domingo, 21 de abril de 2013

Chamaemelum fuscatum (brot.) Vasc.


Nomes comuns:
Margaça-de-inverno; margaça-fusca

Finalmente, depois de muitas semanas de ausência forçada, eis-me de volta ao inventario e estudo da flora da região onde tenho vivido nos últimos anos.
A chuva abundante e humidade persistente do inverno passado favoreceram uma flora primaveril prolífera, em variedade e cor. Por esta altura, inúmeras espécies florescem alegremente e de forma exuberante, apressando-se a completar os seus ciclos de vida; algumas mais raras, outras nem por isso. E embora me sinta feliz sempre que encontro uma raridade ou alguma espécie ainda desconhecida para mim, mais feliz me sinto ao reencontrar “velhas amigas” que, rebrotando ano após ano, asseguram a necessária continuidade e estabilidade dos ecossistemas; a sua beleza sempre renovada, resistência e capacidade de adaptação já são reconhecidas e esperadas, mas nunca deixam de me surpreender. Estão neste caso os malmequeres, nome genérico pelo qual são conhecidas múltiplas espécies muito semelhantes e por vezes difíceis de distinguir entre si.
Diferentes espécies de malmequeres crescem em campos e beiras de caminhos e rodovias durante praticamente todo o ano, salpicando a paisagem de branco e amarelo e alegrando a alma de quem neles repara. Pertencem à família Asteraceae ou Compositae, a maior família de plantas de flor e talvez a mais conhecida, pois estamos constantemente a cruzar-nos com exemplares que a ela pertencem, tanto nas cidades como nos campos, em praticamente todas as regiões do planeta (margaridas, crisântemos, cardos etc.). No seu todo, a família das Asteraceae/Compositae compreende cerca de 23000 espécies, as quais estão organizadas em 1500 géneros. Quase todas exibem uma certa exuberância que não as deixa passar despercebidas, desde as espécies ornamentais às silvestres, sejam elas grandes e vistosas ou tão pequenas que poderiam passar despercebidas. Muitas das espécies silvestres evoluíram a partir da região mediterrânica enquanto a maior parte das espécies ornamentais tiveram origem na Africa do Sul.
Por estes dias, em que o solo argiloso da região da Lourinhã ainda se encontra saturado de água, a espécie de malmequer que mais se destaca é o Chamaemelum fuscatum, de pétalas brancas e “olho” amarelo. Floresce aqui e ali durante a maior parte do ano, especialmente desde o outono até ao verão mas o grande “boom” regista-se no final do inverno.
Na generalidade, pode encontrar-se em terrenos cultivados ou de pousio mas sempre em locais encharcados ou margens de pequenas ribeiras temporárias e outros locais húmidos. A floração terminará logo que o solo fique ressequido com os primeiros calores da primavera mas o Chamaemelum fuscatum continuará a florescer em pequenas colónias ate ao verão, em locais que se mantenham húmidos, graças às regas.

Esta é uma espécie nativa da região mediterrânica ocidental tendo-se espalhado por outras regiões do globo. Em Portugal encontra-se um pouco por todo o território continental, nas terras baixas, pois não gosta de altitudes superiores a 500 ou 600 metros.
O Chamaemelum fuscatum é uma pequena erva anual que pode ir dos 5 aos 40 cm de altura. É fortemente aromática quando manipulada. Os caules são eretos ou ascendentes, sem pelos e geralmente ramificados na metade inferior onde podem apresentar cor avermelhada.
As folhas são muito recortadas e de aspeto ligeiramente suculento.

A parte interessante desta espécie, assim como de todas as outras incluídas na família das Asteraceae = Compositae, é a inflorescência. Esta apresenta-se solitária no topo de um pedúnculo e aparenta ser uma singela flor mas… não é. Na realidade, cada “flor” não é apenas uma flor mas sim um conjunto delas, todas trabalhando em equipa, unidas no propósito de obter grandes resultados com o mínimo de dispêndio de energia. A estratégia encontrada por estas espécies parece bastante complexa mas na realidade funciona de forma muito simples… ou será ao contrário? De uma ou de outra forma o processo é simplesmente brilhante.
Senão, vejamos: as flores são muito pequeninas e para não passarem despercebidas aos insetos elas começaram por se arrumar, muito apertadinhas, num recetáculo em forma de disco, geralmente amarelo, o qual é rodeado, nesta espécie, por pétalas brancas (noutras espécies podem ser amarelas). Este arranjo floral é comum a todas as espécies da família das Asteraceae, (também chamadas Compostas ou Compositae, pela razão óbvia) e denomina-se capítulo. Em linhas gerais, o capítulo é um tipo de inflorescência composto por flores diminutas em forma de tubo que se agrupam de forma muita compacta sobre um recetáculo em forma de disco ligeiramente hemisférico e que constitui o que chamamos o “olho” do malmequer.
As flores da periferia do disco e apenas essas, estão providas de estruturas alongadas semelhantes a pétalas e que são denominadas lígulas; estas rodeiam as flores do disco e dão-lhe o aspeto de uma única flor. São as flores do centro do conjunto, apertadinhas no seu disco, que vão dar origem às múltiplas sementes pois são férteis, dispondo de órgãos reprodutores femininos e masculinos. As poucas flores da periferia, ou seja as que estão equipadas com pétalas (lígulas) são geralmente estéreis e a sua função é meramente decorativa. São elas que atraem os insetos polinizadores, tornando o conjunto apetecível. Assim, através de uma muito inteligente divisão de tarefas cada planta consegue maximizar a sua produção de sementes, limitando ao mínimo o dispêndio de energia na captação do interesse dos polinizadores.

