sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

As urzes - Géneros Daboecia, Erica e Calluna / Família Ericaceae

As urzes
Matos de altitude dominados por urzes
Fonte - BIOREDE (Departamento de biologia da Universidade de Aveiro)
Entre os muitos nomes adotados pelo povo das diferentes regiões do nosso país para designar os pequenos arbustos dos géneros Erica e Calluna, o termo urze é sem dúvida o mais comum, sendo praticamente transversal a todas estas espécies. Na verdade elas apresentam características morfológicas bastante semelhantes pelo que, à primeira vista podem prestar-se a uma certa confusão.
Existem no mundo aproximadamente 860 espécies de urzes das quais cerca de 760 ocorrem na África do Sul, estando na sua maioria concentradas no parque natural de Cape Floral Kingdom, localizado entre Cape Town e Port Elizabeth. Na Europa ocorrem 21 espécies e as restantes distribuem-se por algumas partes da África Austral, nomeadamente Madagáscar e Mascarene Islands.
De notar que as urzes africanas exibem uma enormíssima diversidade quer na forma, quer na cor e tamanho das suas flores. As urzes europeias apresentam flores pequenas reunidas em cachos longos e anafados.

As espécies nativas europeias dividem-se em três géneros, todos representados em Portugal: Daboecia, Erica e Calluna.

Género Daboecia:
O género Daboecia Inclui apenas 2 espécies, sendo uma delas endémica dos Açores.
Ambas diferem das espécies de Erica e Calluna por produzirem flores com uma corola bojuda substancialmente maior. As folhas também são maiores, com limbo alargado.

Daboecia cantabrica (Huds.) K. Koch
Nasce espontaneamente em áreas costeiras da Irlanda, França, Espanha e Portugal (do Minho à Beira Litoral). Distingue-se de Daboecia azorica por ter pelos na corola e ter folhas maiores.
Daboecia cantabrica
Esquerda - Fonte: Wikipedia / Foto de Merce/Madrid
Direita - Fonte: Wikipedia /Foto de Johan N.
Daboecia azorica Tutin & Warb.
Esta espécie encontra-se exclusivamente no Arquipélago dos Açores e dada a sua raridade é espécie protegida pela Convenção de Berna e pela Diretiva Habitats.
Distingue-se de Daboecia cantábrica por ter folhas mais pequenas e não ter pelos na superfície da corola.
Daboecia azorica
Fonte:  SIARAM - Flora vascular dos Açores
Género Erica
O género Erica é o que tem maior número de espécies no nosso país, sendo representado por 10 espécies. Seguem-se fotos de cada uma dessas espécies, disponibilizadas pelo Portal Flora-on, da Sociedade Portuguesa de Botânica. Para aceder ao ficheiro completo de fotos de cada uma das espécies basta clicar no link colocado por baixo de cada foto, em legenda.
Erica inclui arbustos perenes, de pequeno ou médio porte e ainda algumas espécies arbustivas. Identificam-se pelas suas folhas pequenas e lineares que se dispõem, viradas para fora, em verticilos de 3 ou 4, em torno dos ramos estreitos; as flores, muito numerosas e com corolas bojudas, agrupam-se em cachos muito alongados. As flores apresentam tons de rosa, claro ou escuro, lilás e por vezes branco.
As plantas deste género são conhecidas na língua inglesa por “heaths”.

Erica australis                                  Erica ciliaris
Fonte: Flora-on                                Fonte: Flora-on
Foto de Sérgio Chosas                      Foto de C E. Ramalho
Erica cinerea                                   Erica erigena
Fonte Flora-on                                Fonte Flora-on
Foto: Joana Camejo                      Foto: Miguel Porto
Erica lusitanica                                           Erica scoparia
Fonte: Flora-on                                           Fonte: Flora-on
Foto: Ana J.Pereira                                   Foto: J.D.Almeida
Erica tetralix                                                Erica umbellata
Fonte: Flora-on                                            Fonte: Flora-on
         Foto: A.J.Pereira                                         Foto: C.E.Ramalho    

Erica andevalensis                                         Erica arborea
                             Fonte: Flora silvestre mediterranea         Fonte: Flora-on - Foto de Miguel Porto    
             
                                                


