"O grande responsável pela situação de desequilíbrio ambiental que se vive no planeta é o Homem. É o único animal existente à face da Terra capaz de destruir o que a natureza levou milhões de anos a construir"





quinta-feira, 11 de maio de 2017

Convolvulus tricolor L. subsp. tricolor

Convolvulus tricolor subsp. tricolor
Corriola e gloria-da-manhã são nomes populares que referenciam algumas espécies de grupos taxonómicos diferentes, mas todas incluídas na família Convolvulaceae. Em território português esta família é representada por 6 géneros, entre os quais Convolvulus, Calystegia (que são autóctones) e Ipomoea (espécies exóticas).
São plantas sobejamente conhecidas e facilmente identificáveis pelas suas características flores em forma de trombeta, quer vestidas de branco, rosa, azul ou violeta, extremamente atrativas para diversos tipos de insetos essenciais à sua reprodução. São também denominadas bons-dias, campanelas, verdizelas ou madrugadas, entre outros nomes partilhados pela maioria destas espécies.
Convolvulus tricolor subsp. tricolor
Fazendo jus aos seus apelidos populares, as flores de muitas destas espécies abrem antes do nascer do dia, aproveitando ao máximo a hora a que os insetos mais madrugadores já andam a procurar alimento. Contudo, a vida destas flores é muito breve pois murcham durante a tarde. Esta situação não é invulgar. Existem plantas cujas flores apenas ficam abertas durante alguns minutos (como é ocaso da hera, Hedera hélix); em contrapartida, outras há que duram mais de 10 dias. Cada caso é um caso e todas as situações têm uma razão. No caso presente parece que não se trata de uma mera programação genética. Alguns estudos sugerem que o tempo de abertura destas flores depende do tempo que levam a ser polinizadas. A rápida polinização resulta num emurchecimento mais rápido das pétalas, o que pode ser uma estratégia comportamental adaptativa para reduzir custos de energia decorrentes da manutenção das peças florais. Uma vez terminada a sua missão de atrair os polinizadores, deixaram de ser necessárias. 
Um dos suportes desta teoria reside no facto de flores ainda não polinizadas ficarem abertas durante mais tempo do que as já fecundadas, o que aumenta as probabilidades de uma polinização bem sucedida. Desta forma, a planta canaliza estas poupanças de energia na produção de mais flores, o que na realidade acontece de forma continuada durante todo o seu período de floração.
Convolvulus tricolor subsp. tricolor
A bela Convolvulus tricolor é uma destas espécies. Floresce por esta altura do ano, mais especificamente de março a junho, de preferência em terrenos secos e argilosos, em campos de cultivo, valas e bermas de caminho, pastagens e prados. 
Convolvulus arvensis - Veja mais AQUI

Convolvulus althaeoides - Veja mais AQUI

Ao contrário de outras espécies do mesmo género (Convolvulus arvensis ou Convolvulus althaeoides) que tantas vezes convivem nos mesmos habitats, esta não é uma espécie invasora. 
Cultivada em jardins pode acrescentar muito interesse como planta anual, desde que cultivada em pleno sol. O alegre colorido das suas corolas e os longos caules prostrados tornam-na especialmente indicada para cestos suspensos, jardins de rocha e bordaduras, onde o seu efeito pode ser verdadeiramente deslumbrante. 
Apesar de lhe faltarem os ímpetos invasores o seu cultivo generalizado como ornamental teve como consequência a naturalização fora das fronteiras de difusão natural da espécie, o que ocasionalmente torna difícil delimita-las com precisão.

