Nomes
comuns:
Rúcula;
agrião-da-terra; arucula; mostarda-persa; pinchão; rugula
Eruca vesicaria
é uma espécie originária da região mediterrânica e oeste asiático, tendo-se
propagado a outros continentes. Pode ser encontrada ocasionalmente como espécie
espontânea também na Europa central, Ásia central, América do norte e
Austrália. É uma das muitas plantas silvestres comestíveis cujo valor nutritivo
é inestimável. Votada ao esquecimento durante seculos a Eruca vesicaria voltou a estar em destaque, tendo sido sendo reintroduzida
com sucesso na alimentação humana e fazendo parte daquilo a que se convencionou
chamar cozinha modernista, ávida de novas técnicas e sabores. Claro que já não
é preciso ir busca-la ao campo pois é largamente cultivada e comercializada
juntamente com outras espécies semelhantes, todas elas batizadas de rúcula. O
seu cultivo faz-se em diferentes países mediterrânicos como a Itália, Grécia,
Turquia, Egito, Sudão, Espanha e agora também Portugal.
Como
planta silvestre, a Eruca vesicaria é
bastante resistente e cresce geralmente em locais soalheiros, bem adaptada a
climas temperados de verões quentes e secos. Desenvolve-se em qualquer tipo de
solo podendo tornar-se invasiva pois ressemeia-se facilmente.
Podemos encontra-la
em jardins ou hortas abandonadas, campos de pousio, orla dos caminhos e de uma
forma geral em locais de solo remexido, ricos em azoto.
A Eruca vesicaria é uma planta de ciclo
anual que pode crescer dos 20 aos 80 cm dependendo das condições de humidade do
solo. É muito aromática, ereta, algo ramificada e coberta com alguns pelos.
As primeiras
folhas formam uma roseta basal. As folhas caulinares dispõem-se de forma
alternada e o seu limbo apresenta-se profundamente dividido em segmentos
(lóbulos) de margens dentadas de forma irregular, terminando num lóbulo maior
(folhas lirado-penatissetas).
Em Portugal a Eruca
vesicaria floresce na primavera e mantem-se em floração até ao verão. As
flores brotam no topo de um longo pedicelo, reunidas em inflorescências do tipo
racimo: as flores inserem-se em diversos níveis no eixo comum e vão abrindo na
extremidade do ramo conforme este vai crescendo. Desta forma as flores mais
velhas e mais afastadas do ápice vão formando frutos ao mesmo tempo que no topo
da planta as flores mais jovens mostram todo o seu esplendor.
Praticamente todas as espécies botânicas são conhecidas popularmente
por um ou vários nomes os quais podem até variar dentro do mesmo país, conforme
as regiões. Ao contrário dos nomes científicos que são universais, individuais
e intransmissíveis, os nomes comuns não são fiáveis pois podem coincidir em
espécies diferentes, originando confusão. É o que acontece no caso da rúcula.
Na realidade, rúcula é um termo vernáculo utilizado para identificar espécies
diferentes, mas idênticas na sua morfologia e sabor. Pertencem à mesma família (Brassicaceae) mas são de géneros
diferentes. As folhas jovens e tenras das rúculas são muito consumidas hoje em
dia, principalmente fazendo parte de saladas cruas, como guarnição
principalmente em pizzas e também como condimento. Entre as espécies denominadas rúcula contam-se espécies
pertencentes aos géneros Eruca e Diplotaxis, nomeadamente Eruca vesicaria, Eruca sativa e Diplotaxis tenuifolia. As folhas destas espécies têm morfologia semelhante e
são caraterizadas por terem um sabor ligeiramente amargo, intenso e algo picante
o qual se pode comparar ao do agrião mas mais acentuado.
Fotos : Serra do Calvo / Lourinhã
As flores, de
pedicelos ascendentes, apresentam a estrutura característica das Brassicaceae/Cruciferae, família a que
pertence esta espécie. A corola é formada por 4 pétalas estreitas, livres e
dispostas em cruz.
Intercaladas entre elas estão as 4 sépalas, persistentes
durante a frutificação, as quais formam uma espécie de tubo, chamado unha. A
unha protege a parte debaixo das pétalas, onde elas são mais estreitas, no
ponto de inserção. As pétalas são de cor amarelo tão pálido que parecem quase
brancas e são raiadas de finas nervuras de cor purpura ou violeta.
Apesar do
seu pequeno tamanho são pétalas muito bonitas e tão delicadas que parecem
borboletas. Os estames, de anteras amarelas, são 6 dos quais 4 são mais longos.
As flores são completas, isto é, estão providas de órgãos de reprodução
femininos e masculinos, funcionais. A polinização é feita por abelhas e outros
insetos.
Devido ao seu sabor intenso, ovelhas, cabras ou outro tipo de gado não
são apreciadores da Eruca vesicaria e
só a comem quando não há mais nada no pasto.
