Nomes comuns:
Erva-bastarda; erva-pessegueira;
mal-casada
Polygonum lapathifolium |
Polygonum lapathifolium pertence à família Polygonaceae e posso
dizer que esta é uma das mais complexas em termos de taxonomia. Mas, afinal,
não é o que ultimamente se tem dito da maioria das famílias e géneros botânicos?
As plantas apresentam características tão variadas e complexas
que se torna cada vez mais difícil decidir a melhor forma de as agrupar. A classificação dos seres
vivos, conhecida como taxonomia, teve as suas origens na Antiga Grécia. Foi
reformulada e vestida de novo há quase 300 anos, quando Linnaeus desenvolveu o
sistema de nomenclatura binominal. Este sistema ainda hoje é utilizado, apesar
das profundas transformações que, entretanto, sofreu. Os microscópios
eletrónicos permitem que os cientistas observem os organismos com detalhe muito
maior e o sequenciação de todos os genomas permite que se façam distinções mais
exatas entre organismos intimamente relacionados.
A classificação antiga
baseou-se essencialmente em critérios morfológicos mas o desenvolvimento das
técnicas de ADN revelam grande quantidade de informações sobre a semelhança e
relação entre os organismos que, em muitos casos, podem ir contra a classificação
morfológica tradicional. Infelizmente, a tecnologia de ADN ainda é muito cara e
demorada.
Os desenvolvimentos tecnológicos e científicos nos últimos 50
anos também mudaram o foco de biólogos. Linnaeus acreditava que as espécies
faziam parte do plano de criação divina (ainda não existia a teoria da evolução
e da seleção natural desenvolvida por Charles Darwin) mas os cientistas de hoje
querem entender a natureza da vida e o processo da evolução e baseiam-se no
princípio da ascendência comum.
Sabemos hoje que Linnaeus subestimou o número de plantas da
Terra. Posteriormente mais e mais espécies foram sendo descritas em jornais e
publicações. Na ignorância do trabalho uns dos outros, por vezes, as mesmas
espécies acabaram sendo descritas e registadas com nomes diferentes por dois ou
mais autores, gerando uma confusão que chegou aos dias de hoje. Essa é apenas
uma das razões que contribui para a listas de sinónimos bastante extensas de
algumas espécies.
A verdade é que nem todos os problemas vêm do passado. Apesar
dos novos e sofisticados meios que podem ser postos ao dispor dos cientistas
faltam, muitas vezes, os fundos que sustentem e possibilitem as investigações.
Outro problema é a falta de consenso que resulta da escolha dos caracteres para análise que, sendo múltiplos, nem sempre são coincidentes, cada cientista tendo
a sua própria opinião sobre quais são os fundamentais, pelo que
as conclusões também resultam diferentes. Todos concordam que é preciso
aperfeiçoar os sistemas de classificação mas, perante a grandeza da tarefa, o consenso
não será fácil de conseguir, a breve prazo.
Polygonum lapathifolium |
A família Polygonaceae inclui de 43 a 55 géneros, abrangendo de
1100 a 1200 espécies que ocorrem numa grande variedade de habitats situados
maioritariamente em zonas temperadas do hemisfério norte com algumas espécies
em regiões tropicais e subtropicais.
Os membros de Polygonaceae são morfologicamente muito variados. Desde que a família foi reconhecida por Jussieu em 1789 a taxonomia de Polygonaceae tem sido continuamente revista. Em causa estão, sobretudo, a circunscrição de subfamílias, tribos e géneros. Muito resumidamente, numa das mais recentes revisões, esta família foi dividida em duas subfamílias, Eriogonoideae e Polygonoideae.
Os membros de Polygonaceae são morfologicamente muito variados. Desde que a família foi reconhecida por Jussieu em 1789 a taxonomia de Polygonaceae tem sido continuamente revista. Em causa estão, sobretudo, a circunscrição de subfamílias, tribos e géneros. Muito resumidamente, numa das mais recentes revisões, esta família foi dividida em duas subfamílias, Eriogonoideae e Polygonoideae.
Polygonum, grupo a que pertence a espécie em questão no "post" de hoje, Polygonum lapathifolium, é o género mais alargado da subfamília Polygonoideae.
Linnaeus estabeleceu o género Polygonum em 1754 como uma unidade heterogénea e alargada, nela incluindo diversas espécies não relacionadas e que não sabia onde mais poderia colocar. Desde logo, Polygonum passou a ser considerado um dos grupos mais problemáticos e a
representar um grande desafio para os taxonomistas.
