Os tojos
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Ulex densus |
Ano após ano, com uma constância inexorável que é garantia de continuidade, quando o inverno ainda vai a
meio e a primavera não passa de um desejo, já inúmeras espécies vegetais se
apressam a florescer, coincidindo com a emergência de
variadas espécies de insetos. Na realidade, não se trata de uma coincidência, pois muitas são as espécies de angiospermas que dependem dos insetos para que
se realize a polinização, fecundação e a consequente produção de sementes. Em contrapartida, são também muitos os insetos que dependem das plantas, quer os
que se alimentam das folhas (fitófagos, ex: besouros, escaravelhos, larvas de
borboletas), quer os que buscam néctar e pólen (polinizadores, ex: abelhas,
vespas, moscas, borboletas e traças adultas). De forma geral, plantas e insetos evoluíram em conjunto, interagindo de forma reciproca ao longo de gerações e
gerações, o que levou a mudanças adaptativas conjugadas, nuns e noutros.
Agora, que a primavera está em vésperas de fazer a sua entrada formal, os campos cobrem-se de branco e amarelo, graças
aos pequenos malmequeres, às giestas e principalmente, aos tojos.
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Nesta época do ano, os tojos abrilhantam as viagens no norte e centro do nosso país.
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Tojo é o nome popular que é dado
às espécies do género Ulex, o qual se inclui na família das leguminosas, cujo
nome cientifico é Fabaceae ou Leguminosae.
Esta é uma das maiores famílias botânicas e as suas
espécies estão largamente distribuídas por todos os continentes, com exceção da
Antártida.
Atualmente,
o conceito que subdivide a família das leguminosas em 3 subfamílias Caesalpinioideae,
Mimosoideae e Faboideae (esta ultima também designada por Papilionoideae)
parece ser mais consensual do que já foi em tempos. As subfamílias Mimosoideae
e Caesalpinioideae ocorrem principalmente nas regiões tropicais e subtropicais
ao passo que a subfamília Faboideae, que inclui a maioria dos membros da
família Fabaceae, se distribui de forma mais ampla, ocorrendo desde os desertos
secos até às florestas húmidas.
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Ulex densus |
A subfamília Faboideae ou Papilionoideae, na qual
se situa o género Ulex, é a que tem maior importância
económica a nível mundial, pois inclui espécies fundamentais na alimentação
humana, tais como, a soja, o feijão, o amendoim, o grão-de-bico, o tremoço, as
ervilhas ou as favas, apenas para mencionar algumas.
Na
generalidade, são plantas de hábitos variados podendo ser herbáceas,
trepadeiras, arbustos e árvores. Muitas espécies são também utilizadas como
ornamentais, outras têm grande valor comercial ou industrial devido aos
produtos que delas podem ser extraídos, nomeadamente o tanino, substância usada
na indústria do couro, já para não falar dos corantes, tinturas, colas,
vernizes etc.
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Nódulos fixadores de nitrogénio em raízes de uma leguminosa. Fonte e credito da foto: MORNING EARTH |
Uma
característica muito importante das leguminosas em geral e das espécies da
subfamília Papilionoideae/Faboideae em particular, é o facto
de serem capazes de converter o nitrogénio atmosférico (azoto) em moléculas
proteicas, as quais são aproveitadas para o seu próprio desenvolvimento e o das
plantas em seu redor. Isto acontece devido a uma relação simbiótica com
bactérias dos géneros Bradirhizobium e Rhizobium que
se fixam nas raízes das leguminosas, através de nodosidades visíveis a
olho nu. Em contrapartida, as bactérias recebem das plantas os açúcares
produzidos durante a fotossíntese. Esta simbiose permite não só a
sobrevivência das referidas bactérias mas também que espécies de leguminosas
possam desenvolver-se sem problemas em solos pobres em azoto e matéria
orgânica.
As flores de Faboideae e consequentemente dos tojos, caracterizam-se pela corola papilionácea (do francês "papillon"=borboleta), formada por 5
pétalas desiguais, dispostas de modo característico e altamente especializado
em atrair os insetos polinizadores: a pétala maior chamada estandarte, situada
em posição superior é, pelo seu tamanho e forma, o foco de atração para os
polinizadores; as duas pétalas laterais denominadas asas funcionam como pista
de aterragem; e as duas inferiores, unidas apenas no ápice, formam a chamada
quilha. A flor possui órgãos de reprodução femininos (carpelo = ovário,
estilete e estigma) e masculinos (estames) os quais, com os filetes todos
unidos num só, estão encobertos pelas
pétalas que formam a quilha. Quando os insetos pousam nas asas a quilha baixa, favorecendo o contacto destes com os estames e o estigma.Quando vão embora, os insetos levam o pólen colado ao corpo.