Phyllotreta cruciferae e Phyllotreta striolata - Wikimedia Commons |
Contudo há insetos que não são tão
esquisitos como é o caso de Phyllotreta
cruciferae e Phyllotreta striolata
que podem produzir grandes estragos na sua folhagem, caules e pétalas.
Xanthorhoe fluctuata - Wikimedia Commons |
Eruca vesicaria é também alimento para
as larvas de algumas espécies de borboletas noturnas nomeadamente a Xanthorhoe fluctuata.
Os
frutos de Eruca vesicaria são síliquas, isto é, frutos secos, longos, e estreitos semelhantes a
vagens cilíndricas, terminando num bico achatado e proeminente. Na maturação os
frutos abrem-se longitudinalmente separando-se em duas valvas em cujo interior
existem várias sementes de cor ocre, algo achatadas e dispostas em duas fiadas.
Rúcula, rúcula e rúcula:
Eruca vesicaria, Eruca sativa e
Diplotaxis tenuifolia
Existe alguma
controvérsia na classificação das espécies Eruca
vesicaria e Eruca sativa. Embora classificada como espécie de direito
próprio, alguns botânicos defendem que Eruca
sativa não passa de uma subespécie de Eruca
vesicaria. Outros consideram que a Eruca
sativa é apenas a forma cultivada (do Latim 'sativus', significando 'cultivado' ou 'plantado') pois não
encontram diferenças relevantes entre as duas. Nessa conformidade, a Flora Iberica confirma que algumas
características assinaladas na Eruca
sativa são consistentes com as formas cultivadas, podendo ser interpretadas
como uma seleção artificial, tal como frutos mais longos e folhas maiores e
comparativamente menos divididas.
Tradicionalmente distinguem-se as duas formas
através das sépalas do cálice que tendem a ser persistentes na Eruca vesicaria e caducas na Eruca sativa mas ainda segundo a Flora
Iberica as situações de persistência do cálice manifestam-se de forma
esporádica em algumas populações silvestres e sobretudo a nível regional.
Embora estas três espécies possam à primeira vista ser confundidas existem
algumas diferenças que justificam estarem classificadas em dois géneros
diferentes:
-
Género Eruca: Eruca vesiscaria e Eruca
sativa, de flores brancas, são plantas de ciclo anual: nascem, florescem e
frutificam, fenecendo no final da estação ou após a colheita das folhas a qual
deve ser feita antes da floração, quando ainda são jovens e tenras. As folhas são mais largas e o sabor menos apimentado que na espécie Diplotaxis tenuifolia.
-
Género Diplotaxis: Diplotaxis tenuifolia
apresenta flores amarelas e é perene pelo que novas folhas crescem, na estação
seguinte, a partir da mesma raiz. Em comparação com as espécies Eruca, a
Diplotaxis tenuifolia apresenta folhas mais estreitas e o seu sabor é bastante mais
picante/amargo e o aroma mais pungente.
Eruca vesicaria sativa |
Diplotaxis tenuifolia - Wikimedia Commons |
Através
das diversas abordagens que foram realizadas para diferenciar os géneros Eruca e Diplotaxis foram observadas importantes diferenças nos seus
compostos químicos, o que justifica a diferença nos respetivos sabores. Eruca vesicaria contém como principal
componente derivados de kaempferol enquanto Diplotaxis
tenuifolia contem derivados de quercetin. Embora diferentes, os
fitoquímicos encontrados nestas espécies têm em comum potenciais propriedades
farmacológicas o que faz das rúculas vegetais muito saudáveis e importantes
para a nutrição humana tendo reconquistado um lugar de destaque à nossa mesa,
pelo seu sabor, valor nutricional e baixas calorias. São também ricas em
antioxidantes, vitaminas (A,B,C,K) e minerais (potássio, fosforo, ferro e
enxofre). Os compostos dos flavonoides contidos nas suas
folhas previnem certos tipos de cancro. Contudo, para que a alimentação seja
equilibrada, não deve ser ingerida em excesso, pois em grandes quantidades inibe
a absorção de iodo, prejudicando as funções da tiroide e levando ao
hipotiroidismo.
A
rúcula não é uma ideia nova, antes pelo contrário. Foi muito utilizada desde a
Antiguidade, pelos povos do mediterrânico que já nessa altura conheciam as suas
virtudes e a consideravam uma planta medicinal; não só extraiam óleo das suas
sementes como consumiam as suas folhas cruas ou incluídas em sopas. Por ter
propriedades estimulantes foi considerada uma espécie afrodisíaca e acredita-se
que foi por esta razão que o seu consumo foi, em épocas mais obscuras, considerado moralmente reprovável
e consequentemente marginalizado. Assim, por esta ou
outras razões, o certo é que caiu em desuso tal como aconteceu com tantas
outras plantas colhidas da natureza ou cultivadas em pequenas hortas para
consumo próprio e que providenciaram alimento em tempos de carência.
