"O grande responsável pela situação de desequilíbrio ambiental que se vive no planeta é o Homem. É o único animal existente à face da Terra capaz de destruir o que a natureza levou milhões de anos a construir"





terça-feira, 21 de junho de 2016

Cynoglossum creticum Miller

Nomes comuns: 
Língua-de-cão; orelha-de-lebre; cinoglossa-de-flor-listada

A bela Cynoglossum creticum é uma planta herbácea bienal. Quer isto dizer, que o seu ciclo biológico leva dois anos a decorrer, crescendo vegetativamente no primeiro ano e produzindo flores e frutos no segundo. Após a germinação das sementes, o que geralmente acontece durante o verão ou outono, formam-se as primeiras folhas, as quais se dispõem em roseta ao nível do solo. É assim que a planta permanece durante a estação desfavorável, enquanto se desenvolve o seu sistema radicular. No final do inverno surgem os caules e as folhas caulinares que permitirão a formação de flores e frutos, durante o período que vai de março a maio. 
Cynoglossum creticum - Ilustração
Hoffmannsegg, J.C.von, Flore portugaise, vol.1: t.24 (1808-1840)
Fonte
Uma vez maduros os frutos, a planta seca; mas não está ainda terminada a sua missão. Ela mantém-se ereta e a segurar os frutos maduros durante mais algum tempo, dando-lhes a oportunidade de poderem ser levados para longe, o que acontece ao agarrarem-se ao pelo de alguma cabra, ovelha ou cão que por ela roce ou até à roupa das pessoas.
Os caules de Cynoglossum creticum podem ir de 20 a 90 cm de altura. Estes são eretos, robustos e angulosos, podendo ser solitários ou múltiplos, por vezes ramificando-se na parte superior. A sua cor é esbranquiçada devido aos pelos densos e macios que os cobrem.
As folhas, de um tom verde-claro, são inteiras, oblongo-lanceoladas, com nervuras laterais pouco marcadas e estão cobertas de pelos em ambas as páginas, que aderem à nossa roupa e ao pelo dos animais como se fossem "velcro". 
Tal acontece devido à presença de sílica e carbonato de cálcio na composição dos pelos. As folhas basais estão munidas de longos pecíolos ao contrário das caulinares cujos pecíolos se tornam cada vez mais curtos à medida que se posicionam na parte superior do caule. Desta forma, as folhas superiores são sésseis, por vezes quase abraçando o caule. A maioria das folhas são eretas, apontando para cima, exceto as basais que geralmente, são arqueadas.
As folhas contêm alcalóides que são tóxicos para o gado. De forma geral, estes animais não a ingerem se a encontrarem no campo, o problema existe quando vão misturadas com o pasto.
Ao contrário dos caules e das folhas, as flores são glabras. 
Elas dispõem-se em inflorescências mais ou menos longas, inserindo-se alternadamente para um lado e outro dos respetivos eixos, aos quais se ligam por pedúnculos que são eretos para baixo quando jovens, mas que progressivamente se curvam e alongam para cima.
O cálice consiste em 5 sépalas peludas que estão divididas quase até à base, formando lóbulos alongados e obtusos.
A corola é formada por 5 pétalas arredondadas, mais compridas que os lóbulos das sépalas e estão unidas na base, formando um tubo. 
Rodeando a entrada central deste tubo, denominada garganta, existem 5 pequenas estruturas de cor púrpura e semelhantes a escamas, ciliadas nas margens e que parecem formar uma segunda corola no interior da verdadeira; trata-se, provavelmente, de apêndices destinados a proteger o acesso aos órgãos reprodutores.
As pétalas são finamente decoradas com uma rede de linhas e nervuras entrecruzadas, em tom violeta ou azul-escuro,  o que as torna muito atrativas.
Esta espécie possui órgãos masculinos e femininos. Estes são pequenos e inconspicuos. O ovário, formado por 2 carpelos, está praticamente escondido na base do cálice e o estigma é mais curto que o tubo da corola. Os estames estão unidos e inserem-se na parte de baixo do tubo da corola, logo abaixo dos apêndices existentes na garganta do tubo.
Inicialmente, quando ainda estão em botão ou acabadas de abrir, as flores apresentam um tom rosado mas, ao envelhecerem mudam para cor azul. Tal deve-se à presença de pigmentos especiais cuja função é a proteção das plantas, suas flores e seus frutos contra os excessos de radiação da luz ultravioleta. Estes interessantes pigmentos, designados por antocianinas  e apenas presentes em algumas espécies são a razão pela qual podemos ver, ao mesmo tempo, flores rosa e azuis num mesmo ramo de  Cynoglossum creticum. Para os insetos polinizadores, sempre tão atarefados, esta  situação pode representar uma poupança de tempo, permitindo-lhes perceber quais as flores que ainda têm provisão de pólen e néctar e quais a que não valem a pena o incomodo. 
Os frutos são do tipo esquizocarpo pelo que ao amadurecerem se separam em grupos de 4  frutos secos e indeiscentes, semelhantes a nozes, os quais são bem visíveis dentro de cada cálice. Cada uma destas nozes contém uma semente. 

