sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Abutilon theophrasti Medikus

Nomes comuns:
Folhas-de-veludo, malvão, juta-da-china

Foi no recanto do jardim reservado ao cultivo de frutos e legumes que vi pela primeira vez esta linda herbácea de folhas aveludadas. Quase escondida pela produção exuberante dos tomateiros, só em finais do verão dei por ela. Pelo seu pequeno tamanho  - considerando os padrões de exigência de uma planta anual - é possível que tenha germinado tardiamente. 
Apesar das flores incipientes era óbvio que já tinha florido anteriormente pois foram os frutos que primeiro chamaram a minha atenção. Era um exemplar solitário e completamente diferente das outras ervas que costumam invadir os canteiros da pequena horta. Certamente foi trazida de longe por alguma pequena ave, talvez, quem sabe, uma oferenda ou proposta de amizade... 
Deixei passar algumas semanas enquanto observava o seu desenvolvimento e tentava identifica-la. Entretanto, abriram as flores de tom amarelo e amadureceram os frutos mas Infelizmente as chuvas que este ano chegaram precocemente e de forma persistente deterioraram o que restava dos tomates e foi necessário arranca-los rapidamente, o mesmo acontecendo com as infestantes habituais que este ano atacaram com força redobrada. 
Quando dei por isso, da bela planta nem rasto, devidamente despejada juntamente com as suas “comadres” no contentor apropriado aos lixos biológicos. Mas, mais ano menos ano, ela voltará seguramente a germinar no mesmo local, pois algumas sementes terão ficado no solo. Quando tal acontecer, se eu desejar deixa-la crescer terei de ter o cuidado de recolher os frutos antes que as sementes amadureçam, evitando assim a sua proliferação. É que, identificada a espécie, Abutilon theophrasti, fiquei a saber que é uma infestante exótica e altamente invasora, habitual em grandes plantações de milho e soja. No nosso país a sua presença está assinalada principalmente no Douro litoral e Ribatejo.

Abutilon theophrasti é por vezes cultivada em jardins mas aparece principalmente em áreas de resíduos, bermas dos caminhos, terrenos baldios, na proximidade de currais e em campos cultivados ou incultos. Na realidade é uma espécie tipicamente ruderal e infestante que coloniza os habitats modificados pelo Homem e enriquecidos com os fertilizantes das práticas agrícolas. 
A área de distribuição nativa de Abutilon theophrasti vai do sudeste asiático até ao centro da região mediterrânica. Na China já era cultivada intensamente há 3000 anos. Era utilizada principalmente para obter fibras usadas na confeção de fios, cordas, tapetes, sacos, pano grosso, sapatos, redes de pesca, papel e na calafetagem de barcos; em medicina alternativa usavam-na para tratar febres, disenteria e problemas estomacais; como alimento, as sementes, de sabor semelhante às do girassol, eram consumidas cruas (depois de tratadas para perderem o gosto amargo) ou usadas para fazer farinha depois de secas. Hoje em dia, contudo, existem alternativas mais rentáveis e saborosas pelo que se pode dizer que a planta deixou de ser apelativa.
Entretanto, através do Mediterrâneo, Abutilon theophrasti foi abrindo caminho para a Europa e o resto do mundo.
Abutilon theophrasti foi introduzida na América do Norte pelos ingleses antes de 1750, como uma potencial produtora de fibras. A ideia dos investidores era conseguir uma fonte de fibras que os tornasse autossuficientes nesse campo, em vez de estarem dependentes das fibras importadas.
No mundo de hoje, em que dispomos de uma variedade imensa de materiais sintéticos, é difícil imaginar como as fibras vegetais eram importantes para a sociedade de há centenas de anos. Todos os setores da vida doméstica ou comercial estavam delas dependentes, de uma forma ou outra. As fibras eram usadas não só na confeção de têxteis, cestaria, manufactura do papel mas também na construção civil, pesca e navegação marítima. Por exemplo, as correntes metálicas só foram introduzidas nos navios em meados do século XIX, sendo até então utilizadas grande quantidade de cordas, compridas e grossas, manufaturadas a partir de fibras vegetais.
Convento de Cristo - Tomar
Um belo exemplo do estilo Manuelino, em que as cordas se salientam como elemento decorativo
Podemos fazer apenas uma pálida ideia dos quilómetros de cordame que foram necessários durante a campanha dos descobrimentos, da dificuldade em conseguir tamanha quantidade de fibras e de quantas plantas foram sacrificadas para que novos mundos fossem alcançados. As cordas eram de tal forma importantes que constituíram um dos elementos decorativos mais repetidos pelos artistas do estilo Manuelino.
No Novo Mundo o projeto de uma indústria própria para a produção de fibras através de Abutilon theophrasti foi alvo dos esforços dos agricultores americanos durante mais de um século, mas nunca foi um sucesso comercial. Em vez disso, o plantio persistente desta planta tornou-a numa praga agrícola causando prejuízos avultados, chegando atualmente a reduzir as colheitas de milho e soja em cerca de 34%, só nos Estados Unidos e Canadá, apesar do uso intensivo de herbicidas. O mesmo se passa em alguns países do sudeste europeu, nomeadamente Alemanha, Republica Checa e Hungria.
De notar que cada planta de Abutilon theophrasti produz entre 800 a 17000 sementes as quais se mantêm viáveis no solo durante 4 a 5 décadas estabelecendo um banco de sementes tão abundante e resistente que torna praticamente impossível o controlo da espécie. Uma vez germinada, a planta torna-se altamente competitiva, concorrendo com as espécies agrícolas pela luz do sol, espaço no solo, por água e nutrientes. Além disso segrega substâncias alelopáticas cuja composição química impede que outras plantas se desenvolvam em seu redor.
Abutilon theophrasti é uma espécie anual que se desenvolve a partir de um caule ereto e vigoroso o qual se ramifica na parte superior formando um pequeno arbusto que pode alcançar mais de 1,5 m de altura.
O caule e os ramos estão densamente cobertos por curtos pelos estrelados e simples que lhe dão um toque aveludado.
As folhas têm peciolos longos e dispõem-se nos ramos de forma alternada; a venação é palminérvea; quanto à forma, as folhas são cordiformes (em forma de coração) ou arredondadas, com a extremidade aguda e ligeiramente curva; as margens apresentam pequenos dentes; são discolores porque a face superior tem um tom de verde diferente da página inferior; ambas as faces estão cobertas por pelos que as tornam macias e aveludadas ao toque.
As flores, providas de órgãos reprodutores masculinos e femininos, surgem na axila das folhas superiores e agrupam-se em inflorescências do tipo cimeira ou são solitárias. A corola é formada por 5 pétalas de um tom amarelo intenso, de forma obovada e com um pequeno entalhe na extremidade. O cálice é constituído por 5 sépalas cobertas por pelos e unidas na metade inferior e que continuam a crescer até à maturação dos frutos. Não existe epicálice. O androceu é formado por numerosos estames fundidos até certa altura, formando um tubo ao redor do ovário e depois livres entre si. A fecundação faz-se principalmente por autopolinização embora também possa ocorrer polinização cruzada com auxílio de insetos.
O fruto de Abutilon theophrasis é um esquizocarpo, densamente coberto por pelos, primeiro de cor verde, tornando-se quase preto ao atingir a maturação. 
O esquizocarpo é semelhante a uma cápsula circular, maior que o cálice e constituída por 12 a 15 mericarpos presos a uma coluna central e que permanecem intactos até à maturação. Os mericarpos estão dispostos como os gomos de uma laranja, e têm 3 faces: a dorsal ligeiramente côncava e estreita e as laterais planas, lisas e glabras.
Parte superior do esquizocarpo com sementes maduras
Foto de Invasive.org