Hoje em
dia parece haver muita abundancia pois encontramos à venda, em qualquer altura
do ano, muitas espécies de frutas e legumes que antes eram sazonais ou
porventura exóticas. Criadas em estufas ou importadas, dão-nos uma sensação
ilusória de variedade mas o certo é que com o êxodo rural muitas espécies
deixaram de ser cultivadas e se perderam.
Pouco a pouco as espécies cultivadas
e disponíveis para consumo vão-se reduzindo à uniformidade que as leis da
procura impõem ao comércio, daí que o ressurgimento da rúcula tenha sido uma
“lufada de ar fresco”, com consequente sucesso imediato.
Aparentemente
as folhas de rúcula começaram por ser comercializadas na Austrália no início
dos anos 90 do século passado, tendo sido desde logo um tremendo êxito que se
espalhou ao resto do mundo civilizado. A novidade de um sabor diferente
coincidiu com uma maior consciencialização da importância de consumir maior
quantidade e variedade de produtos frescos e baixos em calorias. Também ajudou
o facto de as folhas de rúcula terem sido lançadas no mercado em embalagens de
produto lavado e escolhido, pronto a ser utilizado. Passou a ser o legume da
moda, qual história de “Cinderela” no mundo da botânica, em que a modesta e
rasteira planta silvestre subiu aos restaurantes “gourmet”. Mas infelizmente a
popularidade tem um preço. Perante a escalada no consumo deste legume,
pesquisas científicas têm sido realizadas no sentido de caraterizar as espécies
comercializadas sob o nome de rúcula e perceber não só quais são as que
apresentam colheitas mais rentáveis mas também as que têm melhor aceitação por
parte dos consumidores. As espécies de sabor mais suave, menos ricas em
glicosinolatos, parecem ser as mais procuradas. Em consequência é admissível
que certas espécies venham a ser melhoradas em laboratório para lhes suavizar o
sabor o que vai certamente reduzir as opções disponíveis no comércio. Os
glicosinolatos, compostos encontrados nas espécies da família Brassicaceae/Cruciferae, e responsáveis
pelo característico sabor mais ou menos picante destas plantas são importantes
promotores da saúde, como antioxidantes e desintoxicantes. Por serem solúveis
na água muito se perde com a cozedura, estando muito mais ativos nos vegetais
comidos crus, em saladas, como é o caso da rúcula.
Ainda sobre a família Brassicaceae/Cruciferae:
As
rúculas são espécies da família botânica Brassicaceae, também conhecida por Cruciferae. Cruciferae é o nome antigo
mas este é ainda reconhecido como valido pelas autoridades competentes (ICBN Código Internacional de Nomenclatura Botânica) e faz referência às 4 pétalas
dispostas em cruz que são características das flores desta família. A Brassicaceae/Cruciferae inclui cerca de
3700 espécies as quais estão agrupadas em 330 géneros. É uma família de grande
importância económica. Cultiva-se um pouco por todo o mundo embora com maior
prevalência nas zonas temperadas e atingindo maior diversidade na região
mediterrânica. Algumas das espécies com valor comercial são ornamentais, outras
são produtoras de óleos e gorduras vegetais obtidos através das suas sementes.
De reconhecido valor nutricional, certas espécies são legumes imprescindíveis
na alimentação humana, nomeadamente os brócolos, as couves, os rabanetes, os
nabos, a mostarda e o agrião, entre outras. Muitas das espécies da família
Brassicaceae foram, ao longo de milhares de anos, extensivamente alteradas e
domesticadas não só levando à criação de novas espécies (por Ex: couve,
repolho, brócolos, couve-flor e couve-de-bruxelas, apesar do seu aspeto
distinto, provêm do mesmo ancestral silvestre comum e pertencem todas à mesma
espécie, Brassica Oleracea), como
também suavizando-lhes o característico sabor áspero e amargo.
O sabor
característico das espécies desta família deve-se à alta concentração de
compostos químicos nomeadamente os glicosinolatos, os quais exercem diversas
funções nas plantas quer na regulação do seu próprio metabolismo e crescimento
quer como defesa contra infeções por bactérias ou serem comidas por herbívoros.
Na alimentação humana os glicosinolatos
demonstraram ter potente ação preventiva em vários tipos de cancro. No entanto, a concentração de glucosinolatos é
grandemente reduzida pela cozedura prolongada a temperaturas elevadas,
tornando-se assim ineficaz como medida preventiva e curativa.
Recomenda-se a ingestão em cru ou após cozedura a vapor e por um curto período
de tempo, exceto no caso das pessoas que sofram de hipotiroidismo e metabolismo
lento pois os glucosinolatos têm efeito inibidor sobre a função da tiroide,
impedindo a absorção do iodo.
Fotos : Serra do Calvo / Lourinhã