"O grande responsável pela situação de desequilíbrio ambiental que se vive no planeta é o Homem. É o único animal existente à face da Terra capaz de destruir o que a natureza levou milhões de anos a construir"





sábado, 28 de setembro de 2013

Ruta chalepensis L.


Nomes comuns:
Arruda; arruda-dos-calcários; erva-da-inveja;
erva-da-graça.


Ruta chalepensis é a planta a que dedico o meu “post” de hoje. Porém, antes de entrar em detalhes, convém recordar que são várias as espécies vulgarmente conhecidas, em Portugal, pelo nome vernáculo de arruda. Espontâneas ou cultivadas em hortas e jardins, são todas elas reputadas como plantas medicinais, desde tempos remotos. As raízes, folhas e inflorescências de Ruta graveolens, Ruta angustifolia, Ruta chalepensis e Ruta montana são ricas em óleos essenciais, alcaloides e múltiplos compostos químicos indicados no tratamento de variadíssimas doenças, graças às suas propriedades antihistamínicas, antiinflamatorias, antibacterianas, antimicóticas e ainda tonificantes do sistema nervoso.
As arrudas também são usadas em perfumaria pois são fortemente aromáticas; de facto, o seu odor é tão intenso que pode tornar-se desagradável para certas pessoas, embora haja quem o aprecie e o ache estimulante.
As folhas das arrudas são usadas como condimento em culinária e também para perfumar vinhos e licores, como atestam os nomes de algumas povoações, nomeadamente Arruda dos Vinhos. Também se usam as arrudas como repelentes de moscas e outros insetos.


As arrudas pertencem à família Rutaceae, a qual integra cerca de 2.100 espécies maioritariamente originárias de regiões tropicais e subtropicais. Esta família está organizada em cerca de 154 géneros, entre eles o género Ruta no qual se incluem as arrudas. Espécies como a laranja, o limão, a lima, a tangerina, a clementina ou a toranja fazem parte também da família Rutaceae, estando incluídas no género Citrus, género de grande importância económica a nível mundial. De referir ainda o género Pilocarpus de cujas espécies se extrai o alcaloide pilocarpina utilizado em oftalmologia e que funciona como antidoto nos envenenamentos por ingestão excessiva de atropina (Agatha Christie faz referencia a este alcaloide no seu livro de contos “The thirteen problems” ou Os treze problemas, protagonizados pela excelente Miss Marple).




Ruta chalepensis distribui-se por toda a Europa do sul principalmente nas regiões do mediterrâneo, desde a Península Ibérica até à Ásia e ilhas da Macaronésia (Açores, Madeira e Canarias) encontrando-se naturalizada também noutros continentes. Devido à sua popularidade é frequentemente cultivada como ornamental, muitas vezes assilvestrando-se fora dos seus locais naturais de crescimento espontâneo. Assim, não há dados concludentes acerca da sua origem e naturalização.

Esta espécie encontra-se principalmente em solos calcários pedregosos e nitrificados (ricos em nutrientes devido ao deposito de entulhos) e também em aterros, berma de caminhos sendo frequente nas regiões do litoral. Hoje em dia é também a espécie de arruda mais frequente em hortas e jardins, talvez pelo seu aroma menos agressivo. Dá-se bem em todos os tipos de solo e não só suporta alguma falta de água no verão como resiste a temperaturas negativas de -5 a -10 graus.


É uma planta perene e glabra (sem pelos), lenhosa na base e que pode crescer até aos 100 cm de altura, formando um pequeno arbusto de cor azulada. Os ramos são geralmente ascendentes podendo apresentar-se também prostrados.
As folhas estão dispostas de forma alternada nos caules; são compostas, tomando morfologias variáveis uma vez que o limbo de cada uma das folhas está dividido em vários segmentos os quais por sua vez se dividem em segmentos mais pequenos, uma ou mais vezes. Estes segmentos têm forma obovada, as margens são inteiras e o ápice arredondado.
A face superior das folhas é de um verde azulado, com glândulas que exalam os óleos aromáticos responsáveis pelo seu odor característico; a face inferior apresenta uma coloração mais clara. As folhas caulinares são menos divididas que as basais as quais apresentam por vezes segmentos muito pequenos.

