"O grande responsável pela situação de desequilíbrio ambiental que se vive no planeta é o Homem. É o único animal existente à face da Terra capaz de destruir o que a natureza levou milhões de anos a construir"





terça-feira, 6 de junho de 2017

Scrophularia scorodonia L.

Nomes vulgares:
Escrofulária; erva-do-mau-olhado; japão; trolha

Scrophularia scorodonia var. scorodonia
Foto de Javier Martin
Fonte: Wikimedia commons
Scrophularia scorodonia, muitas vezes apelidada de erva-do-mau olhado, já não consta das listas de plantas modernamente “prescritas” como antídoto para invejas, energias negativas e quejandos. Como diz o povo, “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” e até as ervas especializadas em quebrar feitiços podem ser vítimas da modernidade. Também não há duvida que esta planta - em tempos idos, muito usada em fitoterapia tradicional por lhe serem atribuídas propriedades vulnerárias e anti-inflamatórias - passou de moda, tal como tem acontecido a tantas outras que foram caindo no esquecimento. Apesar das suas belas folhas de um tom verde musgoso, facilmente passa despercebida no meio de outras porque as suas flores, apesar de muito interessantes, são pequenas e pouco compactas. Não é, pois, uma planta que se destaque e isso paga-se em falta de popularidade.
Scrophularia scorodonia var. scorodonia - hábito
Scrophularia scorodonia é uma herbácea perene e rizomatosa que vive em habitats húmidos, em situação de pleno sol ou meia sombra, nomeadamente na orla dos bosques, nas margens de rios e ribeiros ou em valas de escoamento de águas da chuva. Não é uma espécie seletiva quanto às condições edáficas e embora mostre alguma preferência por solos moderadamente enriquecidos com nitrogénio não está presente em solos muito fertilizados. 
Scrophularia scorodonia var. scorodonia
É uma espécie essencialmente de climas temperados. A sua distribuição natural estende-se pela Europa atlântica, nomeadamente Sul da Grã-Bretanha, Oeste de França, Espanha,  Portugal (incluindo as ilhas) e também noroeste de Marrocos.
No que diz respeito à Península Ibérica esta espécie apresenta duas formas com caracteres morfológicos bem definidos. São classificadas como variedades por serem variações insuficientes para serem consideradas subespécies. Assim, temos: 
1- var. scorodonia:  
Esta é a variedade mais comum. É nativa de todo o território nacional desde o continente até aos arquipélagos de Madeira e Açores. Esta variedade Integra plantas claramente pubescentes à primeira vista. Os caules, a página inferior das folhas e os pecíolos são densamente pubescentes, com pelos patentes (inseridos segundo um angulo de cerca de 90 graus com o eixo). 
2- var. glabrescens: 
Esta variedade só pode ser encontrada no sudoeste da Península Ibérica onde é endémica. Caracteriza-se pela ausência de pubescência, à primeira vista. Contudo, ao serem observadas ao microscópio nota-se-lhes uma pubescência rala e inconspícua de pelos muito curtos. No que diz respeito a Portugal, a Flora Iberica regista a presença desta variedade no Alentejo e Estremadura.

NOTA:
Não devemos confundir os termos “variedade” e “cultivar” os quais, botanicamente falando, não são sinónimos.
Variedade (var.) é um grau dentro da escala taxonómica e que se situa abaixo de espécie. 
Cultivar, sendo usado como substantivo, refere-se a uma variedade híbrida obtida mediante cultivo (do inglês, contração das palavras cultivated + variety).

Scrophularia scorodonia var. scorodonia:
Distribuição em Portugal continental de Scrophularia scorodonia var . scorodonia
Fonte: Flora Digital de Portugal
Jardim Botanico da UTAD
Scrophularia scorodonia var. scorodonia tem caules ascendentes ou eretos, de seção quadrangular, pouco ramificados e densamente pubescentes. O seu crescimento varia entre os 25 e os 150 cm de altura.
Scrophularia scorodonia var. scorodonia - caule
Foto de 
Kriss de Niort
Fonte
As folhas dispõem-se nos caules de forma oposta, aos quais se ligam por pecíolos curtos, embora mais compridos nas folhas inferiores que nas superiores.
Scrophularia scorodonia var. scorodonia - folhas
As folhas são inteiras, com limbo rugoso de cor verde-escuro, de forma ovado-lanceolada ou triangular-lanceolada, com ápice agudo e a base em forma de coração. As margens são duplamente recortadas, geralmente crenadas. As nervuras são muito marcadas e distribuem-se no limbo de forma muito abundante e reticulada, ou seja, cruzando-se umas sobre as outras. A página superior das folhas pode ser glabra ou escassamente pubescente mas a página inferior apresenta pelos longos e bastos, sobretudo ao longo das nervuras.
Scrophularia scorodonia var. scorodonia
As flores dispõem-se em inflorescências que crescem na axila de brácteas foliáceas. As inflorescências estão bem apartadas umas das outras e são do tipo cimeira, situação em que o eixo principal ou pedúnculo é de crescimento limitado terminando numa flor. Neste caso temos cimeiras bíparas ou dicásios pois abaixo da flor terminal, nas axilas das duas bractéolas subjacentes e que ultrapassam em crescimento o eixo principal desenvolvem-se dois eixos laterais opostos que também terminam numa flor. Este padrão repete-se nos eixos inferiores laterais, formando dicásios compostos. As primeiras flores a abrir são as que se encontram no topo da inflorescência.
Os pelos que cobrem os pedúnculos são finos, curtos, por vezes ligeiramente mais longos e cerdosos.
As brácteas assemelham-se às folhas e são mais compridas que os pedúnculos.
As bractéolas, com cerca de 1 cm, são linear-lanceoladas, densamente pubescentes ou hispidas, glandulosas, muito mais curtas que as cimeiras.
Scrophularia scorodonia var. scorodonia

Emergindo do interior da flor é bem visível o estigma, ansiando pela fertilização.