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Esquema de corola papilionácea |
Os tojos estão estreitamente
relacionados com as giestas e tal como elas têm folhas muito pequenas e adaptadas
a condições de secura ambiental. Contudo, diferem delas por serem extremamente
espinhosos, com folhas que nas plantas maduras estão reduzidas a filódios
espiniformes que resultam da modificação do pecíolo.
Todas as espécies de tojos
possuem flores amarelas, muito vistosas no seu conjunto. Os frutos são vagens. Quer em flor, quer em frutificação, formam belos exemplares para plantar no jardim!
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Matos baixos de tojos em sobreirais - Ponte de Sôr |
As espécies do género Ulex são
nativas de partes da Europa ocidental e noroeste de África. Contudo, a maior
diversidade de espécies encontra-se na Península Ibérica. Formam um grupo muito homogéneo, de características morfológicas muito semelhantes, o que dificulta a
sua identificação. As características primarias para identificar as espécies são o tamanho das peças florais
(especialmente a forma, indumento e dimensões do cálice, pois é a parte da flor
que menos se modifica no decorrer das varias fases de crescimento e permanecem
durante a frutificação), indumento dos caules e dos espinhos, frutos e a
configuração da planta em geral.
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Mato baixo quase exclusivamente constituído por tojos, em Cardigos/Mação Numa região onde ainda domina o pinheiro, os fogos têm levado à modificação progressiva de alguns trechos da paisagem com a plantação de eucaliptos. Estes são mais rentáveis a breve prazo mas limitam a biodiversidade. Nos pinhais existe grande diversidade de espécies (ex rosmaninhos, carquejas, urzes, estevas, tojos) mas debaixo dos eucaliptos pouca coisa consegue crescer. |
O processo
de evolução do género Ulex parece ter-se processado através de mecanismos genéticos, tais como certas formas de hibridação, seguidas de poliploidia. Ou seja, algumas espécies e subespécies resultaram de cruzamentos genéticos repetidos e complexos entre espécies diferentes deste mesmo género (hibridação introgressiva) do que resultaram
duplicações no numero de cromossomas, em que cada célula apresenta múltiplos do
conjunto básico de cromossomas (poliploidia).
As células da maioria dos organismos, assim como as plantas, contêm dois conjuntos
de cromossomas denominados haplóides [um haplóide recebido da mãe (n) e outro haplóide recebido do pai (n), os quais formam um conjunto diplóide (2n)].
No
caso do género Ulex algumas espécies são diplóides mas outras são tetraplóides (com 4 conjuntos
diplóides) ou hexaplóides (com 6 conjuntos diplóides). Uma vez que, de forma
geral, o numero de cromossomas é constante em todos os indivíduos de uma
determinada espécie, esta “regra” ou a sua alteração é de grande importância na
determinação da filogenia e taxonomia das espécies.
A
especiação (processo evolutivo pelo qual as espécies vivas se formam) do tipo
poliplóide é um dos processos naturais mais importantes na evolução das plantas
silvestres, nomeadamente das angiospermas e é
mais comum em plantas perenes do que em anuais. Qualquer aumento no
número de cromossomas provoca um aumento no tamanho de cada célula resultando
no melhor desempenho de muitas espécies poliploides. Geralmente, os poliplóides
tendem a produzir maior massa verde de folhas e com cor mais escura, flores e
sementes maiores ou mais abundantes. De facto os tojos são espécies muito
vigorosas que resistem aos fogos e tendem a tomar o lugar de outras plantações
que se vão degradando como, por exemplo, pinhais e medronhais.
NOTA:
A poliploidia é um
mecanismo que pode levar rapidamente à especiação. Assim, este processo é amplamente
induzido artificialmente, em laboratório, em plantas cultivadas, pois permite o
melhoramento das plantas dando-lhes características mais interessantes do ponto
de vista comercial, tais como flores maiores, com florações mais prolongadas ou
no caso das frutíferas, variedades com frutos maiores e/ou sem sementes. No
melhoramento tradicional a troca de genes está limitada a espécies que são
sexualmente compatíveis. Contudo, no chamado “melhoramento das espécies” têm
vindo a ser utilizadas técnicas de engenharia genética mais agressivas que
incluem a transferência de genes de plantas sexualmente incompatíveis ou mesmo
de animais e micro-organismos. Muitos dos alimentos que hoje em dia consumimos
(soja. milho, trigo, arroz, tomate etc) são geneticamente modificados (transgénicos),
situação muito controversa mas que não está no âmbito deste blogue desenvolver.
