"O grande responsável pela situação de desequilíbrio ambiental que se vive no planeta é o Homem. É o único animal existente à face da Terra capaz de destruir o que a natureza levou milhões de anos a construir"





quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Scorpiurus L.

Scorpiurus muricatus L.
Nomes Comuns:
Cornilhão; cornilhão-fino; cornilhão-liso; cornilhão-pequeno; cabreira
Fruto imaturo de Scorpiurus muricatus
Scorpiurus muricatus é uma pequena leguminosa, nativa da região mediterrânica.
Encontra-se em matagais, pastagens e terras não cultivadas ou em pousio de cultivo de cereais, até 1200 mt acima do nível do mar. Também aparece na beira dos caminhos, dunas e arribas costeiras. Embora não seja esquisita com o tipo de substrato, nota-se uma preferência por solos com baixo teor de calcário e alta em teores de sódio e de magnésio. Pertence à família Fabaceae, tradicionalmente denominada Leguminosae.
O seu ciclo de vida é anual e o crescimento prostrado. Os múltiplos caules são herbáceos, sólidos, cilíndricos e ligeiramente pubescentes. Os caules principais, a partir dos quais se desenvolvem os secundários, despontam diretamente do entrenó situado entre os cotilédones (primeiras partes que se veem quando a semente germina, semelhantes a folhas e que contêm reservas nutritivas) dispondo-se de forma radial para formar uma moitinha baixa e arredondada.
Geralmente as folhas das leguminosas são compostas ou seja, o limbo está subdividido em vários folíolos. Contudo, a espécie Scorpiurus muricatus - assim como todas as espécies do mesmo género - têm folhas inteiras, o que pode ser também interpretado como sendo folhas unifoliadas ou seja, reduzidas a um único folíolo. Estas folhas apresentam forma muito variável, podendo ser elípticas, espatuladas ou oval-lanceoladas, ligeiramente pubescentes no limbo de ambas as páginas e também nas margens. As características estipulas, sempre presentes nas leguminosas, são longas, de forma triangular e membranáceas. Os pecíolos que ligam as folhas ao caule são bem desenvolvidos e assemelham-se a caules devido à sua forma alongada.
As flores, de 8 a 12 mm, podem ser solitárias mas geralmente dispõem-se em grupos de 2 a 5, sobre pedúnculos de seção quadrangular, duas vezes mais compridos que a folha axilante.
De forma característica, a corola é papilionácea, sendo constituída por 5 pétalas, uma maior e situada na parte superior (o estandarte), duas laterais (as asas) e duas situadas na parte inferior e que estão unidas (a quilha).  A base das pétalas das asas e da quilha estão envoltas entre si formando um tubo onde se encontram encerrados os órgãos reprodutores masculinos e femininos. Os estames são 10, 9 dos quais estão unidos pelos filetes e o restante é livre e mais comprido.
Na generalidade das leguminosas, a diferente morfologia das pétalas corresponde a funções diferenciadas e complementares que resultam numa estratégia altamente especializada no que diz respeito à polinização por insetos, facilitando a polinização cruzada. O estandarte, sendo maior, é o fator de atração visual para os insetos e as asas funcionam como plataforma de aterragem. Quando os polinizadores pousam nas asas, a quilha baixa e em consequência, os estames e estigma ficam expostos ao corpo do inseto, permitindo que se faça a troca de pólenes.
Contudo, no caso desta espécie e outras do mesmo género, estudos realizados por Dominguez & Galiano e publicados pelo Dept.Botânica da Faculdade de Ciências da  Universidade de Sevilha comprovaram que a fecundação se realiza por autogamia (a flor é fecundada pelo seu próprio pólen). Uma vez que a autofecundação é levada a cabo em fases muito precoces do desenvolvimento do botão, antes da abertura da flor, as possibilidades de haver polinização cruzada são muito reduzidas. Esta situação é comum a todas as espécies, subespécies e variedades incluídas no género Scorpiurus.
As peças que formam a corola nascem a partir da base do cálice e estão envolvidas pelas suas 5 sépalas cuja superfície apresenta alguns pelos esparsos. As sépalas estão unidas na parte inferior, formando uma estrutura acampanulada, encimada por 5 dentes desiguais.
Esta espécie floresce e frutifica de abril a junho.
O cálice permanece durante a transformação da flor em fruto
Os frutos característicos das leguminosas são, como sabemos, as vagens e assim acontece também com Scorpiurus muricatus. Contudo, as vagens desta espécie são bastante diferentes das que estamos habituados a ver noutras da mesma família. São longas e cilíndricas, apresentando-se enroladas em espirais irregulares mais ou menos concêntricas e em planos diferentes.

