Nomes comuns:
Aderno-bastardo; aderno-bravo;
espinheiro-cerval; sanguinho-das-sebes
espinheiro-cerval; sanguinho-das-sebes
Rhamnus alaternus é um arbusto perenifólio
autóctone da região mediterrânica. Distribui-se pelo sul da Europa desde
Portugal à Turquia e de Marrocos a Israel. Pode encontrar-se também na Austrália
e Nova Zelândia onde foi introduzido como espécie ornamental tendo-se
naturalizado e adquirido comportamento invasor, competindo com as espécies
nativas por espaço e nutrientes. Mais recentemente foi introduzida nos Estados
Unidos onde escapou dos jardins para a natureza. Para já, não é considerada
uma planta naturalizada nesse país mas tem-se dado tão bem que já chamou a
atenção dos defensores do meio ambiente e o seu cultivo tem sido alvo de
objeções pelos impactos negativos que poderá vir a ter nos ecossistemas locais.
Na sua condição de planta exótica, uma espécie está livre dos tradicionais
inimigos naturais que, na terra de origem, com ela evoluíram e a mantêm dentro
dos limites.
Distribuição em Portugal Fonte: Jardim Botânico da UTAD |
No sul da Europa e norte de África,
de onde é nativa, Rhamnus alaternus
não é uma espécie problemática, antes pelo contrário. Ocorre de forma dispersa em bosques e
matagais, solos pedregosos e até terrenos arenosos da beira-mar, geralmente associada a outras
espécies tipicamente mediterrânicas, nomeadamente Phillyrea angustifolia, Pistacia lentiscus, Quercus coccifera, Smilax aspera, Asparagus aphyllus, Cistus crispus, Cistus salvifolius, entre outras espécies já descritas
neste blog.
Rhamnus alaternus pertence à família Rhamnaceae que se divide em cerca de 50 géneros; entre eles o
género Rhamnus inclui cerca de 100 espécies
de arbustos e pequenas árvores nativas das regiões temperadas e subtropicais do
hemisfério norte.
Segundo o portal Flora-on, são 3 as espécies deste género
presentes em Portugal.
Apesar de ser um arbusto de grande envergadura o seu tamanho pode ser restringido e a sua forma educada através da poda pois adapta-se muito bem à topiaria. Também é adequada para formar sebes e corta-ventos.
Embora insignificantes, as suas flores são abundantes
e segregam o nutritivo néctar que atrai borboletas e abelhas. Posteriormente
as flores transformam-se em frutos semelhantes a bagas, primeiro verdes, depois
vermelhas e em seguida negras.
Na sua plenitude Rhamnus alaternus pode alcançar 8 metros de altura ou até mais. Os numerosos ramos glabros e de
aspeto robusto que despontam das raízes ramificam-se de forma alternada e
apresentam-se bastante emaranhados; em conjunto com a folhagem, formam uma copa
compacta e arredondada.
Os ramos mais jovens possuem uma casca lisa, de coloração
castanha ou avermelhada. Com o avançar dos anos, e à medida que os ramos
engrossam, a casca torna-se acinzentada e mais espessa.
As folhas persistem neste arbusto o ano inteiro e são alternas ou quase opostas; são inteiras, pecioladas, terminando numa ponta aguda e rígida; de nervuras bem visíveis, a sua consistência é coriácea, a forma é oval e as margens estão serradas de forma algo irregular, apresentando dentes pequenos e escassos.
Rhamnus alaternus é uma planta dioica, ou seja, ao contrário da maioria das plantas de flor, em que o mesmo individuo apresenta flores com órgãos
reprodutores dos dois sexos, nesta espécie as flores masculinas (com
estames) e as femininas (com estigma, estilete, e ovário) ocorrem
em plantas separadas. Assim, para que se forme semente é necessário haver
plantas com flores masculinas na proximidade de plantas com flores
femininas.
As flores, em forma de taça, são abundantes mas minúsculas, de cor esverdeada ou amarelada e agrupam-se em cachos densos, com pedicelos curtos.
As flores masculinas juntam-se em espigas alongadas, pendentes, não têm pétalas e apresentam 4 ou 5 estames.
As femininas dispõem-se em cachos eretos e podem ter pétalas muito curtas mas geralmente são inexistentes.
As femininas dispõem-se em cachos eretos e podem ter pétalas muito curtas mas geralmente são inexistentes.
Flores masculinas Fonte: Commons Wikimedia |
Flores femininas (pormenor da foto de JDAlmeida) Fonte Flora-on |
As flores são polinizadas por insetos ou por ação do vento. Não dispondo de
pétalas ou sépalas vistosas e chamativas, a principal atração para os insetos
polinizadores reside na oferta de néctar, depositada num disco nectarífero.
