"O grande responsável pela situação de desequilíbrio ambiental que se vive no planeta é o Homem. É o único animal existente à face da Terra capaz de destruir o que a natureza levou milhões de anos a construir"





quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Polygonum aviculare L.

Nomes comuns:
Centonódia, erva-da-ferradeira, erva-da-muda, corriola-bastarda, 
erva-dos-passarinhos, erva-da-saúde, erva-das-galinhas, 
língua-de-perdiz, persicária-sempre-noiva, 
sanguinária, sanguinha, sempre-noiva-dos-modernos.


Polygonum aviculare é a terceira espécie do género Polygonum (familia Polygonaceae) que encontrei nesta região, juntando-se a outras duas já aqui referenciadas, nomeadamente Polygonum maritimum e Polygonum lapathifolium.
Polygonum aviculare é uma espécie nativa da Europa ou Eurásia. No entanto, hoje em dia é uma das plantas mais disseminadas no planeta. Esta distribuição generalizada é atribuída a várias características da planta, nomeadamente o elevado polimorfismo genético, grande plasticidade fenotípica, produção prolífica de sementes, múltiplos meios de dispersão de sementes, formação de um banco de sementes persistente e alelopatia (estratégia que consiste na produção de substancias químicas que impedem a emergência ou sobrevivência de outras plantas nas proximidades).


Polygonum aviculare é uma planta anual cujo período de floração vai de março a novembro, dependendo da localização. É, principalmente, uma infestante das culturas de primavera e um dos problemas mais sérios na grande variedade de culturas dos climas temperados, sendo uma das poucas ervas que são igualmente abundantes entre as culturas cerealíferas e as culturas de folhas larga, nomeadamente os legumes. É muito frequente em hortas, especialmente em climas mediterrânicos, também em pastagens e viveiros. Prefere os solos nitrogenados e algo húmidos mas também ocorre em espaços urbanos, nas rachas dos pavimentos, em solos pobres e compactados onde outras plantas encontram dificuldades em sobreviver. 

Em Portugal continental, onde é autóctone, ocorre em quase todo o território sendo mais rara no Alentejo. Também é nativa no arquipélago da Madeira, mas é exótica nos Açores.


Tal como as outras espécies do seu género os caules herbáceos são formados por nós e entrenós. Os caules desta espécie não têm pelos e são geralmente decumbentes, ou seja, desenvolvem-se sobre o solo apenas com a extremidade ascendente. Estes caules são bastante longos, podendo atingir cerca de 1 metro de comprimento, por vezes formando grandes tapetes. 


Os caules apresentam estrias longitudinais e ramificam-se quer na base quer nos nós que entram em contacto com o solo.  Também esta espécie apresenta duas estipulas membranosas que estão unidas e enroladas em torno dos caules nos nós, no ponto onde se inserem as folhas, escondendo o curto pecíolo e formando uma estrutura cilíndrica denominada ócrea. 

Ócrea

A ócrea de Polygonum aviculare é transparente, por vezes de aparência esbranquiçada e os dois segmentos que a constituem são longos, estreitos e pontiagudos.


As folhas inserem-se de forma alternada mas variam em tamanho e forma na mesma planta, podendo ser lanceoladas ou elípticas com ápice agudo ou arredondado. São de cor verde ou verde-acinzentado ou glaucas, inteiras e glabras.


As flores são muito pequenas e nascem na axila das folhas, estando muitas vezes parcialmente envolvidas pela ócrea. Tanto podem ser solitárias como crescerem em grupos pouco numerosos de 2 a 8 flores. Estas inflorescências podem distribuir-se equitativamente ao longo dos caules ou ser mais numerosas na parte superior dos mesmos.


O perianto de cada flor é constituído por 5 lóbulos em que sépalas e pétalas são indistintas sendo, por isso, denominados tépalas. As tépalas têm forma oblonga e são verdes com margens brancas ou rosadas e estão parcialmente unidas pela base, formando um tubo que encerra os órgãos reprodutores, masculinos e femininos.
A maioria das fontes sugere que esta espécie se reproduz por autofecundação. Contudo, a presença de flores abertas indica que também pode ocorrer a polinização cruzada. Existem registos de visitas a estas flores por mais de 36 tipos de insetos que se alimentam do néctar. Tendo em conta o hábito prostrado de muitos dos caules e a consequente existência de flores ao nível do solo, os insetos que visitam esta planta tanto podem ser voadores como terrestres.

Numa mesma planta existem flores cleistogâmicas (flores fechadas, de autofecundação obrigatória) e flores casmogâmicas (flores abertas em que predomina a polinização cruzada). No que diz respeito às flores casmogâmicas, apenas uma flor abre de cada vez em cada uma das inflorescências. A ântese ocorre de manha cedo e cada flor permanece aberta durante um período variável que vai de 1 a 4 dias, fechando definitivamente ao fim do dia. Estes dois tipos de flores partilham características comuns. 

