segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Silene gallica L.

Nomes comuns:
Cabacinha; erva-cabaceira; erva-de-leite;
erva-mel; erva-ovelha; gorga; nariz-de-zorra

Silene gallica é uma espécie nativa das Ilhas Britânicas, Europa central, Península Ibérica, região mediterrânica e Oeste asiático, tendo-se naturalizado em muitas outras regiões de clima temperado. Em Portugal floresce e frutifica durante a primavera e o verão, um pouco por todo o território. A sua presença é indicadora de solos moderadamente secos e desenvolve-se muito bem em campos baldios, cultivados ou de pousio, pastos, jardins abandonados, beira dos caminhos, dunas e arribas do litoral. 
Na generalidade gosta de solos azotados embora não muito fertilizados. É uma espécie invasora de algumas culturas como a aveia e o trigo, pelo que é muitas vezes ferozmente combatida. 
No nosso país, por enquanto, ainda se encontra com frequência mas há que ter em conta o que tem acontecido noutros países da Europa, nomeadamente na Irlanda e Grã-Bretanha onde esta espécie se tornou dramaticamente muito escassa, passando a ser espécie protegida. A redução drástica nas populações de Silene gallica nestes países deveu-se principalmente ao incremento das práticas agrícolas com o respectivo aumento das áreas cultivadas e à intensificação do uso de herbicidas e adubos.
Silene gallica é uma pequena planta herbácea de ciclo de vida anual cuja altura varia entre os 8 e os 45 cm e cujas características morfológicas podem ser muito variáveis.

Podem aparecer exemplares glabros mas é muito raro pois geralmente toda a planta está coberta por pelos, pouco densos mas bem visíveis; os da metade superior são pelos glandulares e pegajosos que protegem a planta dos insetos herbívoros, muitos dos quais nela ficam presos, acabando por morrer. Muito apropriadamente um dos nomes comuns em inglês é Catch fly, ou seja, apanha moscas.

Os ramos, eretos, podem ser simples ou ramificados desde a base e estão providos de folhas cobertas com alguns pelos; são opostas, inteiras e terminam numa ponta curta, aguda e rígida.
A forma das folhas é bastante variável: as inferiores podem ser de espatuladas a oblanceoladas e as superiores de ovado-lanceoladas a elípticas.
As flores são pequenas mas lindas e de aspeto delicado; agrupam-se em inflorescências em que, providas de pedicelos curtos e de tamanho semelhante, se colocam ao longo de um eixo comum que se forma no prolongamento do pedúnculo. 
As flores nascem na axila das brácteas as quais são mais compridas que os pedicelos e têm formato linear ou elíptico.
O cálice, coberto de pelos multicelulares (para absorção de água e sais minerais) e glandulares (para proteção contra insetos herbívoros), é constituído por 5 sépalas unidas que formam um tubo o qual se apresenta fortemente contraído na parte superior e se abre para o exterior por 5 dentes triangulares. As linhas de união entre as sépalas formam 10 nervuras longitudinais de cor verde ou vermelha.
A corola é formada por 5 pétalas brancas ou rosadas, desiguais entre si, podendo o limbo ser inteiro ou dentado na margem. Alem disso, apresenta um apêndice chanfrado na base de cada pétala, entre a unha e o limbo.
Nesta espécie as flores são hermafroditas, dispondo de órgãos reprodutores dos dois sexos. Do androceu emergem 10 estames com a base peluda e o gineceu tem um ovário que apresenta geralmente 3 estilos.
O fruto é uma cápsula de formato cónico que se abre espontaneamente na maturação pelos dentes da parte superior. As sementes são muito enrugadas, de cor cinzento escuro e em forma de rim.

Esta espécie pertence ao género Silene, o maior da família Caryophyllaceae. Este género reúne cerca de 600 a 700 espécies divididas em 44 secções. São muito diversificadas, anuais ou perenes. Estão amplamente distribuídas pelas zonas temperadas do Hemisfério Norte sendo a região mediterrânica e a Ásia central as duas áreas geográficas com maior concentração. Contudo, podem encontrar-se espécies nativas em todos os continentes exceto na Austrália. Este género inclui plantas muito bonitas e de aspeto delicado, muitas delas cultivadas como ornamentais.