As flores da Ruta chalepensis reúnem-se em inflorescências totalmente glabras e pouco densas, do tipo cimeira, ou seja: o pedúnculo principal termina numa flor e logo abaixo da primeira flor, junto à axila das brácteas que a protegem, emergem novos eixos em cujo ápice surgem mais flores, repetindo-se este processo 2 ou mais vezes.
Sob o ponto de vista reprodutor, as flores são monoclínicas (também chamadas hermafroditas) pois reúnem os dois sexos: gineceu com 4 carpelos e androceu com 8 estames livres, ligados ao disco nectarífero.

O cálice é constituído por 4 sépalas e a corola é formada por 4 pétalas de cor amarela, as quais são franjadas nas bordas. Contudo, acontece frequentemente que a flor central, ou seja a primeira a abrir, tenha 5 pétalas (neste caso existirão 5 carpelos no gineceu e os estames serão 10 pois nesta espécie existem tantos estames quantas pétalas + sépalas). Devido à sua localização os estames amadurecem em duas etapas. Isto é, metade dos estames estão inseridos em frente às sépalas e são estes os primeiros a abrir; só depois abrem os restantes estames que se situam na curva das pétalas.

Esta espécie floresce e frutifica de abril a agosto.
Os frutos são cápsulas secas e ovóides de aspeto rugoso cujo ápice se fende em 4 ou 5 partes, cada uma das quais contém várias sementes acinzentadas.

As várias espécies de arrudas podem confundir-se pois a folhagem é bastante semelhante (diferindo apenas no tamanho) e o azulado das folhas é característico. Contudo não é difícil diferenciar a Ruta chalepensis das restantes espécies de arruda. Por exemplo, tanto as flores da Ruta chalepensis como as da Ruta angustifolia apresentam pétalas franjadas mas as inflorescências da R. chalepensis são completamente glabras (sem pelos) enquanto as da R. angustifolia têm pelos na parte superior. Compare AQUI.
Os frutos da Ruta chalepensis abrem em lóbulos cujos ângulos são pontiagudos enquanto os da Ruta graveolens são arredondados, além de que esta ultima tem flores de pétalas arredondadas e inteiras. Veja AQUI.
Os segmentos das folhas da Ruta montana são muito mais estreitos, praticamente lineares. Veja AQUI.  

Ao longo dos seculos, não só as arrudas têm curado as doenças do corpo como também têm servido de lenitivo aos males do espirito, através da crença em propriedades catalisadoras de energias positivas.
Nos primórdios do catolicismo, raminhos de arruda eram utilizados para aspergir os fiéis com água-benta. Durante a Idade Média, a arruda consolidou a sua fama e os raminhos de arruda eram utilizados como coadjuvantes nos rituais católicos de exorcismo que geralmente se realizavam ao domingo, pelo que chamavam à arruda, erva-da-graça. As arrudas ainda hoje continuam muito ligadas à cultura popular e são usadas, de diferentes formas, para atrair a felicidade afastando as invejas e o mau-olhado.
As arrudas também foram fonte de inspiração para poetas e pintores de arte clássica. William Shakespeare refere-se à arruda em “Ricardo III” e também em “Hamlet” no 4º ato, cena 5 através da voz de Ophelia:
…”
There’s fennel for you, and columbines.
There’s rue for you, and here’s some for me.
We may call it “herb of grace” o' Sundays
…”
(Para vós, funcho e aquilégia, arruda para vós, e um pouco para mim, também. Poderemos chamar-lhe erva da graça dos domingos...)




O vendedor de arruda

Jean-Baptiste DeBret – Litografia / Viagem Pitoresca e Histórica do Brasil
Também o pintor francês do seculo XIX Jean Baptiste DeBret, publicou uma serie de litografias denominadas “Viagem Pitoresca e Histórica do Brasil” em que documentou aspetos da sociedade brasileira da época, colocando em especial evidencia a vida dos escravos negros trazidos de África. Numa dessas litografias DeBret retrata o comércio da arruda realizado pelos escravos africanos. Os raminhos de arruda eram usados como amuleto da sorte e como anticoncecional e abortivo, não só pelas escravas negras mas também pelas mulheres brancas.
É IMPORTANTE SABER:
Nenhum tratamento com arrudas deve ser feito sem supervisão adequada pois certos componentes são tóxicos e cumulativos podendo causar lesões irreversíveis, levando mesmo à morte. O próprio manuseamento das plantas deve ser feito com cuidado pois pode causar inflamações cutâneas, sobretudo em presença da luz solar.


Fotos de Ruta chalepensis: Serra do Calvo/Lourinhã