sábado, 7 de junho de 2014

Elymus farctus (Viv.) Runemark ex Melderis + Ammophila arenaria Link

Elymus farctus e Ammophila arenaria: 
espécies pioneiras dos sistemas dunares

As dunas são parte integrante de algumas regiões do nosso litoral, onde uma maior acumulação de areias levou à sua formação. São muralhas que impedem o galgamento das águas do mar, proporcionando uma rápida transição entre o mundo marinho e o continental. Nelas podemos encontrar ambientes complexos formados por uma ampla variedade de ecossistemas.
Elymus farctus e Ammophila arenaria são duas espécies pioneiras na formação das dunas e as suas características tornam-nas imprescindíveis na estabilização e equilíbrio dos sistemas dunares do litoral. Cada uma destas espécies assume funções diferentes mas complementares. Não há outras espécies que as substituam pelo que a sua ausência pode levar à degradação de todo o sistema dunar.

Elymus farctus (Viv.) Runemark ex Melderis
subsp. boreali-atlanticus (Simonet & Guinochet) Melderis
Nomes comuns:
Feno-das-areias; grama-canina-das-areias; grama-francesa-das-areias

Elymus farctus é uma espécie autóctone que podemos encontrar nas areias de praticamente toda a zona arenosa litoral de Portugal continental e arquipélago da Madeira. É, sobretudo, inevitável como espécie pioneira das dunas litorais mostrando grande tolerância a submersões temporárias pela água do mar, quer durante os temporais de inverno quer na época das marés-vivas. De forma geral, distribui-se por todo a costa atlântica europeia desde Portugal até à Escandinávia.

É na parte mais recuada da praia que surgem as primeiras acumulações de areia que vão dar origem às dunas embrionárias, as mais expostas aos ventos fortes e ocasionalmente atingidas pelos salpicos das ondas. Nestas acumulações de areia surgem as primeiras plantas perenes que vão desencadear o processo de evolução do sistema dunar.

A primeira entre todas é a Elymus farctus, gramínea perene de crescimento relativamente rápido que desempenha um papel fundamental durante a acumulação de sedimentos, favorecendo a colonização do espaço adjacente por outras espécies. Para tal, Elymus farctus forma tufos pouco densos junto aos quais se vão acumulando as areias trazidas pelo vento. Estas acumulações de areia vão crescendo e aos poucos vão cobrindo parcialmente a planta. Mas ela não se dá por vencida e para compensar, também ela cresce em altura, evitando sempre o soterramento. As suas raízes nascem a partir dos caules rizomatosos os quais estão implantados a grande profundidade e formam uma massa intrincada de ramificações que dão origem a novos rebentos. 
Os caules são colmos, isto é, são ocos e apresentam nós e entrenós bem visíveis; podem atingir 60 cm acima do nível de areia e são rígidos, delgados e sem pelos.

As folhas, de cor glauca (verde-azulado) e com nervuras proeminentes e paralelas, colocam-se alternadamente nos colmos; têm forma linear, podendo apresentar-se planas ou enroladas longitudinalmente; a página superior da folha é lisa mas toda a face inferior (ou interior, quando enrolada) está provida de estomas, pequeníssimas aberturas que permitem as trocas gasosas entre a planta e o meio ambiente. Os estomas controlam a quantidade de água perdida diariamente, fechando-se ou abrindo conforme as necessidades da planta.

As flores, de tamanho muito reduzido, são polinizadas por ação do vento e cada uma delas está provida de órgãos reprodutores masculinos e femininos (3 estames e 1 estilo com 2 estigmas). São flores muito simplificadas pois uma vez que não necessitam de atrair insetos polinizadores não desperdiçam energias em pétalas ou sépalas, estando estas reduzidas a 2 escamas elípticas e membranosas, as lodículas. 
Os órgãos reprodutores estão protegidos por brácteas as quais também têm papel importante na dispersão da semente: a pálea e a lema rodeiam cada uma das flores e as duas glumas envolvem todo o conjunto da espigueta.
As flores agrupam-se numa espiga direita ou ligeiramente curva formada por espiguetas (espigas secundarias) diretamente implantadas num eixo central (raquis) e comprimidas lateralmente. Cada uma das espiguetas tem 3 a 8 flores dispostas alternadamente em lados opostos da ráquila (eixo da espigueta).


A floração dá-se no início do verão.

Os frutos, tecnicamente denominados cariopses, são pequenos grãos semelhantes ao arroz ou ao trigo.