Não cabe aqui a resenha das diferentes interpretações e consequentes alterações que Polygonum sofreu ao longo da sua história, em que foi subdivido em números
variáveis de seções e subseções, desmembrado em diferentes géneros e tratado
como tribo Polygoneae.
Em "sentido amplo", Polygonum compõe-se presentemente
de grupos mais pequenos de "sentido restrito", situação confirmada por estudos moleculares
recentes.
Dentro do sentido amplo de Polygonum incluem-se vários géneros sendo que um deles é o género Polygonum (em sentido restrito) e também o género Persicaria, entre outros. Menciono aqui o género Persicaria (descrito por Miller em 1754) porque a espécie Polygonum lapathifolium é incluída nesse género por alguns botânicos/sistemas e classificada como Persicaria lapathifolia.
O género Persicaria é mais um pomo de discórdia, sendo considerado por alguns como parte de Polygonum (no sentido amplo) ou sinónimo de Polygonum (no sentido restrito) e por outros, como género de direito próprio, fazendo parte da tribo Persicarieae. Todo o historial é, na realidade, muito complicado.
Dentro do sentido amplo de Polygonum incluem-se vários géneros sendo que um deles é o género Polygonum (em sentido restrito) e também o género Persicaria, entre outros. Menciono aqui o género Persicaria (descrito por Miller em 1754) porque a espécie Polygonum lapathifolium é incluída nesse género por alguns botânicos/sistemas e classificada como Persicaria lapathifolia.
O género Persicaria é mais um pomo de discórdia, sendo considerado por alguns como parte de Polygonum (no sentido amplo) ou sinónimo de Polygonum (no sentido restrito) e por outros, como género de direito próprio, fazendo parte da tribo Persicarieae. Todo o historial é, na realidade, muito complicado.
Enfim, depois de dissecado todo o material disponível sobre o assunto, a única conclusão a que se pode chegar é que não há conclusão nenhuma. Ou seja, a exacta circunscrição e
classificação infragenérica de Persicaria Mill. e Polygonum L. ainda são tema
de debate.
Segundo o
portal Flora-on (Sociedade Portuguesa de Botânica) ocorrem em Portugal 13 espécies do género Polygonum, na sua maioria autóctones.
Polygonum lapathifolium, espécie autóctone de Portugal continental e Madeira, naturalizada nos Açores. |
Polygonum lapathifolium é uma espécie autóctone de Portugal
continental e arquipélago da Madeira. Também ocorre no arquipélago dos Açores,
embora como espécie introduzida e naturalizada.
De forma geral Polygonum lapathifolium distribui-se pelas
regiões temperadas do hemisfério norte (Europa, oeste asiático) e África do
Sul.
Polygonum lapathifolium Esta espécie infestante prefere os locais húmidos ou inundados, nitrogenados e em pleno sol. |
Esta é uma infestante anual, especialmente problemática em
culturas de regadio na primavera e verão. Vive em habitats perturbados por
atividades humanas, preferencialmente húmidos, não só em solos cultivados mas
também ao longo de margens de cursos de água e em valas de escoamento. É
particularmente abundante em solos ricos em nutrientes e de consistência
friável. Consegue conviver com situações pontuais de redução de humidade e
nutrientes mas é exigente no que diz respeito à exposição solar, sendo intolerante à
sombra.
Polygonum lapathifolium Os caules, finos e de cor avermelhada, são formados por nós e entrenós. |
O sistema radicular de Polygonum lapathifolium é superficial e
fibroso.
Os caules são herbáceos e crescem de forma ereta ou ascendente, podendo chegar aos 80 cm de altura. São hastes finas, lisas e lustrosas, mais ou menos ramificadas, de cor verde ou avermelhada e formadas por nós e entrenós.
Vem a propósito referir que o termo Polygonum deriva do grego: “poly” = muitos e “gonu” = joelhos, referindo-se aos múltiplos nós inchados presentes na constituição dos caules.
Os caules são herbáceos e crescem de forma ereta ou ascendente, podendo chegar aos 80 cm de altura. São hastes finas, lisas e lustrosas, mais ou menos ramificadas, de cor verde ou avermelhada e formadas por nós e entrenós.