Género Calluna
Este género tem apenas uma espécie, Calluna vulgaris, cuja distribuição é muito ampla. As plantas deste género são conhecidas na língua inglesa por “heathers”.
Embora semelhante a outras urzes no aspeto geral, Calluna tem carateristicas próprias, como veremos no próximo post, o qual será dedicado em exclusivo a esta espécie.
(Veja mais sobre Calluna vulgaris clicando AQUI).
Calluna vulgaris 
Na generalidade, as urzes do campo são espécies muito resistentes. Embora gostem de alguma humidade, suportam bem as secas estivais. A maioria das espécies também não se incomoda especialmente com o frio. Não só aguentam estoicamente as baixas temperaturas e a neve das regiões montanhosas como até parecem aprecia-las. Atrevo-me a pensar que, após as intempéries, elas fazem questão de se preparar para florescer mais profusamente e com mais cor, fazendo prova do seu forte carater e tenacidade. E se é certo que elas evocam o lado rude e agreste da natureza, em contrapartida não se lhes pode negar a fragrância e a beleza requintada das suas flores.

As urzes florescem de forma abundante e generosa. Cada pequena flor está provida de um disco nectarífero, cujo néctar, petisco delicado e nutritivo, atrai vários tipos de insetos, induzindo-os a colaborar nos processos de polinização. Por lá andam também, atarefadas, numerosas abelhas melíferas, recolhendo o néctar que irá enriquecer a sua produção de mel com sabor predominante a urze.

Em Portugal as urzes distribuem-se um pouco por todo o território, desde as dunas do litoral até as zonas montanhosas, medrando em solos pobres, de maior ou menor grau de acidez, consoante a espécie, mas nunca em solos com calcário, os quais são alcalinos. As urzes são, portanto, plantas silicícolas ou seja, indicadoras de solos não calcários, resultantes da erosão de rochas magmáticas ou metamórficas, como granitos, quartzitos, xistos e gnaisses.

As urzes crescem de forma espontânea em matagais, clareiras de bosques ou sob coberto de pinhais e sobreirais. Em zonas de matos baixos e solo ácido são espécies recorrentes, geralmente associadas a outras comunidades vegetais que partilham os mesmos gostos, nomeadamente estevas, tojos, carquejas e sargaços. Em épocas de floração, quem viaja pelas estradas do país não terá dificuldade em reconhece-las, sobretudo em zonas de pinhal, formando como que uma névoa rosada, raramente totalmente branca.

Sobre o solo ácido:
O pH (potencial hidrogénio) é um índice que mede o nível de acidez ou alcalinidade do solo ou de uma qualquer substancia, variando numa escala que vai do 0 a 14.
Quanto mais baixo é o índice mais acida será a substancia em questão. Assim, um pH ácido apresenta valores entre 1 e 6 enquanto 7 é neutro e de 8 a 14 é básico ou alcalino.
O pH do solo pode variar de região para região e tem a ver com vários elementos, entre eles o clima e os componentes edáficos.
A acidez ou a alcalinidade condicionam a atividade dos microrganismos presentes no solo e a disponibilidade de nutrientes, de forma que os solos ácidos são pobres enquanto os solos alcalinos apresentam maior produtividade. Num solo acido a decomposição dos restos orgânicos realiza-se muito lentamente e podem ocorrer toxicidades de alumínio e manganésio ao mesmo tempo que existe deficiência em nitrogénio, cálcio, fosforo e magnésio ou micronutrientes. Estes solos não aguentam adubação com estrume nem adubos químicos que contenham nitrogénio/azoto pois as plantas que neles vivem não o consegue processar. Contudo podem adubar-se com composto resultante de resíduos orgânicos.
Verdade seja dita que nos solos alcalinos, particularmente nos calcários, também existem algumas deficiências nomeadamente em fosforo, ferro, zinco, boro e manganésio, podendo ser corrigido com estrume, adubos químicos ou composto orgânico.
Pode corrigir-se a acidez do solo aplicando-lhe calcário. Para acidificar um solo alcalino junta-se-lhe enxofre, sulfato de alumínio ou quelatos de ferro.
Embora algumas das espécies que vivem em solos ácidos também sejam tolerantes aos solos alcalinos outras existem que apenas sobrevivem e se desenvolvem em solos ácidos. É caso das gardénias, camélias, rododendros/azáleas, entre outras espécies ornamentais muito apreciadas. As hortênsias são um caso curioso pois embora precisem ocasionalmente de um acidificante (quando as folhas começam a perder a cor verde ao longo das nervuras), dão-se bem tanto em terra ácida (neste caso as flores nascem azuis) como em terra alcalina (as flores tornam-se cor-de-rosa).