Distinguem-se duas subespécies:
- Convolvulus tricolor subsp. tricolor que se  distribui sobretudo pela região mediterrânica: Portugal, Espanha, França, Itália, Grécia, Marrocos e Argélia. É cultivada como adventícia na Turquia, Creta, Líbano, Medio oriente e Paquistão.
- Convolvulus tricolor subsp. cuprianus que se distribui pelo mediterrâneo central: Malta, Sicília, Marrocos, Argélia e Tunísia.
Estas duas subespécies diferenciam-se pelas sépalas do cálice que na subespécie tricolor se dividem em duas partes dissemelhantes, ao contrário do que acontece na subespécie cuprianus.
As plantas ibéricas correspondem à subespécie tricolor que em Portugal cresce de forma espontânea no Algarve, Baixo Alentejo, Beira Litoral, Estremadura, Ribatejo e Trás-os-Montes e também no arquipélago da Madeira.
Convolvulus tricolor subsp. tricolor
Convolvulus tricolor subsp. tricolor é uma herbácea, de hábito prostrado ou ascendente. Os caules, de cor avermelhada, são simples ou escassamente ramificados e estão revestidos de pelos densos, particularmente na parte superior. 
Convolvulus tricolor subsp. tricolor- caule
Estas plantas são anuais ou raramente, perenes de vida curta. Muitas vezes iniciam o seu ciclo de vida no Outono através da formação de uma roseta de folhas ao nível do solo. No final do Inverno regista-se um rápido alongamento dos caules e internós da roseta, de modo que os caules se esticam até aos 45 ou 50 cm de comprimento. Após a floração e uma vez maduros todos os frutos, os caules secam e morrem. Entretanto, na base da planta podem formar-se rebentos que darão origem a uma nova roseta de folhas que se tornará visível no outono seguinte. Neste tipo de crescimento a roseta de folhas protege as gemas de renovo do vento, do sol, do frio e dos herbívoros e está perfeitamente adaptado ao tipo de clima mediterrânico caracterizado pelos verões quentes, secos e ventosos e os invernos frios e chuvosos.
Convolvulus tricolor subsp. tricolor - folhas superiores
Na ausência de pecíolo, as folhas inserem-se nos caules diretamente pela base do limbo, de forma atenuada; são inteiras, com nervuras bem vincadas, glabras ou pubescentes, com pelos mais compridos nas margens. Forma e tamanho do limbo variam ligeiramente entre as folhas inferiores que são espatuladas ou oblanceoladas com um pequeno chanfro a meio do ápice e as superiores que são espatuladas ou oblongas com ápice obtuso.
Convolvulus tricolor subsp. tricolor
As flores têm corolas azuis com o centro em tons de branco e amarelo. Crescem solitárias no topo de longos pedúnculos eretos que emergem da axila das folhas superiores os quais apresentam 2 bractéolas de forma linear. Estes pedúnculos são eretos durante a floração mas encurvam durante a frutificação, não só pelo peso acrescido do fruto mas também porque continuam a crescer e se tornam um pouco mais longos.
Convolvulus tricolor subsp. tricolor - Bractéolas e cálice
Convolvulus tricolor subsp. tricolor - Cálice
O cálice é mais ou menos acampanulado, com as 5 sépalas diferenciadas em duas partes morfologicamente diferentes. A inferior tem forma oblonga, convexa e é ligeiramente coriácea durante a floração. A parte superior é mais curta, amplamente ovada e as extremidades herbáceas terminam de forma aguda e ligeiramente curva. O crescimento do cálice prossegue mesmo depois da fecundação e até o fruto atingir a maturação.
Convolvulus tricolor subsp. tricolor - flor aberta e flores enroladas em botão
A corola é afunilada e em forma de trombeta, morfologia que resulta da fusão das 5 pétalas que a constituem. Quando a flor ainda está em botão, as peças florais (sépalas e pétalas) apresentam-se dobradas umas sobre as outras de forma contorcida ou espiralada, parecendo um guarda-chuva bem enrolado. 
Convolvulus tricolor subsp. tricolor - pétalas vincadas pelo enrolamento apertado
Curiosamente, quando as flores abrem, as pétalas apresentam vincos nos pontos onde estavam dobradas. 
Convolvulus tricolor subsp. tricolor - o limbo das pétalas é reforçado por 5 nervuras
De forma característica existem 5 nervuras bem visíveis a meio do limbo de cada uma das pétalas, as quais não só reforçam a arquitetura floral como também encurvam as pétalas para fora e ajudam no processo do desenrolar da corola quando ela se abre na ântese. 
A corola apresenta 3 bandas transversais de cores bem diferenciadas, amarela na base, branca na zona intermédia e azul-violeta na parte superior. Estas bandas coloridas formam padrões visuais destinados a guiar os insetos em direção ao néctar e ao pólen, disponível no centro da flor.
  Convolvulus tricolor subsp. tricolor
Nesta foto veem-se os filetes dos estames unidos formando uma coluna, as anteras com as suas listas azuis e ainda, os dois braços do estigma emergindo de entre os estames.
Estas flores apresentam órgãos reprodutores masculinos e femininos. Os estames são 5, com filetes comprimidos formando um a coluna curta que torneia o estilete, mas deixa abertas 5 estreitas passagens que conduzem ao néctar. Assim, ao entrar na flor, o corpo do inseto toca nos estigmas, ao mesmo tempo que fica empoado de pólen. 
As anteras são lisas e brancas mas com duas linhas azuladas. 
O disco nectarífero é intrastaminal ou seja, posiciona-se em forma de anel no centro da flor, em redor do ovário e dos estames. 
O ovário é pubescente e dele desponta um estilete que se divide em dois estigmas de cor branca. 
Convolvulus tricolor subsp. tricolor
Fruto capsular em vias de maturação, envolvido pelo cálice
O fruto é uma cápsula arredondada, pubescente até à maturação e dentro da qual se encontram 4 sementes de cor muito escura.

