quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Prunella vulgaris L.


Nomes comuns:
Consolda-menor; brunela; prunela; erva-férrea; erva-das-fridas

Prunella vulgaris. Fonte: Wikiwel
A protagonista de hoje é Prunella vulgaris, uma espécie da família Lamiaceae = Labiatae, popularmente denominada família das mentas. Esta erva é comestível e medicinal, podendo ser encontrada em diversas regiões do território português como espécie nativa, seja no continente ou nos arquipélagos de Madeira e Açores. Já foi famosa em tempos e indispensável no alívio de qualquer tipo de maleita, gozando de enorme protagonismo entre a grande variedade de mezinhas que fazem parte da medicina popular. Com a chegada dos produtos farmacêuticos de ação instantânea foi caindo no esquecimento popular e a fama das suas virtudes diluiu-se no tempo, como aconteceu a tantas outras plantas que tão úteis foram aos nossos antepassados. Na dieta das populações também se usavam as folhas, cruas ou cozidas, em saladas, sopas, estufados ou segundo a imaginação e criatividade de cada um. O seu sabor é amargo devido aos taninos presentes na composição dos seus tecidos, mas este travo pode ser suavizado através do truque de escaldar previamente as folhas.
Prunella vulgaris
O seu uso em medicina tradicional é antiquíssimo, tendo sido mencionado pela primeira vez na literatura médica chinesa durante a dinastia “Hanocidental” (206 a.C.-22 d.C.). A fama das suas qualidades terapêuticas chegou, entretanto, a todas as partes do globo e durante séculos foi remédio aconselhado para praticamente todas as maleitas conhecidas do Homem. Os anglo-saxões, com o espírito prático que os caracteriza foram diretos ao assunto, chamando-lhe “heal-all” e "self-heal" o que se traduz, respetivamente por “tudo-cura” e "cura-te a ti próprio", numa clara alusão à facilidade em encontrar o que achavam ser a cura para todos os males, sem necessidade de conselho médico.
Tendo-se tornado uma panaceia quase universal, em medicina ocidental esta erva era principalmente usada externamente para tratar lesões menores como feridas, queimaduras, contusões e ulceras da boca, dores de garganta, inflamação dos olhos e sangramentos, enquanto na medicina chinesa, era usada sobretudo para tratar queixas do foro hepático, atuando como estimulante do fígado e da vesicula biliar. Estudos recentes demonstram e confirmam a ação do ácido rosmarinico presente na composição quimica da planta, na redução de radicais livres ao nível das células hepáticas, preservando a integridade estrutural e funcional do figado.
Todas as partes da planta são medicinais e são usadas principalmente pela sua ação analgésica, antissética, adstringente, antibiótica, antiespasmódica, anti-inflamatória, antitumural, cicatrizante, carminativa, depurativa, diurética, hemostática, febrífuga, hipotensiva, sedativa, vermífuga, vulneraria e tónica. Entretanto, estudos recentes referentes ao uso da planta no tratamento de herpes, cancro, sida, problemas de alergias e diabetes, parecem prometedores. Assim, muitos dos benefícios lendários desta planta parecem estar a ser cientificamente suportados. 
Os constituintes químicos principais incluem taninos, ácido betulinico, acido canfórico, delfinidina, hiperoside, ácido oleanólico, ácido rosmarinico, ácido mirístico, ácido ursolico, ácido laurico, manganês,  beta-sitosterol e lupeol.
Além dos usos medicinais, Prunella vulgaris pode ser bastante interessante como planta ornamental atapetante, sobretudo em jardins de pedra ou do tipo silvestre, os quais podem mimetizar a natureza e valorizar a paisagem natural. As cores vibrantes das suas inflorescências em tons de roxo, violeta e verde tornam-na muito atraente, além de ser muito melífera. 
Prunella vulgaris
Esta planta requer climas temperados e dá-se bem em pleno sol mas é em situações de sombra parcial que melhor se desenvolve. Cresce em qualquer tipo de substrato e as suas necessidades de humidade são muito variáveis. Embora preferindo o pé bem húmido, uma vez bem estabelecida tolera situações ocasionais de alguma escassez de água, como acontece no fim do verão nas regiões mediterrânicas. De forma geral, encontramo-la em ambientes antropogénicos, em lugares húmidos como a beira de ribeiros, prados, lameiros, clareiras das florestas e pastagens. Nestes lugares cresce até aos 40 ou 60 cm de altura. Também pode aparecer em relvados onde, devido aos constantes cortes poderá não exceder os 5 cm de altura. Em certos locais esta planta é tão comum que mal damos por ela, sobretudo porque a determinada altura os caules vergam com o seu próprio peso e se misturam com as outras plantas.
Prunella vulgaris - Caule subterrâneo, raízes e gemas em fase de abrolhamento

