sexta-feira, 27 de junho de 2014

Malva trimestris (L.) Salisb. = Lavatera trimestris L.

Nomes comuns:
Lavatera-de-três-meses; lavatera; malva-real; malva-rosa


Malva trimestris ou Lavatera trimestris, como é mais conhecida, forma um pequeno arbusto anual de 20 a 80 cm de altura, de aspeto robusto e de rápido crescimento. A floração acontece, de modo geral, entre os meses de abril e junho e é exuberante, com flores grandes e vistosas.


É uma espécie nativa da bacia do mediterrâneo e Península Ibérica, tendo-se naturalizado noutras regiões da Europa e também noutros continentes nomeadamente na América do Norte. No que diz respeito a Portugal, esta espécie está presente em algumas regiões do Continente, de onde é autóctone, e também nos Açores, onde foi introduzida com sucesso.
Distribuição em Portugal - Jardim Botânico da UTAD
Pode ser observada em campos cultivados ou incultos, pomares, clareiras de matos e também em locais perturbados (mais ricos em azoto) tais como depósitos de entulho, aterros ou beiras de caminhos. Aparece em solos argilosos, calcários ou arenosos, desde que não sejam ácidos.
Lavatera trimestris é uma espécie herbácea cujo ciclo de vida é anual. Os caules, ramificados, são eretos, geralmente hirsutos, com pelos compridos e um tanto rígidos mas flexíveis.  
As folhas ligam-se aos caules através de longos pecíolos. Na base dos pecíolos das folhas jovens existem dois pequenos apêndices de aspeto foliáceo chamados estípulas. Nesta espécie as estípulas caem antes das folhas se desenvolverem completamente, uma vez cumprida a sua missão de proteção das gemas.

As folhas da Lavatera trimestris dispõem-se de forma alternada ao longo dos caules e as que se situam na parte superior são mais pequenas que as da base; as inferiores são cordadas (em forma de coração invertido) e as superiores são triangulares, divididas em lobos pouco pronunciados. As margens  das folhas são crenadas, ou seja, mostram recortes arredondados e convexos.
As flores podem chegar aos 10 cm de diâmetro e apresentam cinco pétalas em tons de rosa ou lilás, com um brilho acetinado e estrias mais escuras. Estão implantadas de forma solitária na axila das folhas superiores e apresentam um pedúnculo mais comprido que os pecíolos das folhas axilantes.

O conjunto floral é duplamente protegido: para além das 5 sépalas triangulares que constituem o cálice existe também o epicálice. 


O epicálice, situado na base do cálice, é formado por 3 brácteas (folhas modificadas), largamente triangulares e soldadas na base, as quais continuam a crescer até o fruto atingir a maturação.

As flores são hermafroditas ou perfeitas, assim designadas por estarem providas de órgãos reprodutores masculinos (androceu) e femininos (gineceu). Os estames são muito numerosos, muitos deles estéreis, e fundidos numa estrutura tubular, envolvendo o gineceu.

Bem no centro da flor, o gineceu é um pistilo único composto por numerosos carpelos ligados entre si. Cada carpelo guarda no seu interior um ovário, cujo óvulo, depois de fecundado, dará origem a uma semente.

Tecnicamente, o fruto das espécies da família Malvaceae a que pertence esta espécie, designam-se por esquizocarpos pois resultam da união de vários carpelos soldados. Contudo o fruto da Lavatera trimestris tem características especiais, encontrando-se no meio-termo entre um esquizocarpo e uma cápsula. O fruto desta espécie tem a aparência de um queijo dividido em porções equivalentes, reunidos em volta de um carpóforo, que os sustenta. O carpóforo é um prolongamento do eixo floral que, no caso da Lavatera trimestris, aumenta de volume assumindo forma discóide e cujas abas, transparentes e sem cor, cobrem inteiramente os mericarpos durante a frutificação. Na maturação os mericarpos (correspondentes aos carpelos integrantes do fruto e cada um com a sua semente), permanecem aderentes ao carpóforo mas abrem-se e libertam a semente.


Pela sua beleza e floração abundante, a Lavatera trimestris é muito cultivada em jardins tanto mais que, entre as plantas anuais, é uma das mais atrativas e de maior porte. A partir desta espécie foram desenvolvidos numerosos cultivares os quais privilegiam um menor tamanho da planta, tornando-a mais compacta e oferecendo uma maior gama de tonalidades entre o rosa, branco ou vermelho.