Segundo a Flora Iberica o Rhamnus alaternus tem tendência para apresentar alguns dimorfismos sexuais e as plantas masculinas têm frequentemente uma floração mais abundante, embora apresentem menor envergadura e folhas mais pequenas.
Estudos feitos em Itália (os quais poderão eventualmente servir de referência
a outras regiões do Mediterrâneo) concluíram que as colónias de Rhamnus alaternus são formadas por maior
número de plantas masculinas do que femininas; as flores masculinas são mais
abundantes e parecem florescer regularmente todos os anos enquanto as plantas
femininas produzem fruto de dois em dois anos (Aronne e Wilcock
1995).
Esta espécie floresce no final do inverno ou início da primavera e os frutos
ficam maduros a partir do início do verão, ou seja, mais cedo do que outras
produtoras de bagas (cujos frutos só amadurecem em meados do verão ou no outono). Esta frutificação precoce representa uma vantagem evolutiva tendo em conta que coincide com a época da reprodução de
potenciais frugívoros e pássaros dispersores de sementes.
Os frutos são carnudos
e arredondados, inicialmente vermelhos e depois negros, quando completamente maduros.
No interior da polpa encontram-se de 2 a 4 pequenas sementes estando cada
uma delas encerrada num invólucro duro, semelhante a um caroço, o endocarpo, o
qual se abre espontaneamente depois de seco, expelindo as sementes e
lançando-as a uma pequena distância.
Curiosamente, nesta espécie, o
endocarpo só libera as sementes depois de estar limpo de polpa. A polpa tem de ser
removida pelos dispersores de sementes, quer pelos pássaros ou por pequenos
mamíferos, através dos seus processos digestivos ou pelos insetos, depois dos
frutos terem caído para o solo.
Raízes, casca, folhas
e frutos de Rhamnus alaternus são
ricos em emodina (um composto secundário derivado das antraquinonas). São utilizados
na indústria, nomeadamente na fabricação de corantes, medicamentos e cosméticos.
A emodina possui uma poderosa ação laxante, principal razão pela qual esta espécie
tem sido utilizada, desde a Antiguidade, com fins terapêuticos.
Os metabólitos secundários e a emodina:
Todos sabemos que as
plantas sintetizam um enorme número de químicos, de natureza muito
diversificada. Estes químicos podem ser divididos em metabólitos primários e secundários.
Os metabólitos primários incluem os químicos essenciais para o crescimento e desenvolvimento de
todas as plantas, como a fotossíntese ou o metabolismo respiratório.
Os metabólitos
secundários são estrutural e
quimicamente muito mais diversificados que os metabólitos primários e
referem-se a compostos presentes em células especializadas que, não sendo
diretamente essenciais, são, ainda assim, necessários para a sobrevivência das
plantas.
Os metabólitos
secundários são capazes de responder eficazmente às situações de stress, aparentemente atuando como defesa (contra herbívoros, micróbios, viroses ou plantas
concorrentes) como sinalização (para atrair
polinizadores e animais dispersores das sementes) e também como antioxidantes e protetores da radiação solar.
A emodina é um importante metabólito
secundário do grupo das antraquinonas. Sabe-se que desempenha um papel
relevante na adaptabilidade e sobrevivência de certas plantas, tendo sido
registado em 17 famílias botânicas, distribuídas por climas tropicais,
subtropicais e temperados. É mais comum entre algumas espécies de Fabaceae (Cassia spp), Polygonaceae
(Rheum, Rumex e Polygonum spp) e Rhamnaceae (Rhamnus e Ventilago spp)
mas recentemente foi também assinalada em algumas espécies de Asteraceae e Poaceae. A emodina tem muitas propriedades, podendo atuar como
inseticida natural, protegendo raízes, caules, folhas e frutos contra a ação de
organismos transmissores de doenças. Pode ainda limitar a herbivoria feita por
insetos fitófagos e o consumo dos frutos enquanto estão verdes, protegendo as
sementes e evitando a sua dispersão antes de estarem maduras ou a sua precoce
destruição pelos predadores.
A emodina pode
distribuir-se por todos os órgãos das plantas ou apenas por alguns. Também
apresenta níveis de concentração desiguais conforme os órgãos da planta ou a
estação do ano e até mesmo conforme a hora do dia, o que reflete a diversidade
de trajetórias evolutivas e as diferentes funções adaptativas que pode ter.