Os frutos são constituídos por segmentos cujas costas exteriores estão cobertas de excrescências geralmente espiniformes e os quais se separam na maturação, cada um deles correspondendo a uma semente em forma de meia-lua. Na maturação estas saliências endurecem,e ficam rijas e espinhosas, o que facilita a dispersão dos frutos pois os espinhos facilmente se agarram ao pelo dos animais, conseguindo ser transportadas para outros locais.
Contudo a morfologia destes frutos é muito variável, podendo ser encontradas variedades que apresentam excrescências arredondadas (veja AQUI) em vez de serem cónicas e delgadas como os espinhos. 
Scorpiurus muricatus pode ser usada como planta de jardim pois faz uma original e bela cobertura de solo, com bonitas flores amarelas e frutos engraçados, embora com o inconveniente de ser temporária, pois se trata de uma planta anual. Os frutos jovens são comestíveis, podendo ser adicionados a saladas. Há quem os frite e sirva como aperitivos em cocktails. Apenas os frutos muito jovens e tenros devem ser usados, caso contrário apenas servem de enfeite.
Scorpiurus muricatus é autóctone de Portugal Continental e arquipélago da Madeira. É inexistente nas ilhas dos Açores.
Distribuição de Scorpiurus muricatus em Portugal Continental
Fonte: Jardim Botânico da UTAD
Scorpiurus muricatus pertence ao género Scorpiurus, o qual é caracterizado pelos seus engraçados frutos enrolados que nem lagartas eriçadas de picos, alegremente ocupadas em exercícios de contorção.Todas elas são espécies mediterrânicas e estendem-se desde o sul da Europa até ao norte de África. As representantes deste pequeno género apresentam um grande polimorfismo, o que tem dado origem a grande controvérsia no que toca à separação e respetiva classificação em espécies, subespécies e variedades. Dependendo dos autores e das interpretações que fizeram dos estudos por eles efetuados, este género pode incluir 4 espécies* (S. vermiculatus, S. muricatus, S. subvillosus, S. sulcatus) ou apenas 2 (S. vermiculatus e S. muricatus), sendo as restantes subespécies ou variedades de S.muricatus.
Embora a classificação de S. vermiculatus não ofereça dúvidas pois está claramente definida e o seu fruto bem identificado, não tem sido possível delimitar, de forma satisfatória, as outras 3 espécies . De notar que estes 3 taxa (Scorpiurus muricatus, Scorpiurus sulcatus e Scorpiurus subvillosus) partilham o mesmo número de cromossomas (2n= 28) enquanto  Scorpiurus vermiculatus tem um número diferente de cromossomas, ou seja 2n =14.
Tournefort (1719) foi o primeiro a organizar este género no qual incluiu 6 espécies sob o nome Scorpioides devido à semelhança da vagem contorcida e segmentada com a cauda de um escorpião (e também porque se julgava que esta planta funcionava como antidoto para a mordedura do referido animal). 
Lineu (1753) ajustou o nome para Scorpiurus (do grego “Skorpios” = escorpiao e “ourá” = cauda) e reduziu o número de espécies para 4*. Contudo, Lineu não estava completamente satisfeito com esta classificação, vindo a demonstrar alguma indecisão numa nota apensa à descrição de Scorpiurus, em que declarou que as dificuldades em delimitar estas espécies tinham a ver com o fator evolutivo e que na sua opinião as espécies Scorpiurus tinham evoluído a partir de uma única e por conseguinte deveriam ser consideradas como uma única espécie.
No pós-Lineu originou-se uma grande confusão, com muitos autores a descreverem novas espécies sobretudo com base na diversa morfologia dos frutos. Posteriormente a situação estabilizou, com outros autores (Brotero, 1804; Fiori, 1900; Thellung, 1912) a considerarem apenas duas espécies Scorpiurus muricatus e Scorpiurus vermiculatus nas quais estariam incluídas as restantes taxa, em categorias infraespecificas, nomeadamente subespécies e variedades.
Desde então têm sido feitos diversos estudos na tentativa de acertar com a taxonomia deste género. Dominguez & Galiano (1974) e (Talavera & Dominguez, 2000) in Flora Iberica, reconhecem como válidas as 4 espécies estabelecidas por Lineu.
Contudo, estudos mais recentes (Mabberley 2008, Sell & Murrell 2009) apenas reconhecem duas espécies: S. muricatus e S. vermiculatus. Todos os outros taxa são agora incluidos por varias entidades, como é o caso da Flora Europaea (Tutin et al., 1968), numa categoria infraespecífica, a maior parte delas classificadas como subespécies ou variedades de S. muricatus