Vem a propósito referir que o termo Polygonum deriva do grego: “poly” = muitos e “gonu” = joelhos, referindo-se aos múltiplos nós inchados presentes na constituição dos caules.
Polygonum lapathifolium Algumas folhas apresentam uma mancha escura em forma de V. |
As folhas dispõem-se de forma alternada, ligando-se ao caule por
um pecíolo curto; são inteiras e lanceoladas ou elípticas, mais largas perto da
base e estreitando progressivamente para o ápice, com alguns pelos curtos e
rígidos protegendo as margens do limbo. Algumas, mas não todas, apresentam uma
mancha escura na pagina superior do limbo em forma de V .
Polygonum lapathifolium Página superior da folha em que se notam as glândulas mencionadas no texto e ainda os bordos protegidos por pelos curtos e rígidos. |
As folhas podem ser glabras ou
ligeiramente pubescentes, com indumento de pelos curtos e densos na página
superior e pelos curtos, espessos e emaranhados na página inferior ou apenas ao
longo das nervuras. A superfície das folhas apresenta inconspícuas glândulas
resinosas, translucidas ou amareladas, em ambas as páginas ou apenas na
inferior.
Polygonum lapathifolium As ócreas são formadas por duas estípulas unidas e que envolvem os nós do caule. |
Tal como é característico da família Polygonaceae, esta espécie
possui duas estipulas que são membranosas e estão unidas e enroladas em
torno dos caules no ponto onde as folhas se inserem no caule, fundindo-se com
ele e formando uma estrutura cilíndrica denominado ócrea. As ócreas de Polygonum lapathifolium apresentam nervuras tipicamente proeminentes e avermelhadas, com a borda truncada ou com
cílios curtos, tornando-se mais escuras e escamando com a idade.
Polygonum lapathifolium - Ócrea |
NOTA sobre as estípulas:
Apenas cerca de um terço das
angiospermas (grupo das plantas que dão fruto a partir da fecundação do ovário de uma
flor, o maior e mais moderno grupo de plantas, englobando cerca de 230 mil
espécies) possuem estipulas. Estas aparecem aos pares e variam de espécie para
espécie, em tamanho e morfologia; podem ser estruturas laminares, glândulas,
pelos, espinhos ou escamas; algumas são caducas e outras são perenes; por vezes
são insignificantes, outras vezes são de tal forma desenvolvidas que se
confundem com verdadeiras folhas, ajudando no processo da fotossíntese; podem
transformar-se em gavinhas, para ajudar no crescimento vertical da planta ou em
espinhos, como forma de reduzir a predação por vertebrados herbívoros; em
muitas espécies as estipulas são pequenas e residuais, sem nenhuma função
óbvia; noutras espécies evoluíram para nectários extraflorais atraindo formigas
(com as quais estabelecem interações mutualistas, de que beneficiam tanto as
plantas como as formigas).
A função primitiva das estipulas
permanece algo obscura e a maioria das angiospermas que não as tem, não parece
sentir-lhes a falta. Contudo, a ausência destas estruturas é tão importante
como a sua presença, pois é um fator fundamental na identificação das espécies.
Polygonum lapathifolium - inflorescência |
As flores de Polygonum lapathifolium agrupam-se em
inflorescências cilíndricas, do tipo espiciforme, em que as flores sésseis se
inserem de forma densa sobre um eixo alongado geralmente coberto de pequenas glândulas, assemelhando-se a uma espiga com cerca de 5 a 7 cm de comprimento.
Estas inflorescências são longas, esguias e flexíveis, curvando-se para baixo
de forma bastante atraente. Esta característica é única e marca a diferença em
relação a outras espécies do mesmo género que apresentam inflorescências mais
ou menos eretas.
Polygonum lapathifolium - flores agrupadas na inflorescência |
As flores nunca abrem por completo. Cada pequena flor, com apenas cerca de 3 mm de comprimento apresenta
4 tépalas unidas na base. As tépalas são segmentos indistintos que constituem o
perianto, fazendo as vezes de sépalas e pétalas e em cujo interior se situam os
órgãos reprodutores masculinos e femininos. As tépalas apresentam uma gradação
de cores que vai desde o branco até ao rosa-claro passando pelo esverdeado e
apresentam glândulas amareladas na sua superfície.