Sob o ponto de vista taxonómico Convolvulus tricolor inclui-se na complexa família Convolvulaceae, subfamília Convolvuloideae, tribo Convolvuleae e género Convolvulus.

Convolvulaceae:
A família Convolvulaceae, inclui cerca de 1650 espécies, agrupadas em diversas subfamílias e/ou tribos e 55 géneros que se concentram em regiões de clima tropical e subtropical, com apenas 10 % das espécies nas zonas temperadas. A família apresenta aspetos morfológicos bem definidos, como as flores em forma de trombeta e outras características bem marcantes próprias de climas secos. De forma geral, são plantas eretas ou prostradas e até trepadeiras volúveis que se enrolam sobre si próprias ou nas plantas vizinhas. Foi esta característica que deu nome à família o qual deriva do latim “convolvo” ou "convolvere"= entrelaçar.
Esta família conta com muitas espécies adventícias, ou seja naturalizadas, cuja distribuição está ligada a atividades humanas de dispersão intencional. Em contrapartida, a quota de endemismos é bastante grande.
Uma das características anatómicas mais percetíveis das Convolvulaceae é a existência de células foliares e/ou radiculares que segregam resinas glicosidicas (metabolitos secundários), responsáveis pelas propriedades purgativas, analgésicas e alucinogénicas de algumas espécies desta família.

Sob o ponto de vista taxonómico Convolvulaceae não tem sofrido muitas alterações desde que foi descrita por Jussieu em Genera Plantarum, em 1789. Contudo, a capacidade que exibe na diversificação e capacidade de colonização de regiões afastadas por todo o mundo, tem suscitado o interesse dos botânicos e diversos estudos têm sido realizados nas últimas décadas. Não é, pois, de admirar que se suscitem duvidas e se proponham alterações tal como acontece com a maioria das famílias de angiospermas.