Nota:
Algo semelhante acontece com as centenas de milhar de
metabólitos secundários já conhecidos, muitos deles responsáveis pelas
propriedades terapêuticas registadas em tantas plantas consideradas medicinais.
Daí que a recolha dessas plantas seja, tradicionalmente, condicionada aos fatores ambientais, por forma a potenciar os seus efeitos (época do ano, hora do dia, recolha diurna ou noturna, etc.)
No que diz respeito a Rhamnus alaternus a emodina está
presente em todas as partes da planta, mas os níveis de concentração variam
conforme os órgãos e os seus requisitos, sendo também influenciados por fatores
ambientais.
Do ponto de vista ecológico
seria de esperar que a concentração de emodina nos frutos maduros fosse
consideravelmente mais baixa, tendo em conta que a polpa recompensa os
dispersores de sementes e que as sementes deveriam ser menos atrativas, para conseguir
repelir os predadores. De facto, assim é. Os níveis de emodina são 8 vezes mais
elevados nas folhas do que nos frutos verdes (polpa e sementes) e nos frutos
maduros os níveis encontrados na polpa são 14 vezes mais baixos do que nas
sementes.
A concentração de
emodina na polpa dos frutos verdes torna-os moderadamente tóxicos (dependendo
das doses ingeridas) devido às suas propriedades laxantes. A sua concentração
aumenta nos primeiros estágios da maturação atingindo um pico antes dos frutos
estarem maduros, caindo para um mínimo quando os frutos amadurecem. A estratégia da planta é
impedir que os frutos e sementes sejam ingeridos antes de tempo, uma vez que o seu objetivo principal se prende com a reprodução e a propagação da espécie. De facto muitas
espécies de aves parecem sensíveis à variação na concentração da emodina preferindo
consumir os frutos maduros, tanto mais que a frutificação desta espécie ocorre
numa época do ano em que não faltam alimentos. Outras espécies, no entanto,
parecem dar mais importância aos hidratos de carbono, lípidos e proteínas que
podem retirar da polpa dos frutos, em detrimento das consequências. Não que uns
pássaros sejam mais inteligentes que os outros. O que parece é que no
Mediterrâneo as aves nativas coevoluiram com o Rhamnus alaternus e há muito que aprenderam com o que podem contar;
outras aves, possivelmente migratórias ou naturalizadas, ainda não conseguem
fazer a discriminação adequada. Em países onde o Rhamnus alaternus foi introduzido (e é, portanto, exótica), o mesmo
acontece com as aves nativas, que ainda não adquiriram o conhecimento desta
planta.
Contudo, mesmo quando
os frutos amadurecem, o seu sabor não encoraja a grandes banquetes. Na
realidade esta é uma estratégia evolutiva pois a planta prefere que venham
muitos “clientes” mas que cada um coma pouco de cada vez, não vendo com bons
olhos os que ficam por ali a repetir o almoço. Senão vejamos:
As propriedades
laxantes da emodina presente nos frutos de Rhamnus
alaternus, provocam alterações na digestão das pequenas aves mesmo quando estes
estão maduros, provocando diarreias. Se as aves ingerem uma maior quantidade de
frutos de uma vez (por consequência, ingerindo maior quantidade de emodina) a
digestão processa-se rapidamente e sendo lógico pensar que elas vão ficando por
ali perto, as defecações, que fatalmente surgirão a intervalos curtos, são
feitas perto da planta. Quando as aves ingerem apenas alguns frutos e depois
voam para outros lugares na procura de alimento mais saboroso, a digestão é
retardada pela ingestão de outros componentes. Desta forma não só os compostos
digestivos da ave dispõem de mais tempo para processar a polpa e dela retirarem
mais nutrientes, como as defecações serão feitas em locais mais afastados e mais
apropriados à germinação das sementes. Recordo que, nesta espécie, o endocarpo só liberta as sementes quando está
limpo de polpa uma vez que a emodina nela contida inibe a sua germinação.
A emodina também tem
propriedades alelopáticas, isto é, a sua composição química impede que outras
plantas cresçam em seu redor, inibindo a concorrência por espaço e nutrientes.