Inicialmente verdes, vão-se tornando castanho-escuras com a maturação. 

Desenho de um gloquídio.
Fonte: Wikipedia. Desenho de RoRo, a partir de Plant Systematics(Simpson 2005)
A superfície destes frutos está densamente coberta por cerdas cuja extremidade termina num conjunto de ganchos, conhecidos como gloquídios e que são os responsáveis pela aderência, não só ao pelo dos animais mas também à nossa roupa e meias quando damos os nossos passeios pelo campo. 
Esta é uma forma de dispersão bastante inteligente, permitindo a formação de novas colónias a quilómetros de distância da planta-mãe.

As sementes estão prontas a germinar logo que amadurecem desde que encontrem um lugar confortavelmente húmido para o fazer. A sua pressa tem toda a razão de ser pois embora cada planta possa produzir centenas de sementes a sua viabilidade no solo não vai alem de 2 ou 3 anos. Por esta razão, a reserva de sementes de Cynoglossum creticum existente no solo é bastante exígua. 
Cynoglossum creticum é uma espécie nativa da bacia do Mediterrâneo, incluindo Portugal continental (veja distribuição AQUI),  Madeira e Porto Santo. Também se encontra nas ilhas dos Açores embora como espécie introduzida e presentemente naturalizada.
Sendo uma espécie ruderal, cresce em terrenos ricos em nutrientes e perturbados pelas atividades humanas como dunas, pastagens, vinhedos, pomares, terrenos cultivados ou de pousio, sítios descampados e beira dos caminhos.

Cynoglossum creticum foi introduzida em diversos países do Novo Mundo onde, sem surpresa, se tornou invasora. Como tem acontecido com muitas outras espécies, ao ser levada para habitats que lhe eram estranhos Cynoglossum creticum perdeu o seu equilíbrio natural acabando por perturbar também o equilíbrio dos habitats locais. Livre dos seus inimigos naturais passou a reproduzir-se de forma descontrolada e demasiadamente vigorosa o que tem prejudicado as espécies nativas de países como os Estados Unidos, o Canadá, a Austrália, a Argentina ou o Chile onde se registam infestações em pastagens que causam grandes problemas aos agricultores e criadores de gado.

Em tempos idos, algumas partes desta planta (folhas, flores e raiz) eram utilizados em medicina tradicional, quer externamente como cicatrizante, quer internamente como antidiarreica, adstringente, hemostática e expetorante. No entanto, a sua utilização caiu em desuso pois os alcalóides pirrolicidinicos que contêm, são tóxicos. Dependendo da quantidade ingerida, são paralisantes e, a longo prazo, cancerígenos.

Cynoglossum creticum pertence ao género Cynoglossum o qual foi estabelecido por Tournefort (1694-1700) e validado por Lineu (1753). Este género é um dos mais complexos e problemáticos da família Boraginaceae, a qual tem sofrido muitas alterações à medida que vão sendo feitos exames fitogenéticos. Esta família inclui atualmente cerca de 2000 espécies divididas em 22 géneros. 