Com base no acima exposto parece que este assunto é quase como a “pescadinha de rabo na boca” ou mais apropriadamente dizendo, de cauda retorcidada de escorpião. É que, a questão levantada por Lineu em 1753 continua por resolver e por mais voltas que os autores lhe deem, não há forma de sair do mesmo sitio. Isto é, “no grupo muricatus existem diferenças que, dependendo do peso que lhes é atribuído, levam a que seja considerado um agrupamento de um tipo único ou uma diferenciação em vários tipos”.

Embora a distinção e diferenciação dos diversos taxa só possa ser realizado com algum sucesso a partir de chaves de identificação, deixo aqui algumas das caracteristicas mais óbvias das restantes 3 que estão na base desta controvérsia, em complemento da acima descrita Scorpiurus muricatus, .

Scorpiurus vermiculatus L.
Nomes comuns:
Cornilhão-esponjoso; cornilhão-grosso
Distribuição de Scorpiurus vermiculatus em Portugal Continental
Fonte: Jardim Botânico da UTAD


Scorpiurus vermiculatus é autóctone de Portugal Continental e Madeira mas não está presente no arquipélago dos Açores.
Comparada com as outras espécies do género Scorpiurus, S. vermiculatus é morfologicamente bastante uniforme. Pedúnculos e cálices são muito pubescentes e as flores são geralmente solitárias, de 11 a 14 mm. Os frutos, facilmente identificáveis, são grossos e enrolados em várias espirais concêntricas de forma muito apertada num só plano; estão densamente cobertos de excrescências tuberculadas que são estreitas na base e se dilatam bruscamente no topo, ficando semelhantes a pequenos cogumelos. Na maturação os frutos fragmentam-se em 5 a 8 sementes amareladas ou de forma retangular com arestas arredondadas. 

Veja mais fotos desta espécie  AQUI e fotos das sementes AQUI.

Scorpiurus sulcatus L.

Scorpiurus sulcatus é muito semelhante a S.muricatus, embora com folhas e flores mais pequenas (5 a 8,5 mm) e pedúnculos mais compridos. Os dentes do cálice são geralmente mais curtos que o tubo, ao contrário do que acontece com S. muricatus. A vagem tem enrolamento muito solto, num único plano ou em espiral com 2 voltas, com as costas exteriores sulcadas de espinhos no sentido longitudinal. Sementes são em forma de meia-lua.
Veja fotos desta espécie AQUI.

Scorpiurus subvillosus L.

Scorpiurus subvillosus distingue-se principalmente pelas vagens densamente cobertas de espinhos, enrolando-se de forma irregular formando bolas espinhosas e de aspeto caótico e tridimensional. as vagens fragmentam-se em sementes de cor escura, em forma de meia lua.
Veja fotos do fruto AQUI.

Das 4 espécies acima descritas apenas Scorpiurus subvillosus não se encontra presente no nosso território.

As espécies Scorpiurus são interessantes leguminosas forrageiras. São uma fonte de alimento de grande importância no crescimento e reprodução de animais ruminantes, nomeadamente gado bovino, ovino e caprino, devido à sua riqueza em hidratos de carbono e proteínas.
O alto teor de proteínas das leguminosas deriva da sua capacidade de fixação de nitrogénio da atmosfera, convertendo-o em moléculas proteicas as quais são aproveitadas pela própria planta para seu desenvolvimento e o das plantas em seu redor. Isto acontece devido a uma relação simbiótica com bactérias Rhizobium que se fixam nas raízes das leguminosas através de nodosidades, visíveis a olho nu. Em contrapartida, estas bactérias recebem das plantas os açúcares produzidos durante a fotossíntese. Esta simbiose permite não só a sobrevivência das referidas bactérias mas também que certas espécies possam desenvolver-se, sem problemas, em solos pobres em azoto e matéria orgânica.

Fotos: Caniçal e dunas do Areal Sul/Lourinhã



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