Os legítimos dispersores de sementes:
Os frutos de Rhamnus alaternus são uma fonte de
alimento para as aves e pequenos mamíferos (morcegos e roedores) mas, do ponto
de vista reprodutivo da planta, nem todos são “amigos”. As aves granívoras, que
se alimentam essencialmente de sementes, e os roedores, são predadores de
sementes pois danificam-nas, mastigando-as juntamente com a polpa. Pelo
contrário, as aves frugívoras
e os morcegos, entre outros vertebrados, são os que contribuem para a
proliferação da planta. É que eles procuram essencialmente a polpa, sem causar
prejuízo às sementes. Contudo entre as aves frugívoras há dois comportamentos
que é preciso distinguir. Existem os “consumidoras de polpa” que se limitam a debicar os
frutos, deixando-os nos ramos ou fazendo-os cair acidentalmente no solo ao pé
da planta-mãe. Em contrapartida os “legítimos dispersores
de sementes” engolem os frutos inteiros no local ou carregam-nos no bico, levando-os
para longe. Neste caso, depois de digeridas, as sementes são regurgitadas ou
defecadas, intactas e despidas da polpa. Estes são os “legítimos dispersores das sementes”. No
entanto até eles podem causar dano, o que
acontece se ingerirem os frutos verdes, antes de as sementes serem viáveis.
Assim, do ponto de vista evolutivo e tendo em conta o sucesso reprodutivo e a
consequente proliferação da espécie, os frutos deparam-se com alguns problemas.
Se por um lado têm de ser simultaneamente atrativos para os agentes frugívoros
dispersores e não-atrativos para os predadores de sementes, por outro lado eles
têm de encontrar formas de não serem ingeridos ou destruídos antes do
amadurecimento completo.
Em resumo, a contribuição
dos frugívoros para o crescimento e desenvolvimento das plantas tem a ver com a
forma como é feita a dispersão das sementes, estando em causa não só a
quantidade mas também a qualidade com que esta é feita.
A quantidade da
dispersão é fundamentalmente determinada pelo número de visitas feitas à planta
e o número de sementes consumidas em cada visita.
A qualidade na dispersão
é baseada no desgaste da polpa feito pelos sucos digestivos e nas condições em
que as sementes são posteriormente depositadas.
A interação de Rhamnus alaternus com os pássaros
dispersores tem sido alvo de estudos no terreno que comprovam consequências
tanto positivas como negativas para a planta.
No que diz respeito à
quantidade, o aspeto positivo é que a dispersão de sementes de Rhamnus alaternus, numa altura em que
não há outras bagas maduras, evita uma competição interespecífica, sendo a
dispersão provavelmente maior do que se outras espécies também tivessem bagas
maduras. Qualitativamente, a baixa densidade da chuva de sementes (sementes
germinadas no locais da deposição dos dejetos) tem a vantagem de reduzir a
quantidade de plântulas nascidas, diminuindo a competição entre as futuras
plantas.
O aspeto negativo tem
a ver com a pequena quantidade de dispersores de sementes, em conjunto com a
natural abundância de outros recursos - estas aves também apreciam os
artrópodes (insetos, aranhas, centopeias) – o que indicia um número limitado de
visitas para remoção dos frutos, resultando em muitas sementes que ficam por
dispersar. Por outro lado, o comportamento territorial das aves em época de
nidificação reduz as distâncias entre a planta e o local da defecação. Apesar
disso a ação dos dispersores de sementes provou ser razoavelmente eficaz na
remoção da polpa através dos sucos digestivos, promovendo a capacidade de
germinação.
Estes estudos
constataram a presença de algumas aves bem nossas conhecidas e ficamos a saber
que elas são “legítimas dispersoras de sementes” (pelo menos no que diz
respeito a Rahmnus alaternus):
Sylvia undata (Felosa-do-mato ou Toutinegra-do-mato) – Veja AQUI
Erithacus rubecula (Pisco-de-peito-ruivo) – Veja AQUI
Fernanda,
ResponderEliminaro Douro Superior com o seu clima mediterrânico contém muitas das espécies só visíveis a Sul. Certamente já reparou nisso nas suas observações dos mapas de distribuição do portal Flora Digital. Curiosamente o sanguinho-das-sebes é aqui inexistente, excetuando a sua presença no meu jardim.
Cumprimentos.
Fernanda,
ResponderEliminaro Douro Superior com o seu clima mediterrânico contém muitas das espécies só visíveis a Sul. Certamente já reparou nisso nas suas observações dos mapas de distribuição do portal Flora Digital. Curiosamente o sanguinho-das-sebes é aqui inexistente, excetuando a sua presença no meu jardim.
Cumprimentos.
Olá Rafael,
EliminarRealmente é curioso, talvez seja uma especie extinta na regiao. Interesso-me muito pela floresta mediterranica mas ha pouca informaçao referente as alteracoes profundas que sofreu nos ultimos seculos.
Cumprimentos
Boa Tarde,
ResponderEliminarGostaria de saber quando é possível podar o sanguinho. E, se tem de ser uma poda leve.
Muito obrigada.
Clara Roque