Prunella vulgaris é uma erva perene, ereta ou rastejante, cuja altura varia entre os 5 e os 60 cm. Frequentemente os caules não aguentam o seu próprio peso e descaiem atingindo o solo onde enraízam nos nos pontos onde os nós tocam no substrato, dando origem a novas plantas.
A parte subterrânea desta planta caracteriza-se pela existência de um estreito rizoma, ou seja um ligeiro engrossamento de caules subterrâneos cuja missão é fazer reserva de nutrientes. Estes rizomas formam raízes finas que não só fixam a planta ao solo como também servem para absorver água e sais minerais entre outros compostos necessários ao desenvolvimento da planta. Estes rizomas têm a faculdade de se expandir, crescendo paralelamente em relação ao solo, produzindo, a determinados espaços, nós com gemas. A partir destas gemas surgem novas raízes e folhas, dando origem a novas plantas. Os caules aéreos têm seção quadrangular e a sua cor é avermelhada, apresentando alguns pelos dispersos que vão desaparecendo à medida que a planta envelhece. 
Prunella vulgaris - caules de secção quadrangular com folhas opostas
Os caules são relativamente pouco ramificados e as folhas, também pouco abundantes. As folhas dispõem-se de forma oposta nos caules e possuem pecíolos que podem ser longos ou curtos; o limbo é de cor verde-escura com a página inferior mais clara; a sua forma é ovada ou ovada-lanceolada, com margens inteiras ou com recortes arredondados.
Prunella vulgaris - folhas

Cada folha apresenta uma nervura central com 3 a 7 nervuras secundárias. Podem ter alguns pelos nas margens ou no veio mais proeminente na pagina inferior ou apresentarem-se glabras.
Esta planta é facilmente identificável pelas suas inflorescências as quais formam uma estrutura semelhante a uma espiga grossa e circular denominada verticilastro. Este tipo de estrutura floral, em que as flores se acomodam em camadas em redor de um eixo floral como se fossem anéis, é muito comum entre as espécies da família Lamiaceae/Labiate.
De notar que durante a época de floração o eixo floral da inflorescência continua a crescer pelo que novos anéis de flores vão sendo acrescentados. No entanto, as flores, cálices e brácteas vão diminuindo de tamanho da base para o ápice da inflorescência, pelo que o diâmetro da “espiga” é menor no ápice do que na base.
As flores de Prunella vulgaris, protegidas pelos respetivos cálices e brácteas, posicionam-se em redor do eixo em grupos de 3 a 6 conjuntos bastante compactados e coloridos em que predominam as cores verde, purpura e violeta. 
Cada flor está protegida por duas brácteas de cor verde semelhantes a folhas, mas diferentes das folhas caulinares pois têm forma largamente ovada e margens providas de longos cílios brancos; entre a flor e as brácteas situam-se as sépalas, de cor purpura, com forma algo achatada e bordos com 5 dentes rígidos, 3 na parte superior e 2 na inferior. É de dentro das sépalas que surgem os botões florais, de cor violeta que são bem visíveis pois, embora de tamanho diminuto, ultrapassam o cálice em comprimento.
Flores  de Prunella vulgaris - Foto (detalhe) de Michael Gasperl (Migas)
Fonte Wikimedia Commons
As pétalas das flores são zigomorfas ou seja, só são simétricas bilateralmente. Elas estão divididas em dois lobos, formando um lábio superior que é inteiro e côncavo e um lábio inferior subdividido em 3 lóbulos sendo 2 deles estreitos, ladeando o lóbulo central de maior tamanho e que apresenta os bordos dentados. Logo abaixo dos lábios, as pétalas unem-se, formando o tubo da corola que tem a forma de um cone invertido e apresenta um anel de pelos no seu interior.

Prunella vulgaris- detalhes da flor
Foto de Jim Conrad. Fonte Wikimedia Commons
Estas flores possuem órgãos de reprodução masculinos e femininos os quais se formam dentro do tubo da corola. Os 4 estames, organizados em dois pares didínamos (dois grandes e dois pequenos), abrigam-se debaixo do lábio superior. 
Nesta ilustração podemos observar a morfologia particular dos estames que na foto acima é pouco percetivel. Cada um dos filetes se divide em dois braços, um deles com antera e o outro sem antera e com forma pontiaguda.
Fonte Illustrations of the British Flora 1924
O ovário, situado sobre o nectário, divide-se em 4 partes. A partir do ovário desenvolve-se o estilete que cresce por entre os dois estames mais compridos, dividindo-se em dois braços estigmáticos na parte terminal, prontos a receber o pólen trazido de outras flores.
Embora sendo atraída por múltiplos insetos devido ao néctar que produz, esta planta parece estar adaptada para ser fertilizada por abelhas, sendo estes os únicos insetos capazes de chegar ao néctar que está reservado no fundo da corola. O anel de pelos espessos que se encontra na garganta do tubo da corola impede a entrada a outro tipo de insetos mas permite a entrada dos longos probóscides das abelhas que assim conseguem sugar o precioso alimento, enquanto poisam no lábio inferior da flor. Ao fazê-lo as abelhas entram em contacto com o pólen das anteras posicionadas debaixo do lábio superior da flor.
Prunella vulgaris
Após a polinização as pétalas deixam de ser úteis e murcham, deixando os cálices com aspeto de envelopes abertos. Estes permanecem em função enquanto os frutos se vão formando e amadurecem.

