Nomes comuns:
Cimbalária-dos-muros; ruínas; violetas-de-sala
Cada planta ou flor
silvestre, por mais modesta que seja, tem o poder de surpreender e encantar.
Entre tantas características possíveis, seja a diferente textura ou formato das
folhas, a cor brilhante das pétalas ou o engenho das estratégias de
sobrevivência e reprodução, tudo é motivo de fascínio e encantamento, sejam as espécies grandes e vistosas ou pequenas e humildes. Devo confessar que tenho
grande predileção pelas flores pequeninas e deleito-me com a perfeição
miniatural das suas peças florais, de cores só possíveis na natureza. Também
nunca deixa de me surpreender a forma ordenada como as diferentes espécies de
ervas se sucedem de forma breve, aproveitando o mesmo pedaço de terra como se
fizessem turnos, esperando pacientemente a sua vez de cumprir o objetivo de
perpetuar a espécie. Outras há, que procuram habitats difíceis e só nas
dificuldades que enfrentam se revelam em todo o seu esplendor miniatural,
regalando os sentidos dos mais atentos. É o caso de Cymbalaria muralis, uma
belíssima e delicada erva, uma das minhas favoritas.
Cymbalaria muralis é
uma espécie rupícola, ou seja, vive quase exclusivamente em paredes e muros,
como aliás o seu nome específico indica. Outras plantas rupícolas vivem em
rochedos e afloramentos rochosos em campo aberto, mas tal não é o caso desta
nossa plantinha.
Ela prefere, sem sombra de dúvida a proximidade dos humanos
pelo que a podemos encontrar sobretudo em decrépitos muros de pedra construídos
em redor de campos agrícolas, velhas paredes de tijolo e cimento e até em
antigos monumentos históricos (de onde deriva o nome vernáculo “ruína”).
As
raízes desta planta desenvolvem-se nas estreitas, escuras e profundas fissuras
das paredes de argamassa, tijolo e cimento ou entre as pedras dos muros e
muralhas. Nesses espaços mínimos acumulam-se partículas trazidas pelo vento, as
quais vão formando pequenos núcleos de solo com alguns nutrientes e humidade
que parecem suficientes às suas parcas necessidades. Em vista das condições de
escassez do seu habitat, Cymbalaria muralis evita as áreas mais quentes e secas
e locais onde se registem grandes amplitudes térmicas. É por isso que muitas
vezes ocorre de forma fragmentada, aproveitando nichos de microclima húmido e
suave. Desenvolve-se tanto na meia-sombra como em situações soalheiras, desde
que as raízes beneficiem de alguma humidade.
Cymbalaria muralis é
uma erva perene, de aspecto algo carnudo e suculento. O seu porte é rasteiro e o
crescimento rápido, depressa formando uma massa compacta de folhas sobrepostas.
Os longos caules estendem-se horizontalmente e em todas as direções; são finos
e frágeis, glabros e lustrosos, frequentemente de cor avermelhada. Nos nós
formam-se raízes adventícias que podem enraizar e servir de apoio.
As folhas, no topo de
longos pecíolos, são muito bonitas e delicadas, apresentando-se lustrosas e de
aspeto carnudo e encerado; dispõem-se nos caules de forma alternada, exceto as
inferiores que são opostas; são planas e arredondadas ou em forma de coração,
com recortes irregulares formando de 3 a 9 lóbulos desiguais.
A página superior
é verde, mas a inferior toma, frequentemente, tons avermelhados.
As flores surgem
solitárias ou aos pares, a partir da axila das folhas.
As 5 pétalas estão
unidas formando um tubo cuja base se prolonga de forma cónica e algo arqueada (denominado
esporão) e dentro do qual se encontra o néctar. A outra extremidade do tubo
abre-se para o exterior formando dois lábios.
O lábio superior tem 2 pequenos
lóbulos de cor violeta. O lábio inferior é mais
amplo, tem 3 lóbulos de cor violeta e branca, a meio dos quais surgem duas
saliências semelhantes a almofadas as quais se encostam ao lábio superior
encerrando a entrada que conduz ao interior da flor, interditando o acesso a
polinizadores não autorizados. Estas almofadas, muito vistosas na sua cor
amarela e branca constituem uma provável pista de aterragem para os insetos polinizadores,
maioritariamente constituídos por abelhas. Os veios mais escuros que se veem no
interior dos lábios são guias de néctar que, mais uma vez, facilitam a vida das
abelhas, indicando-lhes o caminho direto para o néctar e o pólen.