Esta família foi dividida em 3 ou 4 subfamílias que por sua vez se subdividem num numero de tribos variável, oscilando entre 3 e 12. Embora, de forma geral, tenha havido consenso no que diz respeito à relação entre estes grupos, existe ainda alguma controvérsia quanto à sua classificação taxonómica. Um dos pomos de discórdia é o grupo Cuscutoideae or Cuscutaceae, cujo único género Cuscuta (também presente em Portugal) alguns botânicos prefeririam segregar da família por serem espécies parasitas com especificidades a nível da corola e embrião.
Certos autores também discordam sobre a delimitação de alguns géneros dentro da família baseando-se nas variações do tamanho, forma ou pubescência das brácteas, sépalas, corola e pólen e também tendo em conta a forma e divisão dos estigmas e algumas características diferentes nas sementes.
Ipomoea batatas (flor da batata-doce)
Foto de H.Zell. Fonte Wikimedia commons
O maior género desta família é Ipomoea com 500 a 600 espécies, de distribuição tropical e no qual se inclui a espécie alimentar Ipomoea batatas, a nossa conhecida e apreciada batata-doce.
Na região mediterrânica e mais especificamente em Portugal, os géneros autóctones mais representativos da família Convolvulaceae são Calystegia e Convolvulus, os quais estão estreitamente relacionados. A característica mais evidente que diferencia os dois géneros reside na existência de bractéolas grandes e empoladas no género Calystegia que quase escondem as sépalas, como podemos rever em Calystegia soldanella
Calystegia soldanella. Veja mais AQUI
Convolvulus:
Estudos muito recentes estimam que o género Convolvulus inclui cerca de 200 espécies que se distribuem por todos os continentes, em regiões de clima temperado e subtropical. O seu maior centro de diversidade situa-se na área geográfica próxima ao mar Mediterrânico e Ásia Ocidental, com outros centros de diversidade na Ásia Oriental e na América do Sul temperada, no sul e no leste da África e na Australásia, ou seja, as três zonas temperadas do hemisfério sul.
É um género característico de habitats pedregosos e arenosos, essencialmente secos, desde o nível do mar até aos 3000 mt de altitude. 
Algumas espécies são invasoras e altamente prejudiciais em campos cultivados, outras são economicamente importantes no comércio das plantas ornamentais e até no ramo farmacêutico. 
Na generalidade, são espécies subcosmopolitas, mas algumas são endemismos e ocorrem em áreas muito restritas.

Convolvulus fernandesii é uma das espécies de distribuição confinada a uma determinada região. Na realidade é um endemismo português. É muito rara e a sua distribuição mundial restringe-se à Serra da Arrábida, mais especificamente ao curto espaço da costa que vai de Sesimbra ao Cabo Espichel. Floresce durante a primavera e cresce nas escarpas, entre fendas e afloramentos rochosos, em locais quase inacessíveis, razão pela qual terá passado despercebida durante séculos. Foi publicada no Boletim da Sociedade Broteriana pelo botânico português Pinto da Silva (P.Silva &Teles)  apenas em 1980.
Convolvulus fernandesii - Foto de Sérgio Chozas
Fonte Flora-on
É um arbusto perenifólio de caules volúveis e entrelaçados. Os caules mais velhos são glabrescentes e lenhosos mas as hastes mais jovens são pubescentes. As folhas são pecioladas, elípticas ou oblongo-elípticas, com o ápice arredondado ou truncado. As flores, em grupos de 3 a 6, reúnem-se em inflorescências axilares, são pedunculadas e apresentam bractéolas. As 5 pétalas são brancas e estão unidas tomando a forma afunilada característica da família e do género. As sépalas são obovadas ou elípticas com pontas curtas, agudas e rígidas.
Esta é uma espécie protegida ao abrigo do Estatuto Directiva de Habitats 92/43, como espécie prioritária do Anexo II e anexo IV.
Veja mais sobre esta espécie AQUI e AQUI.

Fotos:
Calystegia soldanella: Praia da Areia Branca/Lourinhã
Convolvulus tricolor subsp. tricolor: Zambujeira e Areia Branca/Lourinhã
Convolvulus arvensis: Serra do Calvo/Lourinhã
Convolvulus althaeoides: Arribas do Caniçal /Lourinhã