Urzes de viveiros, cultivares e híbridos
Fonte: White Flower Farm
Há muito que as urzes ganharam reputação como espécies bastante decorativas, sendo resistentes, elegantes e não exigindo cuidados especiais. São muito apreciadas para fins ornamentais e apropriadas para uma ampla gama de situações, podendo ser plantadas diretamente no solo ou em vasos, uma vez que seja assegurado o grau adequado de acidez do substrato.
Por estas razões diversas espécies de urzes têm sido cultivadas para criar variedades com diferentes características sobretudo quanto ao porte e à cor. E assim surgiu no comércio das plantas ornamentais uma incrível quantidade de cultivares, ascendendo a muitas centenas. Em certos países podem ser adquiridos cultivares com todas as opções imagináveis, desde plantas anãs a arbustivas ou de medio porte e até rastejantes. A folhagem pode variar do amarelo mais claro ao verde mais escuro, passando pelo laranja e o bronze. Também se encontram cultivares de flores simples, dobradas e de cores variadas, nomeadamente branco puro, vários tons de rosa, salmão, lilás, malva, roxo ou vermelho. Além disso, todos esses cultivares são geralmente classificados de acordo com o período de floração havendo espécies que florescem entre junho e julho, outras que florescem em agosto e setembro, outras ainda que dão flor de outubro a dezembro.

Yurigahara Park - Japão
Em geral plantam-se as urzes, em pleno sol ou meia sombra, em manchas de vários pés da mesma variedade, formando tapetes de cores mistas quer em bordaduras ou em jardins de rocha. Estes tapetes coloridos ficam espetaculares se forem plantados contra um fundo de pequenas coníferas para dar altura ao conjunto que de outra forma seria uma extensão relativamente incaracterística. Embora as urzes costumem ficar melhor quando plantadas em grupo também se podem produzir bonitos exemplares isolados. Quando o solo do jardim não é ácido a solução é plantar as urzes em vasos, em substrato apropriado à venda nos viveiros. Se apesar de tudo quisermos coloca-las no solo, o substrato calcário terá de ser substituído por terra acida até à profundidade de 30 cm, pelo menos. As variedades pequenas colocam-se a intervalos de 20 cm a 40 cm conforme sejam de menor ou maior porte. Há que ter em conta que se as regas forem efetuadas com água calcária, o substrato vai perdendo acidez pelo que se deve juntar um acidificante varias vezes por ano. Pode também cobrir-se o solo com agulhas de pinheiro as quais são acidificantes e atuam como cobertura de solo, mantendo a humidade durante mais tempo. Raras são as ervas que conseguem medrar perto do pé de uma urze. É que estas plantas têm propriedades alelopáticas, isto é, elas produzem metabólitos secundários ou seja, compostos químicos que, uma vez libertados no solo, impedem que outras espécies cresçam e se desenvolvam de forma normal.
Quando as urzes são jovens e ainda não estão estabelecidas não se deve deixar secar completamente o substrato. Rega-las demais também não é solução pois as raízes irao com certeza apodrecer sobretudo se estiverem em vasos.
As urzes não precisam nem gostam de grandes adubações, sobretudo porque não conseguem processar o nitrogénio presente nos adubos generalistas. Ainda assim podemos enriquecer a terra gasta com um pouco de adubo especial para plantas acidas, também recomendado para gardénias, camélias e azáleas/rododendros.
Azalea ‘Hinodegiri’in full flower in Yate, Bristol
As urzes pertencem à família botânica Ericaceae, atualmente com cerca de 4000 espécies agrupadas em 126 géneros. Esta família possui uma grande diversidade de espécies, algumas muito belas, circunstancia que lhe confere uma grande importância económica a nível mundial, sobretudo devido ao florescente comércio das plantas ornamentais (Ex: Rododendros/Azáleas e urzes).
Mas o poderio económico desta espécie também tem a ver com espécies que são cultivadas pelos seus frutos, sobretudo espécies do género Vaccinium, nomeadamente Vaccinium myrtillus (“cranberry” ou mirtilo vermelho) e  Vaccinium corymbosum (“blueberry” ou mirtilo azul) os quais são ricos em antioxidantes e têm ação bacteriana.
Vaccinium myrtillus e  Vaccinium corymbosum 
O consumo de mirtilos é recomendado pela sua eficácia no combate a infeções urinárias, sobretudo no capítulo da prevenção, dificultando a fixação de baterias na bexiga.
Medronheiro com frutos maduros
Fonte: Wikipedia
Arbustus unedo, o nosso bem conhecido medronheiro, usado para fazer licores e aguardentes, também pertence à família Ericaceae. Os seus frutos têm um forte poder antibacteriano sendo ricos em compostos com importante atividade biológica, ácidos gordos insaturados, nomeadamente ómega 3 e 6, fitoesteróis e triterpenóides. 
Arbustus unedo é uma árvore frutífera muito ornamental que fica bem em qualquer jardim que disponha de algum espaço. Ao contrário da maioria das Ericaceae tem a vantagem de ser indiferente ao pH, crescendo bem tanto em solos ácidos como alcalinos.