Ammophila arenaria Link 
subsp. arundinacea H. Lindb.
Nome vulgar: estorno

Uma vez iniciado o processo de retenção das areias arrastadas pelo vento, ação em que Elymus farctus tem papel fundamental, outras espécies surgem nas areias, ainda móveis. A mais importante é sem dúvida a Ammophila arenaria, muitas vezes chamada construtora das dunas devido à sua enorme capacidade de retenção e fixação de areia. Esta espécie desponta quando a duna chega mais ou menos a um metro de altura, protegendo-se assim de possíveis submersões pela água do mar, cujo sal não tolera. É maior que a Elymus farctus e forma tufos mais fortes e densos cuja função principal é fixar as areias, permitindo que a duna, em formação, possa ter estabilidade suficiente para que outras espécies nela possam viver. Enquanto os seus densos tufos cortam a força do vento e dão abrigo e sombra, o seu raizame profundo e intrincado funciona como ancora.

A Ammophila arenaria é uma gramínea perene que pode ir dos 60 aos 120 cm de altura. Os tufos herbáceos formam-se a partir de um sistema de raízes rizomatosas rastejantes e profundas, que podem chegar aos 5 metros de profundidade. O contínuo soterramento parcial da planta não só estimula o crescimento vertical das folhas e caules, com formação de novas raízes adventícias, como é mesmo necessário para evitar o envelhecimento prematuro das folhas.
As raízes desenvolvem-se também paralelamente à superfície, dando origem a novas plantas. Recentemente, alguns estudos demonstraram que as raízes da Ammophila arenaria estabelecem associações com fungos microrrizas, colaboração que lhes permite tirar o máximo proveito dos escassos nutrientes existentes na areia.

Os caules, resistentes e direitos, designam-se por colmos. São os caules característicos das gramíneas, cilíndricos e ocos, formando nós e entrenós os quais passam despercebidos por estarem envolvidos pelas bainhas das folhas.
As folhas são alternas, lineares e rígidas mas com margens suaves, exceto na ponta.
Por vezes, as folhas parecem cilíndricas porque se enrolam longitudinalmente  sobre a página superior, de forma que, tecnicamente, a face exposta é a página inferior (lisa e de cor verde-azulado) enquanto a página superior (com alguns pelos e nervação paralela) fica escondida. Este enrolamento acontece quando é necessário controlar a transpiração e a consequente perda de água.

A Ammophila arenaria floresce de maio a julho. As flores, diminutas, reúnem-se numa inflorescência compacta, ereta e cilíndrica, formada por muitas espiguetas. Estas apresentam uma só flor, fortemente comprimidas lateralmente. 

As pequenas flores estão reduzidas aos órgãos reprodutores masculinos e femininos (3 estames + 1 pistilo com 2 estigmas) e são polinizadas pelo vento. 
Cada uma das flores está protegida por brácteas coriáceas e de forma lanceolada: 2 glumas + 1 pálea + 1 lema.
O fruto é uma cariopse, semelhante a um grão de cereal.


Segunda a Naturdata, a Ammophila arenaria tem duas subespécies: a A. arenaria subsp. arundinacea (sinónimo subsp. australis) que se distribui desde o norte de Portugal até ao Mediterrâneo e a A. arenaria subsp. arenaria que vai do norte de Espanha até ao mar Báltico.
Em tempos idos, as populações costeiras utilizavam as espiguetas dos colmos floridos da Ammophila arenaria e também as suas folhas, para fazer cestos e vassouras, enquanto que dos caules subterrâneos se fabricavam cordas e tapetes. Hoje em dia existem maneiras mais económicas e menos trabalhosas de conseguir os mesmos produtos pelo que a colheita excessiva desta espécie para estes efeitos não vai atrapalhar, por certo, a sua sobrevivência. Ainda assim, os cortes de Ammophila arenaria são passíveis de acontecer além de que outras ameaças podem por em perigo esta espécie insubstituível. O emagrecimento das zonas de praia que se regista na atualidade e a subida do nível do mar colocam a Ammophila arenaria à mercê da água salgada que a pode matar ou debilitar, irremediavelmente. 
Por outro lado regista-se uma sobreutilização das dunas embrionárias pelos banhistas e o pisoteio é excessivo, na tentativa de criar acessos diretos às praias. As obras efetuadas nas zonas costeiras nomeadamente paredões, molhes e pontões, também são responsáveis pelas alterações na dinâmica sedimentar, assim como a circulação de viaturas e a extração de areias.

Elymus farctus e Ammophila arenaria pertencem à família Poaceae (também denominada Gramineae) que compreende mais de 10.000 espécies (agrupadas em 650 géneros) e que estão espalhadas por todos os continentes. No que diz respeito à economia mundial esta família botânica é uma das mais importantes pois inclui muitas espécies de cereais que são a base da alimentação humana, quer por via direta quer através de forragens. Inclui também muitas espécies ornamentais.

Fotos: Dunas da Praia da Areia Branca/Lourinhã



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