O ovário tem 3 estiletes muito curtos que terminam em estigmas com a ponta arredondada. O ovário posiciona-se sobre um pequeno pedúnculo (ginóforo) compreendido entre o androceu e o gineceu, de forma que os estigmas alcançam o mesmo nível dos estames do círculo interior.

Os estames organizam-se em dois verticilos (5 num circulo interior e 3 num circulo exterior) e o seu número total varia entre 5 e 8 porque ocasionalmente o verticilo exterior não existe. Os 5 estames interiores têm filetes engrossados com bases achatadas e são mais compridos que os 3 estames exteriores os quais tem filetes filiformes. De notar que o numero de estames pode alterar-se durante o período vegetativo. 

As flores autopolinizam-se quando os estames internos se curvam sobre os estigmas. Os restantes estames alternam com os segmentos do perianto e dobram-se para fora garantindo assim a polinização cruzada se qualquer inseto visitar a flor. 
Estas flores podem ser consideradas protândricas (quando as anteras ficam maduras e libertam o pólen antes de os estigmas se tornarem recetivos) embora normalmente ocorra um curto período em que as fases férteis masculinas e femininas se sobrepõem. Quando as tépalas se fecham e os estames são forçados a entrar em contacto com os estigmas, regista-se um lapso de tempo em que as flores ainda não polinizadas têm uma segunda oportunidade, ocorrendo então a autopolinização. 

Os nectários habitualmente bem desenvolvidos noutras espécies de Polygonum não existem em Polygonum aviculare, mas regista-se a presença de néctar o que leva a crer que o mesmo poderá ser segregado pelas células da base dos filetes estaminais.

Sementes de Polygonum aviculare. Foto de RASBAK (pormenor)
Fonte Wikimedia Commons
As sementes são aquénios que se desenvolvem envolvidos pelas tépalas que formam o perianto e nele permanecem inclusos ou ligeiramente exsertos na maturação. Têm cor castanha mais ou menos escura e são triangulares, com as faces concavas.
Uma só planta de Polygonum aviculare pode produzir entre 125 a 6400 sementes dependendo da disponibilidade de recursos e o nível de competição com outras espécies. Estas sementes são muito resistentes, quer ao pisoteio, quer aos ácidos digestivos dos animais que as ingerem e também são impermeáveis à ação da água. A dispersão é feita por aves, mamíferos e também pela água. Podem ainda ser levadas para outros locais pela maquinaria agrícola.
Estes aquénios entram em dormência com o calor. Assim, necessitam de ser submetidos ao frio do inverno para poderem germinar, sendo que as temperaturas baixas quebram a dormência ao passo que as temperaturas altas do verão a reforçam.
As plantas começam a produzir sementes cerca de dois meses após a germinação.

Polygonum aviculare é definida como uma espécie altamente polimórfica. Existem consideráveis variações genéticas nos seus hábitos de crescimento, floração, número de sementes e tempo de vida. Devido à sua extensa plasticidade fenotípica diferentes variedades têm sido descritas e consideradas como espécies separadas. Assim, tem sido sujeita a diversas classificações taxonómicas ao longo dos anos. Algumas autoridades consideram a divisão de Polygonum aviculare em varias subespécies, enquanto outras a identificam como uma única espécie, embora muito polimórfica. De forma geral, as subespécies descritas são muito difíceis de diferenciar. As diferenças  relacionam-se com a forma das folhas (mais estreitas ou mais largas), a constância no tamanho das folhas (mesmo tamanho ou tornando-se mais pequenas à medida que se aproximam do topo dos caules), o comprimento relativo das tépalas e a forma do seu ápice (encapuzado ou plano).

O nome específico aviculare vem do latim aviculus, diminutivo de avis (= uma ave), referindo-se ao facto destas sementes servirem de alimento a muitos dos nossos pequenos pássaros.


Polygonum aviculare é, desde há muito, utilizada como planta medicinal. Na literatura especializada foi classificada como "analgésico, antipiretico, antisséptico, adstringente, colagogo (com ação sobre a vesícula biliar), emoliente, diurético, emético, expectorante, hemostático, laxante, tónico, vasoconstritor, vermífugo e vulnerario". A erva tem efeitos benéficos contra problemas cardiovasculares, infecções (Tunon et al., 1995) e deficiências de imunidade (Plachcinska et al., 1984; Stajner et al., 1997). Consequentemente, a erva é um dos ingredientes usados em suplementos comercializados para tratar doenças relacionadas. Contém produtos químicos antimicrobianos gerais (Cowan 1999), glicosídeos, flavonóides, mucopolissacarídeos (Wren 1992; Kim et al. 1994; Vysochina 1999; Smolarz, 2002).
Fotos: Zambujeira e Serra do Calvo/Lourinhã