As espécies Ericaceae distribuem-se pelo mundo inteiro (exceto a Antártica) e são, na sua generalidade, amantes dos solos pobres e com propriedades ácidas. Uma caraterística da maioria das plantas desta família é a ausência de pelos radiculares o que dificulta a absorção dos nutrientes. Como forma de contornar esta particularidade as plantas de Ericaceae estabelecem relações simbióticas com fungos do solo (micorrizas), os quais são vitais para o seu desenvolvimento. Estes fungos formam uma rede que se entrelaça nas raízes da planta para as quais transferem os nutrientes minerais e agua que absorvem do solo. Em contrapartida as plantas fornecem os açúcares de que os fungos necessitam para sobreviver mas que não conseguem sintetizar.


6 comentários:

  1. Carissima Fernanda,

    Que excelente entrada! Obrigado por partilhar o seu trablaho de pesquisa.
    Abraço

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    1. Ola Joao,
      Muito obrigada pelo seu amabilissimo comentario.
      Abraco e bom fim de semana.

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  2. Após ver este seu artigo, fiquei um pouco mais esclarecido, mas gostava de discutir consigo quais as Urzes que tenho por cá na minha terra. E qual delas é na verdade Calluna Vulgaris. Tenho cá uma que chamamos Urze Torga que flora em Março, que cria umas torgas (raízes) em bolbos, maravilhosos para lenha (Cuidado com ela nas caldeiras. Temos outra que chamamos Urze Queiró, muito mais baixa, mas bastante apreciada pelas abelhas, que flora em Abril. Por fim temos uma que chamamos Urze Magoriça que flora em Setembro/Outubro. Qual delas é Calluna Vulgaris e o que são as outras? Obrigado.

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    1. Boa noite. O amigo é residente aqui no Brasil? Fiquei curioso em relação a Urze Queiró que, como foi citado no comentário, é banstante procurada pelas abelhas. Tenho um apiário e estou formando uma parte de terra com plantas que servirão de pasto apicola. Saberia me informar onde consigo mudas ou sementes desta planta em especifico? Desde ja agradecido. Se possível, favor responder pelo email allan.hepp@gmail.com

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    2. Amigo Allan, eu vivo em Portugal e sou portuguesa. Gostaria muito de ajudar mas nao tenho conhecimento sobre o assunto no que se refere ao Brasil. Talvez consultando a Embrapa ou fazendo pesquisa sobre o assunto no Brasil. Um abraço e espero tenha sucesso.

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  3. Caro Cristóvão Oliveira,
    Compreendo a sua confusão mas acontece que os nomes que as populações dão as espécies, os chamados nomes comuns, vernáculos ou vulgares, não são fiáveis. Um determinado nome comum pode abarcar diversas espécies, dependendo da região, o que na realidade torna tudo muito confuso no momento de fazer uma identificação correta. É por isso que as espécies têm nomes científicos e esses, sim, são fiáveis pois são exclusivos.
    Ora bem, a Calluna vulgaris distingue-se das outras urzes pois tem folhas diferentes. Apenas a Calluna vulgaris tem folhas decussadas (cada par cruza–se com o par seguinte, formando um X) e que se dispõem umas sobre as outras de forma densamente imbricada, como se fossem as telhas de de um telhado. A forma das flores também é importante. A Calluna vulgaris está em flor nesta época do ano e prolonga-se pelo outono. Alias, a Calluna vulgaris é a única do seu género, que é o género Calluna. Verifique nas fotos acima ou vá a http://www.flora-on.pt/#/1calluna
    As outras urzes pertencem a outro género, o género Erica. Elas são um pouco diferentes de Calluna, nas folhas, no tamanho e sobretudo na forma como se dispõem as folhas. Vá ao site http://www.flora-on.pt/#/1erica onde tem opção para as diversas espécies do género Erica de Portugal. Clicando em cima da foto de cada espécie tem acesso a fotos mais detalhadas e informações sobre a época de floração, as quais certamente lhe permitirão esclarecer-se.
    Espero que tenha ajudado.
    Um abraço
    Fernanda

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