Pode encontrar informação sintetizada AQUI ou mais detalhada
NESTE ESTUDO.
A taxonomia do género Ulex tem
suscitado diferentes interpretações, havendo oscilações no numero de espécies e subespécies. Nomeadamente, Guinea & Webb (1968 Flora Europaea Volume 2 pag.
102 e 103) optaram por uma abordagem fortemente sintética, reconhecendo apenas
7 espécies, reduzindo as restantes à categoria de subespécies. No entanto,
foram efetuadas pesquisas (Cubas, 1984 ; Rivas Martínez e Cubas, 1987; Cubas e
Pardo, 1992, 1997, Pardo et al., 1994, Espíritu Santo et al., 1997) em
resultado das quais, o grau de espécie foi restituído à maioria destes "taxons",
estabelecendo-se um total de 15 espécies + 6 subespécies, classificação que é
reconhecida pela Flora Iberica. Estas pesquisas foram baseadas na morfologia,
numero de cromossomas, micromorfologia do pólen, habitat e distribuição geográfica.
Segundo o portal interativo
Flora-on (Sociedade portuguesa de Botânica) são 10 as espécies do género Ulex
nativas de Portugal continental, sendo que 7 dessas espécies são endémicas de
regiões restritas do nosso país. Para este texto foram selecionadas duas destas
espécies, Ulex europaeus porque é a espécie com maior distribuição geográfica e
Ulex densus por ser uma espécie endémica da região onde se situa a Lourinhã
(objeto de estudo neste blogue). No entanto, para fotos e informação sobre as
restantes espécies clique AQUI.
Ulex europaeus L.
Nomes comuns:
Tojo-arnal; tojo; tojo-bravo; leiva; pica-rato
Esta é a espécie mais comum do género Ulex. É a única espécie nativa da maior parte da faixa litoral da Europa
ocidental, nomeadamente litoral norte e centro de Portugal continental, Espanha, França, Itália, Reino Unido, Irlanda, Suiça, Holanda e Alemanha. Durante
o século XIX e inícios do século XX foi introduzida noutros países do norte da
Europa (Polónia, Noruega e Suécia), e também nos arquipélagos da Madeira e
Açores, Ilhas Canárias, África do Sul, China, Turquia, Índia e Sri Lanka,
Estados Unidos e Hawaii, América do sul e Caraíbas, Indonésia, Austrália e Nova Zelândia, regiões onde se naturalizou rapidamente.
A razão pela qual foi tão ampla e
intencionalmente propagada teve a ver
não só com fins ornamentais mas também com a sua utilização como forragem e para
cama dos animais. Tal como aconteceu com outras espécies, sementes de Ulex
europaeus poderão ter sido introduzidas em terras mais distantes de forma
acidental quando os colonos europeus importaram gado, como contaminantes do
feno. Por outro lado as sementes também poderão ter sido levadas
intencionalmente, com a ideia de usar o tojo como pasto para os rebanhos ou até
como forma de mitigar as saudades da pátria. Entretanto, nos territórios onde
foi introduzida, esta espécie revelou comportamento invasivo, sobretudo em habitats
perturbados e em regiões onde o clima seco e quente lhe é favorável. É uma
espécie difícil de erradicar devido ao seu porte compacto, duro e espinhoso,
alem de que a enorme quantidade de sementes que produz constitui um banco de
sementes de longa duração.
Em alguns países têm sido utilizados meios de
controle biológico através de insetos específicos, tais como o artrópode herbívoro conhecido como ácaro-do-tojo Tetranychus lintearius e o coleóptero Exapion ulicis que se
alimenta das suas sementes. Estes são alguns dos seus inimigos naturais nos habitats naturais. Quando as plantas são introduzidos em terras alheias, os pequenos
predadores e pragas específicas que as mantêm em equilíbrio no seu habitat
nativo, são deixados para trás. Geralmente, tal contribui para o descontrole na
sua reprodução.
Ulex europaeus cresce em locais
ensolarados e em solos não calcários e habitualmente secos e arenosos,
em charnecas, orlas dos bosques, pinhais e taludes da beira das estradas, ate
100 metros de altitude.
Ulex europaeus é a maior espécie do seu género, chegando a alcançar 2 ou 3 metros de altura. Começa timidamente
a florescer no outono, continua a florescer de forma esparsa durante o inverno e
o apogeu da sua floração acontece durante a primavera. Distingue-se facilmente de outras espécies pois é a única que apresenta bractéolas, que envolvem a base do cálice, maiores
que 2 mm geralmente, entre os 2 e 7 mm de largura.
