destes géneros são “splash-cup”.

Fruto de Oenothera rosea: o fruto abre no topo quando molhado, formando a taça/ Harold Brodie, Indiana University

Nas espécies “splash-cup” as sementes ou esporos amadurecem dentro de estruturas abertas de forma cónica, como uma taça (“cup”, em inglês). As paredes destas estruturas têm uma inclinação de 60º a 70 º. Ora, quando a gota de chuva cai e faz “splash” na taça dá origem a um jacto de saída que arrasta as sementes para longe da planta-mãe. A curvatura da taça ajuda a aumentar em cerca de 5 vezes a velocidade deste jacto, em relação à velocidade da gota de chuva. Levadas pelo jacto de saída, muitas sementes cairão relativamente perto da mãe mas outras chegam a ser lançadas até cerca de 1 metro de distância o que equivale a cerca de 10 vezes a altura da planta.
Diversos cientistas estão a levar a cabo estudos aprofundados no sentido de entender melhor o funcionamento do "splash". Através destas investigações espera-se poder, num futuro próximo, vir a aproveitar este exemplo da natureza em causas praticas como por exemplo, entre outras, na produção de energia.

Veja AQUI como funciona, numa simulação com um modelo construído para o efeito.

Fotos: Serra do Calvo/Lourinhã