Do género Cynoglossum ocorrem 3 espécies em Portugal (Veja as outras espécies AQUI.) 
A autoridade cientifica que descreveu a espécie Cynoglossum creticum foi Philip Miller em The Gardeners Dictionary: eighth edition no. 3. 1768.

O nome Cynoglossum significa literalmente "língua de cão", numa clara referência à forma das folhas, sendo este termo uma forma latinizada do original grego (“Kynós”=cão e Glõsson =língua). Esta designação, da provável autoria de Sextius Niger, passou a ser conhecida a partir dos trabalhos de Dioscórides, médico e botânico grego e também de Plínio, naturalista romano, contemporâneos no século I. As obras de Plínio e Dioscórides apresentam algumas semelhanças apesar de todas as evidências históricas estabelecerem que eles não se conheciam. Pensa-se que essas semelhanças se devam ao facto de ambos terem usado como fonte os trabalhos de Sextius Niger.

Fotos de Cynoglossum creticum: Serra do Calvo/Lourinhã



terça-feira, 7 de junho de 2016

Preservação das dunas da Areia Branca

Nunca é demais frisar a importância das dunas costeiras, como é o caso das dunas da Areia Branca/Lourinhã. Para além de serem espaços de grande diversidade biológica, as dunas estabelecem a transição entre o meio marinho e o ambiente terrestre agindo como barreira natural, impedindo a progressão do mar para o interior.
Sendo constituídas por uma acumulação de materiais arenosos de consistência muito precária, a estabilidade das dunas depende da manutenção do coberto vegetal. Assim, a vegetação desempenha um papel de primordial importância na sua formação e manutenção, pois são as plantas que ajudam a fixar as areias, prevenindo a erosão provocada pelos ventos, pela chuva e ondas do mar. 
Centaurea sphaerocephala
As espécies que vivem nas dunas são todas plantas especificamente adaptadas ao ambiente hostil em que vivem (ar carregado de partículas de sal, intensa luminosidade, falta de agua e nutrientes). A sua vida e sobrevivência são difíceis mas, apesar de tudo, conseguem apresentar lindas flores e agradáveis aromas.
Este passadiço, que se inclui na ciclovia que liga a praia à Lourinhã, permite agradáveis passeios nas dunas sem prejudicar as plantas
Felizmente, as entidades competentes da região parecem ter-se apercebido da deterioração que se regista em certos locais das dunas e algumas medidas começam a ser postas em marcha, o que não só promove a reconstrução dunar mas também aumenta o potencial turístico e a qualidade de vida das populações.
Numa louvável iniciativa, que teve como objetivo dar a conhecer e sensibilizar a população para a importância da preservação das espécies autóctones do sistema dunar da Areia Branca, o Município da Lourinhã assinalou  o Dia Mundial do Ambiente, a 5 de junho, com a plantação de 12 espécies autóctones do sistema dunar local, preenchendo dois canteiros, junto à Foz do Rio Grande. 
As espécies estão identificadas numa placa informativa afixada no local.
A assistir a este evento estiveram algumas dezenas de passeantes, entre eles várias crianças que também colaboraram na plantação das espécies. Estiveram ainda presentes o presidente da câmara, João Duarte de Carvalho, o técnico do Município responsável por este projeto Nuno Vinagre e o presidente da União das Freguesias de Lourinhã e Atalaia, Pedro Margarido.
Ao que consta, novas iniciativas estão já em planeamento, entre as quais se incluem o repovoamento dos espaços deteriorados das dunas e a eliminação de espécies invasoras, como é o caso dos chorões (Carpobrotus edulis) que são extremamente prejudiciais ao desenvolvimento e sobrevivência das plantas dunares autóctones.
Veja mais sobre as dunas AQUI, AQUI.

Fotos: Praia da Areia Branca/Lourinhã