"O grande responsável pela situação de desequilíbrio ambiental que se vive no planeta é o Homem. É o único animal existente à face da Terra capaz de destruir o que a natureza levou milhões de anos a construir"





terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Anethum graveolens L. syn. Peucedanum graveolens (L.) C.B.Clarke.

Nomes comuns: 
Endro; aneto; funcho-bastardo; anega

Anethum graveolens é uma planta aromática muito apreciada e amplamente consumida no mundo inteiro mas principalmente na India, Egito e outros países mediterrânicos e também na Europa central e Escandinávia. Em Portugal é mais conhecida pelo nome vulgar de endro e em muitos países do mundo por dill. É uma espécie de origem asiática (Asia ocidental e India) que se assilvestrou e naturalizou em diversas regiões da Europa, presumivelmente introduzida durante a ocupação dos romanos.
Como consequência da colheita indiscriminada repetida ao longo de séculos, esta espécie está praticamente extinta como planta silvestre. No entanto é extensamente cultivada, quer em jardins e pequenas hortas, quer em grandes plantações cujo objetivo é a comercialização. Felizmente pode ainda ser encontrada, na sua forma espontânea, em alguns locais da Itália e da Península Ibérica. Em Portugal encontra-se por aqui e por ali, crescendo em campos cultivados, vinhas, milharais e beira dos caminhos.
À primeira vista a espécie Anethum graveolens pode ser confundida com o funcho, Foeniculum officinale, espécie mais conhecida entre nós, no entanto a semelhança é apenas aparente. Pertencem ambas à mesma família botânica mas o aroma e sabor são inteiramente diversos e, para além de outras características morfológicas que as diferenciam, o endro é uma espécie de ciclo anual enquanto que o funcho é perene, podendo durar 10 anos ou mais.
Anethum graveolens forma um pequeno arbusto que pode chegar a 1 metro ou mais de altura, dependendo das condições que encontra. É bastante atrativo e fica lindíssimo em qualquer jardim tendo a vantagem, para si próprio e para as outras espécies vizinhas, de atrair muitos insetos que chegam em busca de pólen e néctar. 
Alguns deles são polinizadores, abelhas, vespas, borboletas, visitantes de vai e vem. Outros, moscas-das-flores (sirfídeos) e besouros (coleópteros), nem sempre polinizam mas em contrapartida são agentes de controlo biológico natural de pragas pois são espécies predadoras (geralmente na fase larvar) de afídeos, pulgões, tripes e outras pragas que parasitam e sugam a seiva das plantas. 
Sirfídeos e coleópteros parecem encontrar na Anethum graveolens um sítio de abrigo com boas condições para o acasalamento, com recursos alimentares quer para adultos (pólen e néctar) quer para as larvas. 
Os caules finos, de seção cilíndrica, são ramificados na parte superior; são eretos mas, com o peso das umbelas, acabam por descair em direção ao solo; a superfície é de coloração verde azulada, sem pelos, e apresenta-se coberta de estrias longitudinais. 
No seu interior os caules são ocos, porém preenchidos com uma abundante medula branca.
As folhas inserem-se nas axilas dos nós, de forma alternada mostrando bainhas abertas e de forma cónica  que abraçam os caules.

O contorno do limbo das folhas é triangular ou em forma de losango mas é muitissimo recortado, subdividindo-se 3 ou 4 vezes,  resultando em múltiplos segmentos filiformes.

As minúsculas flores, de cor amarela, são muito numerosas e reúnem-se em grandes inflorescências arredondadas semelhantes a um conjunto de pequenos guarda chuvas abertos. Esta é a característica mais evidente da família botânica Apiaceae (também designada Umbelliferae) a que pertence a espécie Anethum graveolens. A estas inflorescências dá-se o nome de umbelas, origem do nome  Umbelliferae originalmente dado a esta família. As flores têm pedicelos de comprimentos diferentes o que lhes permite ficarem todas à mesma altura. Nesta espécie a inflorescência é composta por varias umbélulas, ou seja umbelas mais pequenas.