Prunella vulgaris - sementes
Cada flor produz 4 sementes de forma ovóide, lisas e algo brilhantes.
A floração de Prunella vulgaris ocorre durante a primavera e o verão.

O género Prunella a que pertence esta planta inclui 8 espécies nativas do hemisfério norte, das quais 3 estão presentes em território português. Para além de Prunella vulgaris, acima descrita e que está presente tanto no continente como nas ilhas, existem mais duas espécies nativas e presentes apenas no território continental nomeadamente Prunella grandiflora, que difere de P.vulgaris por ter folhas e flores maiores e Prunella laciniata que tem flores brancas.

Este género pertence à família Lamiaceae = Labiatae, comumente conhecida como família das mentas que inclui mais de 3000 espécies distribuídas por uns 200 géneros, dos quais 29 estão presentes em Portugal. É considerada uma das famílias mais evoluídas entre as dicotiledóneas.

Nota:
As angiospermas dividem-se em dois grandes grupos, monocotiledóneas e dicotiledóneas, assim denominadas, entre outras diferenças, consoante o embrião da semente contenha, respetivamente um ou dois cotilédones. Assim sendo, quando uma semente germina as primeiras “folhas” que aparecem são os cotilédones, um no caso de planta monocotiledónea ou dois no caso de dicotiledóneas. Na realidade, os cotilédones são folhas modificadas que servem de reserva alimentar que ajudam a planta a subsistir durante a fase de germinação, geralmente caindo quando surgem as primeiras folhas verdadeiras.

Os membros desta família são espécies arbustivas ou herbáceas e, caso único entre as famílias botânicas, têm a particularidade de todas elas serem aromáticas e apresentarem propriedades medicinais. Ou seja, muitas outras famílias incluem algumas espécies aromáticas e/ou medicinais mas no caso da família das mentas todas as espécies incluem essas características. São especialmente abundantes na região Mediterrânica e uma parte da Ásia de onde são originárias, mas gradualmente foram sendo introduzidas noutras regiões do globo, encontrando-se, hoje em dia, amplamente distribuídas. Entre os exemplares mais conhecidos desta família podemos nomear as hortelãs, as alfazemas, os orégãos, os tomilhos, as salvias, os rosmaninhos, os alecrins e os manjericões, entre muitas outras.
A importância económica das Lamiaceae/Labiatae é, como se calcula, enorme. À parte o uso caseiro e artesanal, as diversas industrias têm tirado bom partido das qualidades ornamentais, aromáticas e medicinais destas espécies. Assim, são vendidas nos viveiros e utilizadas em paisagismo; depois de secas e devidamente empacotadas são vendidas nos supermercados como condimentos ou chás; através de processos sofisticados são retirados os óleos essenciais os quais são utilizados em aromaterapia e na indústria cosmética e farmacêutica.
Apesar de serem cultivadas em muitos lugares do mundo de clima temperado é na região mediterrânica que estas espécies se sentem em casa e onde medram com mais vigor e concentram os melhores aromas. São espécies que gostam de habitats livres, em encostas de solos tantas vezes pedregosos, vivendo entre outras plantas de baixo porte, que não lhes encobrem o pleno sol e tal como elas estão adaptadas à secura dos verões e às chuvas invernais e primaveris tão características do clima mediterrânico. De forma geral, florescem no verão, altura em que se faz a colheita. Curiosamente, a colheita deve ser realizada ao fim da manhã, momento em que apresentam maior quantidade de óleos essenciais.

A família Lamiaceae/Labiatae é uma das maiores famílias de plantas melíferas. A floração é geralmente abundante e as flores, generosas, não regateiam o néctar, parecendo haver tanto mais deste suco açucarado quanto mais visitantes houver. Aliás, parece haver uma especial relação entre estas flores e as abelhas. A morfologia das corolas, que apresentam um lábio superior e um inferior diferenciados, aparenta ser especialmente adaptada ao corpo destes insetos.


Localização das fotos de Prunella vulgaris da autoria deste blogue: Zambujeira/Lourinhã



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