Cada mericarpo contém 2 ou 3 sementes que são libertadas através de uma abertura situada no ápice. As sementes, achatadas e glabras, apresentam coloração escura e forma de rim.
A floração ocorre principalmente durante os meses de julho e agosto.
Uma vez iniciada a floração cada planta produz sementes de forma contínua até à chegada dos primeiros frios. As sementes amadurecem cerca de 20 dias após a abertura das flores. Cada esquizocarpo produz entre 25 a 45 sementes pelo que uma planta grande pode produzir varias centenas de mericarpos e milhares de sementes. As sementes maduras sao rapidamente disseminadas pelo vento, agarradas ao pelo de algum animal ou misturadas com as colheitas. De notar que passam incolumes pelo trato digestivo dos animais, se deglutidas.
Abutilon theophrasti pertence à familia Malvaceae que constitui uma das grandes famílias botânicas, abarcando atualmente mais de 4225 espécies, agrupadas em cerca de 243 géneros. Até há pouco tempo esta família era bem mais pequena mas após estudos filogenéticos, passou a englobar outras famílias.
Esta família reúne espécies que se distribuem por todos os continentes (exceto as regiões mais frias), havendo uma maior representatividade nos trópicos. É constituída principalmente por trepadeiras, herbáceas, arbustos e árvores estando o cacaueiro (Theobroma cacao)  e os algodoeiros (Gossypium spp) entre os seus representantes mais conhecidos. Muitas espécies desta família têm importância relevante em paisagismo. As espécies arbóreas de grande porte são indicadas para arborização de grandes parques e jardins enquanto certas espécies arbustivas, como os Hibiscus spp ou Abutilon spp também podem ser usadas em jardins familiares, em maciços ou como exemplares isolados. Estas espécies têm grande potencial ornamental. Desenvolvem-se bem na terra ou em vaso e têm a vantagem de ter uma floração muito abundante e prolongada.
Abutilon theophrasti está hoje em dia incluída no género Abutilon mas já esteve incluída no género Sida com o nome de Sida abutilon L. (basónimo de Abutilon theophrasti Medikus).

- Para ver um pequeno filme sobre a planta Abutilon theophrasti e a forma de recolher as fibras, clique AQUI.
- Clicando AQUI pode aceder a uma galeria de fotos de híbridos de Abutilon, especialmente preparados para fins ornamentais. 

Fotos de Abutilon theophrasti: Serra do Calvo/Lourinhã.