Polygonum lapathifolium As setas indicam o contorno das nervuras das tépalas em forma de ancora, característico desta espécie. Os pequenos pontos amarelos são as glândulas. |
De forma característica, as
tépalas apresentam uma nervação distintamente bifurcada, as nervuras curvando-se para baixo
perto do ápice, com contorno semelhante a uma âncora. Este é um detalhe
morfológico distintivo e único nesta espécie.
O ovário tem 2 estiletes ligados
pela base. Os estames são 6.
A floração ocorre desde o fim da primavera até ao fim do verão e
dura cerca de mês e meio a dois meses.
As tépalas mantêm-se na planta durante a maturação dos frutos. Estes são aquénios que uma vez maduros apresentam cor muito escura e são brilhantes, de forma ovóide, por vezes grosseiramente triangulares e com os lados ligeiramente côncavos.
Polygonum lapathifolium Frutos imaturos |
Polygonum lapathifolium As setas indicam os frutos maduros |
Esta planta ressemeia-se naturalmente em locais que lhe sejam
favoráveis, sendo esta a única forma de dispersão da espécie. Em média cada
planta produz cerca de 800 a 850 sementes, as quais germinam principalmente
durante a primavera. Para que a germinação se processe as sementes necessitam
de passar pelos frios do inverno, quebrando a dormência.
Em face da sua ampla distribuição, hábito infestante e a sua
relativa intolerância à sombra, Polygonum lapathifolium é potencialmente
prejudicial em qualquer tipo de cultura de sementeira onde geralmente ocorre, brotando ao mesmo tempo que a sementeira se desenvolve.
A juntar aos seus efeitos competitivos, Polygonum lapathifolium
serve de hospedeira a um significativo número de pragas prejudiciais à agricultura,
nomeadamente o vírus do mosaico do pepino (CMV), Fusarium oxysporum que ataca
as culturas do feijão, tomate ou espinafre, nematóides da haste da cebola,
entre outros.
Em contrapartida, esta espécie é tremendamente importante para a vida selvagem. O néctar segregado pelas flores atrai moscas, vespas, abelhas e até
pequenas borboletas. Uma enorme variedade de besouros e larvas de borboletas
alimentam-se das folhas e outras partes da planta. Nas zonas húmidas as
sementes são também uma fonte importante de alimento para varias espécies de
patos e outras aves mais pequenas. Contudo, esta espécie não é do agrado dos
herbívoros mamíferos devido ao seu sabor amargo e apimentado.
Polygonum lapathifolium pode ser confundida com Polygonum persicaria que é também autóctone no nosso país e que, muitas vezes,
ocorre nos mesmo habitats.
Diferença nas ócreas das duas espécies que podem ser confundidas. Foto da ócrea de Poligonum persicaria de Miguel Porto/Flora-on |
A diferença mais óbvia entre as duas espécies reside na ócrea
que em Polygonum persicaria é claramente ciliada ao contrário do que acontece
com Polygonum lapathifolium.
Em tempos idos, Polygonum lapathifolium foi usada em medicina
tradicional. À semelhança do que acontece com outras espécies da mesma família esta planta contém compostos orgânicos com ação terapêutica no
tratamento de algumas patologias. As propriedades antioxidantes, hepatoprotetoras
e anti-inflamatórias devem-se à presença de substâncias químicas complexas de
composição variada produzidas através dos metabólitos secundários e que existem nas partes aéreas da planta, nomeadamente Calcona, flavonóides e ácido gálico.
Os metabólitos secundários:
As plantas sintetizam um enorme número
de químicos, de natureza muito diversificada. Estes químicos podem ser
divididos em metabólitos primários e secundários.
Os metabólitos primários incluem os químicos
essenciais para o crescimento e desenvolvimento de todas as plantas, como a
fotossíntese ou o metabolismo respiratório.
Os metabólitos secundários são
estrutural e quimicamente muito mais diversificados que os metabólitos
primários e referem-se a compostos presentes em células especializadas que, não
sendo diretamente essenciais, são, ainda assim, necessários para a
sobrevivência das plantas.
Os metabólitos secundários são capazes
de responder eficazmente às situações de stress, aparentemente atuando como
defesa (contra herbívoros, micróbios, viroses ou plantas concorrentes) como
sinalização (para atrair polinizadores e animais dispersores das sementes) e
também como antioxidantes e protetores da radiação solar.
Existem milhares de metabólitos secundários e são eles os responsáveis pelas propriedades
terapêuticas registadas em tantas plantas consideradas medicinais.
Fotos: Abelheira/Lourinhã
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