As flores deste tojo têm sido popularmente usadas
em fitoterapia, sob a forma de infusão para resolução de determinados problemas
hepáticos e ainda em casos de baixa imunidade, apatia e falta de vitalidade
anímica. As sementes são tóxicas.
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Ulex europaeus - a seta assinala as bractéolas |
Esta espécie subdivide-se em duas
subespécies, ambas presentes em Portugal e as quais se diferenciam pelo tamanho
e forma das bractéolas.
a) subespécie europaeus
Em Portugal continental ocorre no
norte e litoral centro, "registando-se expansão da espécie em direção ao
interior do país ao longo dos taludes das grandes rodovias" (Carlos Aguiar
20/11/20015).
Esta espécie ocorre nos Açores e
Madeira como espécie introduzida e onde se comporta como invasora.
Caracteriza-se pela presença de
bractéolas com 2 a 4 mm de largura e forma ovada
b) subespecie latebracteatus
(Mariz) Rothm
Esta espécie é endémica de Portugal e
Espanha.
Ocorre apenas em Portugal (norte
e centro ) e Espanha (noroeste), principalmente na orla litoral.
As bractéolas têm 4 a 7 mm
largura e a forma é suborbicular.
No seguimento do acima mencionado
sobre a poliploidia nas espécies de Ulex, vem a propósito mencionar que a espécie Ulex europaeus tem um número de cromossomas base haplóide de n=16. A subespécie europaeus é hexaplóide (2n=96 ou n=48) ou seja,
possui 3 conjuntos de células diplóides e a subespécie latebracteatus é
tetraplóide (2n=64 ou n=32), com 2 conjuntos diplóides.
Ulex densus Welw. ex Webb
Nomes comuns:
Tojo-gatunho; tojo-gatunha; tojo-da-charneca
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Ulex densus |
Esta espécie é endémica de Portugal e apenas ocorre na região litoral centro-oeste, entre o Cabo Mondego e o Cabo
Espichel.
Estende-se pelas arribas e
plataformas litorais ou perto do litoral, geralmente em solos calcários,
podendo alastrar para o interior até 20 km do mar.
Nas arribas costeiras os ramos densos tendem a cerrar fileiras para se protegerem dos ventos marítimos carregados de sal, pelo que os arbustos de Ulex densus assumem forma pulviniforme, ficando semelhantes a grandes almofadas. Em situações mais distantes da orla marítima os ramos dispõem-se de forma mais desordenada.
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Plataforma rochosa da Serra do Calvo (a cerca de 3 km do mar)
que serve de habitat a numerosas espécies, entre elas Ulex densus.
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Ulex densus |
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Ulex densus |
Ulex densus forma arbustos relativamente baixos de cerca de 50 cm de altura, com ramos eretos ou decumbentes, muito ramificados e cobertos de espinhos de cor verde vibrante que substituem as folhas. Na realidade, são prolongamentos do pecíolo, uma adaptação às condições de seca, registando-se assim um menor gasto de água por haver menos transpiração. Os espinhos novos são moles e de consistência flexível.
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Ulex densus - espinhos novos e flexiveis |
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Ulex densus - espinhos maduros |
Quando amadurecem, os espinhos tornam-se rígidos e muito afiados. Os ramos mais velhos tendem a secar, deixando a base da planta despida.
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Ulex densus - ramos velhos e secos |
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Ulex densus. Flor aberta: cálice, corola, estames e estigma |
Ulex densus floresce desde janeiro até maio ou junho. Protegidas por um cálice formado por duas sépalas de cor amarela e alguns pelos, as corolas são tipicamente papilionáceas, com 5 pétalas glabras e desiguais, do mesmo tamanho do cálice ou um pouco maiores: estandarte, asas e quilha. Os estames são monadelfos, isto é, com os filetes unidos desde a base e em quase todo o seu comprimento. Do ovário emerge um estilete que termina num estigma filiforme. As bractéolas passam despercebidas por serem muito pequenas, praticamente da mesma largura que o pedicelo.
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Ulex densus - flor em botão |
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Ulex densus em fase de frutificação |
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Ulex densus: o fruto é uma vagem As sépalas permanecem na flor durante a frutificação |
O fruto é uma vagem do mesmo tamanho ou mais curto que as sépalas do cálice, com uma ou duas sementes.
Quanto ao número de cromossomas Ulex densus é tetraploide, com 2n=64; n 32.
É uma espécie protegida pela Diretiva 92/43/CEE – anexo V de 21 de maio de 1992, (conhecida como Diretiva habitats) "relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens".
Fotos de Ulex densus: Serra do Calvo/Lourinhã