Numa umbela o extremo do pedúnculo dilata-se formando um recetáculo no qual se insere um número variável de pedicelos, chamados raios, geralmente de tamanhos aproximados. No caso particular da Anethum graveolens o tamanho dos raios é algo desigual.
As pequenas flores são hermafroditas pois possuem órgãos de reprodução de ambos os sexos. Fenecem rapidamente, começando por perder as pequenas corolas assim como os estames, pois nesta espécie a maturação das estruturas masculinas (estames) precede a maturação das estruturas femininas (estigmas e estiletes). A corola é constituída por 5 pétalas minúsculas, arredondadas, entalhadas no topo e dobradas para trás. As brácteas e as bractéolas estão ausentes nesta espécie. As sépalas estão reduzidas a 5 pequenos dentes situados no topo do ovário. Os estames são 5, de cor amarela. A parte superior do pistilo é formada por dois estilos livres com ápices divergentes os quais engrossam na base formando uma protuberância cónica onde se deposita o néctar e a qual persiste durante a frutificação.
A planta floresce e frutifica de junho a setembro.
Os frutos, produzidos em grande quantidade, são compostos por duas partes as quais se abrem durante a maturidade deixando sair as sementes. 
Os frutos são ovais, achatados e apresentam três nervuras longitudinais proeminentes e duas expansões laterais semelhantes a asas que ajudam na dispersão pelo vento
Anethum graveolens pertence à família Apiaceae ou Umbelliferae (ambos os nomes são admitidos), uma importante família botânica que engloba entre 2500 a 3700 espécies divididas entre 300 a 450 géneros, alguns deles de classificação duvidosa e seguramente sujeitos a revisão. Anethum graveolens está incluída no género Anethum, um pequeníssimo género de apenas 4 espécies mas esteve, durante algum tempo, incluída no género Peucedanum.

O sabor do endro é diferente do funcho ou de qualquer outra aromática, algo entre o amargo e o agradavelmente picante, com um travo muito ténue de anis. O aroma é muito intenso e característico. Folhas e sementes têm sabores ligeiramente diferentes mas são igualmente apreciadas.
As folhas devem ser utilizadas frescas, acabadas de colher ou congeladas pois perdem muito do seu sabor quando secas. Pela mesma razão devem ser adicionadas no final da cozedura ou ser usadas em cru. Pelo contrário as sementes inteiras devem ser incorporadas no início da cozedura pois levam algum tempo a libertar o seu sabor.
O endro é usado para dar sabor a sopas, guisados, massas, ovos, molhos, carnes grelhadas e pratos de peixe. Por exemplo, na Escandinávia o endro é ingrediente essencial no tempero do salmão.
Podem juntar-se as sementes a bolos e ao pão e são também muito usadas na aromatização de pickles aos quais dão um sabor muito característico. As próprias folhas e flores podem ser usadas como pickles. 
As sementes podem ser reduzidas a pó ou ser consumidas inteiras.
O óleo essencial que se obtém através da compressão das folhas é de qualidade inferior ao que se retira das sementes, sendo este de qualidade excelente, de odor muito característico mas agradável. O óleo essencial das folhas é utilizado na indústria dos licores enquanto que o óleo das sementes é utilizado como matéria-prima na confeção de sabonetes, detergentes, cremes, perfumes e loções. 
O endro é um repelente natural das traças pelo que se podem aproveitar as flores secas colocando-as dentro de saquinhos para perfumar e desinfetar armários e gavetas. Moscas e melgas também não gostam do seu cheiro.
Mas as qualidades do endro/Anethum graveolens não ficam por aqui, pois são muitas as propriedades terapêuticas que o levam a ser utilizado como remédio caseiro, para debelar uma quase interminável variedade de afeções. É especialmente eficaz para acalmar cólicas intestinais em bebés, estimula a digestão, cura enjoos, flatulência, azia, insónia, dispepsia, dores de dentes, infeções dos rins, infeções uterinas, problemas oculares, etc.
O endro é também ótimo para clarear a pele e fortalecer as unhas mas uma das qualidades que a tornaram mais preciosa nos tempos da Antiguidade era o de eliminar o mau hálito, uma patologia com implicações afetivas, sociais e até religiosas. Em certas culturas o mau hálito era considerado motivo valido para dissolução do casamento, daí a importância do endro e outras aromáticas em épocas tão remotas. As sementes do endro eram mastigadas ou misturadas com vinho e murta.

Os tratamentos passam pelas infusões das folhas ou das sementes e, desde que não haja exagero na sua ingestão não parece haver problemas de toxicidade. Contudo, convém não iniciar qualquer tratamento sem o conselho adequado para prevenir alguma possível contraindicação. O manuseamento persistente da planta pode causar dermatites e aumentar a sensibilidade da pele às radiações solares.

Anethum graveolens é uma espécie fácil de cultivar, quer no solo ou num vaso, de preferência num local abrigado mas não muito quente. Não suporta transplantes pelo que deve ser semeada no local definitivo. As sementes devem ser colocadas à superfície, (apenas cobertas com uma fina camada de terra) pois necessitam de claridade para germinar. A planta cresce rapidamente pois é de ciclo anual, podendo as sementes ser colhidas cerca de 3 ou 4 meses após a sementeira.