O cálice consta de 5
sépalas unidas até meio, separando-se depois em 5 segmentos semelhantes,
glabros e com margens escariosas.
Cada flor apresenta
órgãos reprodutores masculinos e femininos funcionais, podendo autopolinizar-se
na falta de insetos adequados à anatomia da flor. Os estames, assim como o
estigma, estão escondidos dentro da flor.
De forma geral, a
planta floresce desde o inicio da primavera até final do verão.
O fruto é uma cápsula globosa que na maturação fica maior que o cálice. As sementes são pequenas, de
cor escura e de forma oval ou redondas; são rugosas, com saliências
longitudinais bastante evidentes. A sua superfície rugosa evita que rolem para
fora das saliências onde são depositadas.
O aspeto mais
interessante desta espécie é o seu comportamento e a estratégia de proteção das
sementes. Refiro-me ao facto de esta planta demonstrar fototropismo, não só
positivo mas também negativo. “Foto” é luz e “tropismo” é movimento.
Fototropismo positivo é o movimento para a luz, que é o que todas as plantas
fazem, crescendo em direção ao sol, de modo a deixarem as suas flores mais
visíveis aos polinizadores ou vulneráveis ao vento que lhes leva as sementes.
Mais raro nas plantas é o fototropismo negativo, isto é, o crescimento para
longe da luz.
Cymbalaria muralis cresce para a luz enquanto está em crescimento
e em processo de polinização, mas uma vez completado o processo de
fertilização, as sementes em formação tornam-se fototrópicas negativas,
evitando a luz, encurvando os pedúnculos e procurando locais escuros, ao seu
alcance, onde têm mais hipóteses de encontrar um nicho confortavelmente húmido
onde possam germinar. A verdade é que dependendo apenas de um pequeno número
disponível de locais seguros para largar as sementes, esta estratégia limita o
número de novas plantas. Se por um lado permite a rápida substituição dos
indivíduos que chegam ao seu fim de vida, a verdade é que também limita o
estabelecimento de novas colónias.
Contudo, surpreendentemente, estudos revelam
que poucas são as sementes encontradas nos nichos, em comparação com o número
de cápsulas aí depositadas. Muitas sementes poderão ser levadas pelas formigas
ou escaravelhos, mas nunca para muito longe do seu local de origem. Resta saber
que estratégias são utilizadas pela planta para enviar as sementes para longe.
É de supor que a planta aproveite uma variedade de fatores que de alguma forma
potenciem meios secundários de dispersão de longo alcance, embora ainda estejam
por identificar.
Ao que se julga,
Cymbalaria muralis é originária da Itália, nomeadamente da cordilheira dos
Apeninos e região da Ístria (península do mar Adriático que hoje pertence a 3
países: Itália, Croácia e Eslovénia)). Presentemente encontra-se amplamente
naturalizada por toda região mediterrânica e pela maioria dos países da Europa
central. A forma como se expandiu para tão longe da sua área de diversificação
ancestral permanece obscura embora algumas investigações levem a crer que possa
ter sido, numa primeira fase, introduzida pelos romanos que a apreciavam muito
e cultivavam como planta ornamental e medicinal, tendo-se aclimatado de forma
discreta nuns lugares e extinguido noutros. Muitos séculos passados, a planta
voltou a estar na moda e também por motivos decorativos foi introduzida ou reintroduzida,
conforme o caso, a partir do século XVI, sobretudo nos países do norte europeu.
Nesta conformidade, Cymbalaria muralis é considerada um arqueófito no sul da
Europa, no pressuposto de que tenha sido introduzida na Antiguidade, enquanto na
maioria dos países europeus do norte esteja classificada como neófito por ter
sido introduzida depois da data limite ou seja, após o ano de 1500. De notar
que as datas de introdução são frequentemente problemáticas em estudos deste
tipo devido à falta de registos históricos detalhados. A distinção entre
arqueófitos e neófitos é particularmente importante pois está amplamente
comprovado que os dois grupos diferem nas relações entre si e o meio ambiente, em resultado dos regimes de seleção e cultivo contrastantes das sociedades
antigas e as mais modernas.
Distribuição de Cymbalaria muralis em Portugal continental. Fonte: Flora Digital de Portugal UTAD |
No que diz respeito a Portugal, tudo
leva a crer que Cymbalaria muralis é um arqueófito no continente e um neófito nos arquipélagos de
Açores e Madeira.