Todo o conjunto desta estrutura (recetáculo, flores do disco e flores periféricas) é mantido no seu lugar por um involucro formado por folhas modificadas chamadas brácteas (brácteas involucrais), de forma oval, com margens escariosas e de cor escura. De notar que cada uma das florinhas tubulares que formam o centro da inflorescência também estão protegidas por um involucro de brácteas (brácteas interflorais) cuja margem é também de cor escura.

Os frutos designam-se por cípselas; são frutos secos (com uma única semente) de forma ovoide e ligeiramente comprimidos lateralmente. Em muitas espécies da família Asteraceae/Compositae estes frutos são providos de um tufo de pelos numa das extremidades os quais ajudam na sua dispersão pelo vento e pelos animais. Estes pelos, designados por papus ou papilho, são estruturas filiformes, vestígios das sépalas que formam os cálices florais. Contudo o fruto do Chamaemelum fuscatum não tem papilho.

Involucro de Anthemis arvensis
Foto Wikipedia
À primeira vista o Chamaemelum fuscatum pode ser confundido com outros pequenos malmequeres que florescem na mesma época e nos mesmos habitats, como é o caso do Anthemis arvensis. Contudo, há uma característica que facilmente nos permite distingui-los, para o que basta comparar os cálices de ambas as espécies: as brácteas que protegem o cálice do Chamaemelum fuscatum apresentam margens de cor mais escura, enquanto as do Anthemis arvensis são quase transparentes.

O Chamaemelum fuscatum é uma espécie do género Chamaemelum o qual inclui 4 espécies; embora inicialmente descrito no género Anthemis pelo grande botânico português Avelar Brotero do séc. XIX com o nome de Anthemis fuscatum esta espécie foi reclassificada em 1966 e incluído no género Chamaemelum por outro botânico português, João de Carvalho e Vasconcellos.

Esquema geral de um capítulo de Chaemaemelum fuscatum, em dois estádios do desenvolvimento, do lado esquerdo durante a floração e do lado direito aquando da maturação dos frutos. As flores e frutos foram desenhados afastados para melhor compreensão porque na realidade, estes encontram-se dispostos de forma muito compacta. 
Fonte: Herbário da Universidade de Coimbra

  Fotos: Zambujeira/Serra do Calvo - Lourinhã



3 comentários:

  1. A Margaça-de-inverno pode ser tomada como chá, tal como a Camomila?

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Ola Sergio,
      Esta especie, apesar de aspeto semelhante nao parece ter a mesma eficacia da camomila, ainda assim tera algumas propriedades sedantes.
      Cumprimentos

      Eliminar
  2. Boa tarde. Ao procurar informação sobre o que vejo, por aqui, no Paul da Gouxa em Alpiarça, e hoje mais especificamente procurando tirar dúvidas sobre a identificação de uma planta (Margaça?), deparei-me com seu blogue. Ainda só me centrei na sua informação sobre este tema, mas desde já, aclamo : Que maravilha!!!
    Sou Joaquim Nascimento (jjanascimento@sapo.pt) e colaboro em regime de voluntariado informal na reabilitação do Espaço Interpretativo do Paul da Gouxa - Reserva Natural do Cavalo do Sorraia - Alpiarça. Com uns amigos, preocupamo-nos em identificar os espécimes que por lá encontramos e que vamos mostrando num grupo que criámos para o efeito no fb: Grupo de Amigos da Natureza de Alpiarça (https://www.facebook.com/groups/1198519677229385).
    Será que poderíamos ter a sua colaboração nesta nossa atividade, partilhando consigo as nossas dúvidas e colhendo a sua opinião?
    Aguardo com muito interesse sua resposta.
    Cumprimentos.
    Joaquim Nascimento

    ResponderEliminar