Malvaceae e o caso Malva-Lavatera
Grupo malvoide e grupo lavateroide
Lavatera trimestris pertence à família Malvaceae cujas espécies se distribuem por todos os continentes (exceto as regiões mais frias), havendo uma maior representatividade nos trópicos. Esta família é constituída por trepadeiras, herbáceas, arbustos e arvores estando o cacaueiro (Theobroma cacao) e os algodoeiros (Gossypium spp) entre os seus representantes mais conhecidos. Muitas espécies desta família têm importância relevante em paisagismo. As espécies arbóreas de grande porte são indicadas para arborização de grandes parques e jardins enquanto certas espécies arbustivas, como os Hibiscus spp ou Abutilon spp também podem ser usadas em jardins familiares, em maciços ou como exemplares isolados.

A família Malvaceae constitui uma das grandes famílias botânicas abarcando atualmente mais de 4225 espécies agrupadas em cerca de 243 géneros. Até há bem pouco tempo esta família incluía apenas cerca de 1500 espécies, divididas em 75 géneros. Contudo, após estudos filogenéticos, passou a englobar outras famílias, como a Sterculiaceae, Bombacaceae e Tiliaceae, segundo classificação da APG.
A classificação científica tem as suas raízes no sistema de Lineu (1707-1776) que agrupou as espécies de acordo com as suas características morfológicas em classes, ordens, famílias e géneros. Desde então, estes agrupamentos foram alterados múltiplas vezes, como comprovam as listagens, por vezes extensas, de sinónimos atribuídos a cada espécie. Uma vez aceites pelo ICNB - Código Internacional de Nomenclatura Botânica - os nomes científicos mantêm-se como sinónimos, exceto em caso dos isónimos (no caso de nomes iguais propostos independentemente para a mesma espécie, em alturas diferentes e por autores diferentes apenas o primeiro tem estatuto de nomenclatura). Muitas dessas alterações foram feitas após conhecimento da Teoria da Evolução de Charles Darwin (1809-1882), com base no seu princípio da ascendência comum. Contudo, em face dos meios disponíveis, muitas alterações basearam-se apenas em critérios morfológicos, o que originou muitos erros. A descoberta do ADN e a possibilidade de conferir as semelhanças e diferenças entre espécies através de análise do genoma levaram a uma autêntica revolução na sistemática botânica, com profundas revisões da classificação de múltiplas espécies, algumas já feitas, muitas ainda por fazer. Este vai ser um processo muito trabalhoso e demorado  uma vez que o Reino Plantae é um dos maiores grupos de seres vivos na Terra, com cerca de 400.000 espécies conhecidas. Mas este parece ser o caminho certo pois estabelece a relação natural entre os grupos de plantas, baseada na sua evolução.