Um caso curioso é o da espécie Silene stenophylla que cresce nas tundras da Sibéria. Sementes desta espécie que há 32.000 anos permaneciam congeladas a 38 metros de profundidade, foram regeneradas por cientistas russos que a partir delas conseguiram fazer crescer, em laboratório, réplicas da planta. Veja mais detalhes AQUI.

No que diz respeito a Portugal, o Portal da Flora-on apresenta registo de 41 espécies espontâneas do género Silene. Veja AQUI.

A IMPORTÂNCIA DO GÉNERO SILENE

O género Silene, estudado por Darwin, Mendel e outros cientistas pioneiros, ressurge nos nossos dias como um excelente modelo para estudar questões interrelacionadas no âmbito da ecologia, evolução e biologia do desenvolvimento. Há muitas questões sobre a evolução dos cromossomas sexuais, controle epigenético da expressão sexual, conflitos genómicos e especiação (evolução dos mecanismos de isolamento reprodutivo) que carecem de resposta e espera-se que os estudos com as espécies Silene possam dar alguns esclarecimentos.
Ao longo da sua evolução as plantas desenvolveram diferentes estratégias reprodutivas, em contraste com os animais e o género Silene é um exemplo marcante dessa situação. A maioria das suas espécies são ginodioicas (em que se combinam flores hermafroditas com flores unissexuais femininas no mesmo individuo), mas também existem espécies hermafroditas (todas as flores são bissexuais, apresentando órgãos reprodutivos femininos e masculinos) e dioicas (as flores femininas e as flores masculinas aparecem em indivíduos separados).
No género Silene as espécies ginodioicas são as prováveis ancestrais a partir das quais umas quantas evoluíram para o hermafroditismo e outras para a dioicia. Por sua vez as espécies dioicas evoluíram em sentidos diferentes, tendo algumas delas desenvolvido cromossomas sexuais especializados, análogos aos do sistema reprodutivo dos seres humanos e outros mamíferos.
De notar que na natureza existem alguns milhares de espécies dioicas mas apenas algumas desenvolveram cromossomas sexuais. Apesar de tudo as espécies dioicas do género Silene são o alvo preferencial dos cientistas para fazer estudos comparativos, entre plantas e mamíferos, no que diz respeito à evolução dos cromossomas sexuais. Estas plantas, muitas vezes anuais, têm a vantagem de se desenvolverem rapidamente apresentando ciclos de vida curtos em comparação com os mamíferos.
Nas espécies ginodioicas o sexo é determinado pela presença de genes de esterilidade masculina citoplasmática (esterilidade parcial ou total numa planta que resulta numa falha na produção de anteras e pólen). Esta característica nas plantas é controlada por genes citoplasmáticos que existem na célula do gameta materno e é por isso herdada maternalmente.
A primeira documentação sobre a esterilidade masculina citoplasmática data do final do seculo XVIII, por Kölreuter, botânico alemão que foi o pioneiro no estudo das plantas hibridas. A esterilidade masculina citoplasmática está, hoje em dia, registada em mais de 150 espécies.
Esta anormalidade hereditária inicialmente considerada um fenómeno indesejável foi entretanto convertida numa vantagem de importância económica. É um dos métodos utilizados para o melhoramento genético das produções através da criação de híbridos.
A esterilidade masculina citoplasmática apresenta vantagens no cultivo de certas espécies ornamentais. As flores dessas plantas não produzem frutos razão pela qual apresentam maior longevidade (floração mais alargada no tempo e flores maiores) que as flores das plantas produtoras de sementes da mesma espécie, característica muito vantajosa em plantas de jardim.
Este tipo de esterilidade masculina também é útil na produção de sementes hibridas de arroz, soja, girassol, milho e outras, mas principalmente de espécies comestíveis cuja parte comercial são folhas, caule ou raiz.

As interacções com o fungo parasita Microbotryum também fizeram do género Silene um modelo para o estudo da evolução e dinâmica das moléstias em sistemas naturais. Também as investigações sobre as suas interacções com os insetos herbívoros poderão aumentar os conhecimentos sobre os processos ecológicos multitróficos e a evolução das plantas infestantes. As ferramentas da genética molecular (DNA) vão permitir novas abordagens a muitos destes problemas, ao mesmo tempo que novos progressos poderão ser feitos através da combinação de estudos da filogenética evolutiva e evolução genética e molecular.

Fotos - Serra do Calvo / Lourinhã



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