As flores são pequenas e fazem lembrar um animalzinho curioso e atrevido. 
A corola é composta por 5 pétalas orbiculares com as margens membranáceas, firmes e translucidas que se unem formando um tubo curto e globoso. Este abre-se para o exterior de forma peculiar: duas pétalas de cor purpura, separadas apenas na parte superior, formam o chamado lábio superior e erguem-se como se fossem duas orelhas arrebitadas; as restantes pétalas, de cor purpúreo-esverdeadas, estão dobradas para baixo deixando bem à vista os órgãos reprodutores. 
Scrophularia scorodonia var. scorodonia
As flores apresentam órgãos de reprodução masculinos e femininos e são polinizadas por insetos que recolhem o néctar segregado numa estrutura em forma de anel situada na base da corola aberta, entre o androceu e o gineceu.
Scrophularia scorodonia var. scorodonia
Para impedir a fertilização pelo seu próprio pólen estas flores socorrem-se de uma estratégia que consiste na separação temporal entre as funções masculinas e femininas. Mais especificamente, os órgãos sexuais femininos são os primeiros a amadurecer e a entrarem em atividade. Só quando estes deixam de estar recetivos é que é libertado o pólen.
O androceu consta de 4 estames férteis com anteras amarelas e ainda um estaminódio bem visível na abertura da corola, unido às pétalas do lábio superior e cuja estrutura é ligeiramente mais larga que comprida, arredondada ou elíptica, escamosa e esverdeada, podendo tornar-se avermelhada. O estaminódio é uma estrutura vestigial de um estame que por uma qual quer razão, perdeu a sua função original de produzir pólen.
Scrophularia scorodonia var. scorodonia
Embora cerca de 30% dos géneros da família Scrophulariaceae (a que pertence Scrophularia scorodonia) possua estaminódios ainda não foi possível determinar o padrão evolutivo destas estruturas que, dependendo das espécies, podem ser pequenos, grandes ou enormes. É provável que as espécies que possuem estaminódios de menor tamanho os venham a perder, estando eles condenados a desaparecer no seu processo de evolução. Contudo, parece que os estaminódios de maior tamanho estão a assumir novas funções. Ao contrário do que se podia pensar, não prejudicam a coleta de néctar nem alteram o tempo de visita do inseto polinizador, podendo até ser benéficos, atuando como barreira à entrada de chuva e evitando uma possível diluição do néctar. Além disso, uma vez que o seu posicionamento e tamanho permitem a sua visualização do exterior, passaram a ser mais um ponto de interesse e de atração para os polinizadores, aumentando o seu número de visitas e elevando o êxito reprodutivo da flor com a consequente incremento na produção de sementes. A dúvida que ainda permanece é se este órgão adquiriu uma nova função ou se está em processo de desaparecimento.

O gineceu consiste num único pistilo dividido em 2 carpelos, um único estilete e um ovário superior com 2 lóculos.
Scrophularia scorodonia var. scorodonia
Pormenor do 
cálice.
O cálice é composto por 5 sépalas ovais, de cor verde-claro, mais ou menos peludas e com a margem membranácea, inteiras ou ligeira e irregularmente dentadas.

A planta floresce e frutifica de março a junho ou julho.
O fruto é uma cápsula ovóide, mais comprida que o cálice dentro da qual existem numerosas e pequeníssimas sementes de cor escura.

Scrophularia scorodonia pertence ao género Scrophularia que engloba cerca de 200 espécies (Fischer 2004) e é um dos géneros mais importantes da família Scrophulariaceae. Distribui-se pelas zonas temperadas dos dois hemisférios, com maior concentração de espécies no sudoeste asiático. Muitas das espécies incluídas  em Scrophularia contêm propriedades medicinais e como tal, foram usadas durante séculos para combater diversas patologias como a sarna, eczema, psoríase, ulceras da pele e principalmente a escrófula (inflamação dos gânglios linfáticos do pescoço, associada à tuberculose) nome que, a partir do correspondente termo em latim “scrofula”, deu origem à designação do género e da respetiva família.
Muitas das espécies de Scrophularia são usadas como alimento pelas larvas de algumas Lepidoptera. Não raramente, este tipo de borboletas restringe a sua alimentação a um único tipo de planta, pelo que o seu desaparecimento de uma determinada área trará consequências graves para a sobrevivência das espécies que dela se alimentam. 

A família Scrophulariaceae foi recentemente reorganizada, tendo perdido muito dos seus membros. Numerosos estudos de filogenia (relação evolutiva entre as espécies) com dados moleculares demonstraram que determinados géneros não tinham afinidade genética com esta família, pelo que foram transferidos para outras, principalmente Plantaginaceae e Orobanchaceae. Tradicionalmente, esta família agrupava 5000 espécies divididas em 275 géneros. Consideravelmente emagrecida após o reajuste, a família Scrophulariaceae tem agora 65 géneros que totalizam aproximadamente 1700 espécies, com distribuição mundial. A importância económica desta família reside principalmente na indústria de plantas ornamentais.

Fotos do blogue: Zambujeira e Areia Branca /Lourinhã





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