Usos e costumes:

Há milhares de anos que o endro (Anethum graveolens) é utilizado em culinária e em medicina popular. Já era usado pelos antigos egípcios há cerca de 5.000 anos, em xaropes para a tosse e alívio das dores de cabeça. Usavam-na também nos processos de mumificação e na preparação de unguentos e perfumes. 
Foi muito popular entre os gregos que queimavam o óleo extraído das sementes para perfumar o ambiente das suas casas, o que era considerado a maior das extravagâncias mesmo para os mais ricos, tendo em conta o alto preço desta planta. Os gregos também misturavam as folhas do endro no vinho para lhe incrementar o sabor e curavam as feridas dos soldados colocando as sementes sobre elas. 
Esta pratica foi seguida pelos romanos que também juntavam a planta à alimentação dos gladiadores na crença de que isso aumentaria a sua força física. 
Para o povo hebreu o valor comercial desta planta era enorme. O seu consumo foi sujeito a um imposto cobrado pelos romanos, durante a ocupação da Palestina e o dízimo, imposto religioso, era pago com uma porção de endro, entre outras especiarias. Atestando a sua importância existem referências a esta planta no Talmude e também na Bíblia, mais concretamente no Evangelho segundo São Mateus 23, 23:
"Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês dão o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, mas têm negligenciado os preceitos mais importantes da lei: a justiça, a misericórdia e a fidelidade. Vocês devem praticar estas coisas, sem omitir aquelas.”
Reza ainda a Historia que Carlos Magno servia as sementes nos banquetes aos seus convidados como meio de sanar os soluços resultantes dos excessos no consumo de vinho e comida. 
Na Idade Média a planta foi muito usada, sendo uma das plantas favoritas tanto para fazer feitiços de cariz amoroso como na proteção contra a bruxaria. 
Durante o século XVII era usada com o objetivo de conservar uma boa saúde física e mental e também tinha fama de afrodisíaca. 
Durante os séculos XVII e XVIII, em Inglaterra, as sementes eram consumidas durante os longos serviços religiosos proporcionando algum conforto a adultos e crianças. 
No século seguinte as sementes chegaram a ser usadas como coadjuvantes nas dietas de emagrecimento. 
Hoje em dia o endro é um dos ingredientes característicos da cozinha tradicional de muitos países europeus especificamente em toda a Escandinávia, Rússia, Holanda, Polónia, Bulgária, Alemanha, Grécia e Turquia. Na India e Paquistão as sementes são especialmente valorizadas como digestivas e geralmente servidas no final das refeições, embora a espécie mais cultivada seja a Anethum sowa, cujas sementes são maiores.
Em Portugal o endro é pouco conhecido, não sendo muito utilizado na nossa cozinha tradicional, talvez porque são tantas as aromáticas que temos à disposição. A única exceção que conheço é a Sopa do Espírito Santo, prato típico da ilha de Santa Maria, nos Açores.

Fotos: Serra do Calvo/Lourinhã



7 comentários:

  1. Obrigado pelo post Fernanda. Adoro as Umbeliferas (familia Apiaceae) acho que têm um valor ornamental enorme. Tal como disse, à primeira vista pensei que se tratasse do funcho, mas também sei que as plantas desta família aparentemente são todas semelhantes. É necessário ir mais ao detalhe para as distinguir. Não fazia ideia que o Endro era uma planta já tão rara, a ver se consigo as sementes pois gostava de experimentar no meu jardim. Cumprimentos.

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    1. Olá James,
      O endro fica bem em todos os estilos de jardim por isso estou certa que se iria enquadrar bem na companhia das suas belissimas flores.
      Um abraço

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  2. Descobri agora este blog e sinto-me muito grata por publicar informação tão boa e tão completa! como amante de plantas que sou, vai ser um auxílio precioso! gratidão! por aqui (entre a serra da Estrela e Açor, ainda há bastante endro! costumo usar para aromatizar alguns doces de fim de verão!

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    1. Filhos da Terra,
      É bom saber de outros locais com populações de endro. A verdade é que há muito pouca, mesmo muito pouca informação sobre esta espécie em Portugal. Obrigado e volte sempre.

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  3. Parabéns, Fernanda. Isto não é um "post". É um tratado.

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    1. Francisco,
      Obrigada pelo comentário. O "post" ficou realmente longo mas o mesmo parece acontecer com cada planta que me proponho analisar. Há sempre tantas vertentes interessantes a explorar, uns detalhes levam a outros e assim me divirto, aprendendo e partilhando.
      Cumprimentos

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  4. Cara Fernanda,
    Desde já os nossos parabéns pelo seu trabalho de pesquisa e contributo para o enriquecimento de todos os interessados sobre as espécies autocnes.
    Somos a Lourambi (www.lourambi-spa.blogspot.com), associação ambiental da Lourinhã, e gostaríamos de falar com a Fernanda sobre uma atividade de sensibilização que se irá realizar na praia do Areal antes do Verão. Caso tenha oportunidade, envie-nos os seus contactos para lourambi@gmail.com
    Muito obrigado

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