Cymbalaria muralis foi
também levada para fora da Europa estando naturalizada em muitos dos climas
temperados da Terra nomeadamente na Austrália, Nova Zelândia, Américas e África
do Sul.
No passado, Cymbalaria
muralis foi usada como erva medicinal. A infusão das folhas e flores era
utilizada como tónica, diurética e antiescorbútica. As folhas frescas eram
também colocadas sobre as feridas para promover a rápida cicatrização.
Cymbalaria muralis é
uma das 10 espécies que constituem o género Cymbalaria, agora incluído na família Plantaginaceae (após ter sido recentemente transferido da família Scrophulariaceae
em resultado de testes filogenéticos). Também o nome do género foi alterado, pois
até meados dos anos 60 do século passado as espécies deste género pertenciam ao
género Linaria - seção Cymbalaria.
O nome Cymbalaria deriva do latim “Cymbalum”
ou do grego “Kymbalon” numa referência à semelhança das folhas com os pratos do
címbalo, instrumento musical de percurssão.
Fotos de Cymbalaria muralis - Serra do Calvo/Lourinhã
Estou fascinada com o seu blog! Muito muito obrigada pelo tempo que dedica à execução deste trabalho! Sou uma entusiasta neste campo mas raramente encontro artigos com tanta qualidade, dedicação e pormenor. Adorei saber desta pequena erva que a minha bisavó chamava de "pensamentos" e é o nome que continuamos a usar na nossa família. Parabéns pelo seu trabalho!
ResponderEliminarRita Teles,
EliminarAgradeço muito o seu comentário e saber que partilhamos a mesma paixão. Abraços.
Encontrei esta florzinha hoje em um muro de pedras e fiquei tão encantada que tentei pegar uma muda, mas é difícil, espero que eu consiga cultiva-la. Fantástico o seu blog, não encontrei nem um outro com informações tão detalhadas.
ResponderEliminarOlá Barbara,
EliminarObrigada pelo seu comentário. Acho que vai conseguir ter a sua plantinha pois ela é uma sobrevivente. Se não conseguir que essa muda sobreviva ela vai concerteza largar sementes e em breve nascerá uma planta nova, no lugar onde plantou ou até mesmo num lugar proximo.
Oi Fernanda! Obrigada por responder! Eu consegui sim, plantei na terra mesmo. Ela está linda e cresce muito rápido. Moro em Curitiba, no sul do Brasil e espero que as geadas de inverno daqui não a danifiquem. Abraços!
EliminarBoa tade, gostaria de saber se vc, tem as sementes dessa maravilhos planta. Amei. artedelourdes@hotmail.com . Obrigado.
ResponderEliminarOlá Lourdinha Maria,
EliminarSendo esta uma espécie exotica duvido que seja comercializada em Portugal. Contudo, pode consultar o site de Sementes de Portugal através do seguinte endereço http://sementesdeportugal.blogspot.pt ou pelo email geral@sementesdeportugal.pt
boa tarde.. onde encontro a semente da Cymbalaria por favor?
ResponderEliminarBoa tarde... por favor quero comprar as sementes da Cymbalária... onde encontro?
ResponderEliminarnarinha@terra.com.br
Talvez contactando o site Sementes de Portugal através do email geral@sementesdeportugal.pt
EliminarPode ser que eles tenham.
Encontrei um exemplar dessa espécie num muro bem próximo de casa sendo devoradas por lagartas. Retirei algumas mudas, mas infelizmente não consegui remover elas com muitas raízes. Por outro lado, ela tem muitas cápsulas de sementes, se a folhagem secar, espalharei as cápsulas na terra.
ResponderEliminarEspero conseguir sucesso no cultivo desta planta. Achei muito linda!
Consegui uma muda que nasceu rente ao muro de casa, retirei com raiz e plantei num vaso suspenso. Vingou!!
ResponderEliminarA encontrei em um muro antigo de pedras na cidade de Tiradentes - MG. Estava viajando para Ouro Preto. Peguei uma muda e coloquei em uma garrafa pet cortada com papel higiênico embebido em água. Formou uma pequena estufa, ela chegou a florir. Estava toda animada, cheia de carinho por ela e feliz pq parecia que iria resistir à permanência em Ouro Preto até chegar ao Rio. Mas a camareira da pousada onde estava, julgou ser apenas um lixo e jogou fora. Tristeza grande =(
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