Lavatera trimestris foi originalmente incluída no género Lavatera, um conjunto de espécies cuja maior diversidade ocorre na região mediterrânica, embora também existam espécies nativas da Califórnia e México, Etiópia e Austrália ocidental.
As espécies do género Lavatera podem facilmente ser confundidas com as espécies do género Malva, também da mesma família e que são nativas da região mediterrânica ocidental e maior parte da Eurásia, tendo sido introduzidas na Austrália e América do Norte.  Assim, as espécies destes dois géneros não só crescem frequentemente nos mesmos habitats como têm folhagem e floração muito parecidas. São arbustos, pequenas árvores e herbáceas anuais, bianuais e perenes,
Indiferentes a classificações cientificas, as espécies Lavatera e Malva partilham o mesmo nome popular que lhes é atribuido por vários povos (Ex: malvas em português e espanhol, “mallows”, em inglês e “mauves” em francês) o que, aliás, se justifica porque estão estreitamente relacionadas.
Segundo o conceito tradicional, um detalhe tem sido usado para diferenciar os géneros Lavatera e Malva, detalhe esse que tem a ver com a morfologia do epicálice cujas brácteas (que se formam na base da flor) são supostamente livres no género Malva e fundidas no género Lavatera. Esta é a versão tradicional e que vigora desde a época de Lineu (1707-1776), no entanto, este argumento tem sido contestado desde sempre por muitos autores. Na realidade, o grau de fusão das brácteas é muito variável de espécie para espécie em ambos os géneros, muitas vezes diferindo entre as populações da mesma espécie, pelo que muitos autores continuam a achar que a morfologia do epicálice não é um argumento satisfatório para a diferenciação entre Malva e Lavatera.
A história começou quando o botânico francês Tournefort (1656-1708), pioneiro da sistemática botânica e a quem se atribuem os créditos de ter sido o primeiro a fazer a distinção entre espécies e géneros, propôs Lavatera como género monótipo, em que a única espécie era a Lavatera trimestris, dadas as suas características morfológicas únicas. Esta decisão baseava-se nas suas observações das diferentes características do fruto e carpóforo, entre a espécie Lavatera trimestris (espécie tipo do género Lavatera) e espécies não especificadas do género Malva. Contudo, Lineu (1707-1776) ignorou as características do fruto estudadas e relatadas por Tournefort e preferiu dar ênfase à fusão ou não fusão das brácteas do epicálice. Em consequência, retirou algumas espécies do género Malva para as incluir no género Lavatera, redefinindo este género e alterando por completo o conceito que tinha servido de base à sua criação.
O facto de Lavatera trimestris possuir um epicálice peculiar pode ter levado a esta decisão de Lineu, mas a verdade é que o epicálice da L. trimestris é atípico quando comparado com quase todas as espécies, quer do género Malva quer do género Lavatera.
As análises moleculares conduzidas por Martin Forbes Ray (1995) e Fuertes-Aguilar et al. (2002) confirmaram que esta divisão é artificial uma vez que muitas espécies colocadas no género Lavatera estão mais próximas de Malva sylvestris (a espécie tipo do género Malva), do que outras espécies desse mesmo género e provou também que os frutos são fatores essenciais a considerar.
(espécie tipo Para evitar ambiguidade e permitir resolver eventuais conflitos de identificação, cada nome botânico é ligado a uma espécie tipo, quase sempre uma planta herborizada e arquivada num herbário de referência. Esses exemplares tipo têm um valor excepcional para a ciência, sendo disponibilizados pelos herbários seus detentores para análise e comparação sempre que surjam dúvidas ou haja necessidade de rever o taxon respectivo. Muitos desses exemplares têm hoje a sua imagem disponível na Internet” @Wikipedia).
Nesta conformidade as espécies destes dois géneros, juntamente com os géneros Alcea e Althaea, foram divididas em dois grupos, independentemente dos géneros em que tinham sido antes colocadas (exceção feita a Lavatera phoenicea, endémica das Canarias):
- Grupo de fruto Lavateroide, assim chamado porque o tipo de fruto em causa se encontra na Lavatera trimestris, a espécie tipo do seu género. Neste grupo estão incluídas as espécies cujos frutos apresentam mericarpos parcialmente fundidos, os quais permanecem aderentes ao carpóforo mas se abrem para libertar as sementes, quando maduras.
- Grupo de fruto malvoide, que tem como espécie tipo a Malva sylvestris. Neste caso os frutos possuem esquizocarpos com mericarpos de arestas marcadas e paredes espessas que não libertam a semente mas que se destacam do carpóforo quer separadamente, quer no seu conjunto, sem deixar resíduos.
De notar que os frutos malvoide e lavateroide são, contudo, encontrados tanto em espécies do género Malva como do género Lavatera, independentemente da sua classificação genérica.
Em consequência, as espécies incluídas no grupo Malvoide foram transferidas para o género Malva, embora permaneçam duvidas pelo facto de algumas espécies apresentarem frutos com morfologia intermédia. Em muitos artigos a transferência de Lavatera trimestris é também dada como certa. 
Link http://www.theplantlist.org/tpl/record/kew-2504047
Muitas espécies do grupo Lavateroide continuam em duvida pois formam um grupo mais heterogéneo, muitas delas não tendo ainda sido analisadas sob o ponto de vista genético. Contudo, uma vez que não parece praticável subdividir o grupo Lavateroide em muitos géneros, há botânicos que propõem incluir todas as espécies num único género, Malva. A desvantagem desta transferência seria o facto de Malva L. se transformar num género morfologicamente muito diversificado e de difícil identificação. Por outro lado as vantagens de tal classificação prevalecem claramente uma vez que todas as espécies reunidas no género Malva passariam a representar um grupo monofilético único, contendo todas as espécies descendentes do seu ancestral comum.
Muitos outros fatores estão em causa para além do acima exposto mas uma coisa é certa, os taxonomistas não vão ter vida fácil para desenredar esta “meada”, que acresce a tantas e tantas outras situações intrincadas. Resta-nos desejar e esperar que haja mais cientistas interessados e meios que tornem possível a tomada de medidas acertadas.


Fotos: Serra do Calvo/Lourinhã



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