domingo, 31 de agosto de 2014

Oenanthe crocata L.

Nomes comuns:
Embude; arrabaça; rabaça; enanto-de-cor-de-açafrão; 
prego-do-diabo; salsa-dos-rios; canafreicha

Oenanthe crocata é uma espécie perene, herbácea e bastante alta, podendo chegar aos 150 cm de altura. É nativa da Europa ocidental e também do Mediterrâneo ocidental, nomeadamente Marrocos, Irlanda, Reino Unido, Bélgica, Itália (apenas na ilha da Sardenha), França, Espanha e Portugal. 

No nosso país ocorre um pouco por todas as regiões (exceto Açores e Madeira), bordejando as margens de cursos de água com pouca corrente ou em situações de águas paradas, como acontece em pequenos lagos ou charcos. É, pois, uma espécie ripícola, vivendo na zona de transição entre o ambiente terrestre e o ambiente aquático de água doce. As suas raízes nem sempre estão mergulhadas na água mas o certo é que não lhes falta humidade durante a estiagem; também se sentem confortáveis  com as inundações periódicas de inverno, quando as chuvas engrossam as correntes.

Durante a floração, que acontece de abril a julho, Oenanthe crocata forma um arbusto vistoso e suavemente aromático. A massa verde escura da sua folhagem tem um aspeto refrescante e contrasta com as cabeças florais brancas que balouçam suavemente na brisa, embalando os insetos que nelas procuram alimento. 

O impacto visual é acentuado pela existência de vários exemplares da mesma espécie crescendo ao longo dos corredores ripícolas. 
Linda, elegante e aromática, quem havia de dizer que esta é uma das espécies mais venenosas da flora portuguesa? A sua toxicidade deve-se à oenantotoxina, uma substância do grupo dos álcoois poliacetilenos, presente em todas as partes da planta, mas muito particularmente nas raízes. A oenantotoxina é um dos metabólitos secundários produzidos pela planta. Os metabólitos secundários são substâncias químicas sintetizadas por certas espécies e que contribuem para a sua adaptação aos ecossistemas, protegendo-as contra a herbivoria, contra a infeção por agentes patogénicos e atraindo polinizadores e dispersores de sementes, tudo em prol da propagação da espécie. Esta estratégia tem sido aperfeiçoada ao longo dos processos evolutivos de cada planta, tendo em conta as suas necessidades específicas.
“Desprovidas de mobilidade para defesa e de sistema imunitário contra infeções virais, bacterianas ou fúngicas, as plantas desenvolveram uma complexidade de metabólitos secundários que funcionam como estratégias e armas químicas de resistência e combate, ao longo de mais de 300 milhões de anos de coevolução com estes microrganismos” (Harborne, 1990; Wink, 2003; Simões et al., 2009). 
Nesta conformidade a oenantotoxina atua na Oenanthe crocata como mecanismo de defesa contra a herbivoria por parte de insetos e vertebrados. 

Uma vez que a evolução das plantas está fortemente associada à evolução dos insetos herbívoros estes reconhecem os "avisos" emitidos pela Oenanthe crocata e passam de largo, mas para nós, humanos, e para o gado incauto, a planta é demasiado subtil.
Nós deixamo-nos enganar pela semelhança que flores, folhas e raízes apresentam com outras espécies comestíveis da mesma família; os animais que pastam nos campos comem o que lhes aparece ao alcance sobretudo no fim do verão quando percorrem as zonas húmidas à procura das primeiras ervas, não desdenhando as raízes de Oenanthe crocata que por vezes aparecem desenterradas pelas primeiras chuvadas. Como medida de prevenção deve fazer-se a limpeza regular dos ribeiros tendo o cuidado de recolher os tubérculos desenterrados.
A oenantotoxina é uma neurotoxina de grande potencial e que, mesmo em doses muito pequenas, ataca de forma muito agressiva não só o sistema nervoso central mas também outras partes do organismo. Provoca delírio, dores intensas, náuseas, vómitos contínuos, rictus facial com paralisia dos órgãos da fala, convulsões e finalmente a morte. Algumas substâncias extraídas da planta foram utilizadas no passado, como um remédio homeopático para o tratamento de epilepsia, em soluções aquosas muito diluídas, mas sem grande resultado pratico.
As raízes da Oenanthe crocata são tuberosas, cilíndricas, grossas e compridas, com sabor adocicado e agradável, podendo ser confundidas com a pastinaca (Pastinaca sativa), espécie da mesma família, também conhecida como cherivia ou cherovia, semelhante à cenoura mas de cor bastante mais clara. 
Pastinaca (Pastinaca sativa)
Foto de Quadell/Wikimedia commons
A pastinaca foi, em tempos idos, alimento fundamental na dieta dos povos da Europa, tendo perdido a sua importância com a introdução da batata, no séc. XVI. No entanto é ainda cultivada no nosso país, principalmente na Beira interior e Trás-os-Montes, sendo muito apreciada. 

Os caules são cilíndricos, grossos e resistentes mas ocos, libertando um líquido de cor amarelada, quando seccionados. A superfície exterior apresenta sulcos longitudinais.

As folhas lembram folhas de salsa de tamanho gigante e até podem ser confundidas com o aipo; a sua forma é triangular mas apresentam-se profundamente divididas até à nervura mediana, formando 2 a 4 folíolos. As folhas superiores são mais pequenas e constituídas por segmentos mais estreitos do que as folhas basais.

As flores de Oenanthe crocata são muito pequenas pelo que, para se tornarem mais visíveis e atraentes aos insetos polinizadores, se reúnem em inflorescências muito particulares, denominadas umbelas porque se assemelham a um conjunto de pequenos guarda-chuvas. 
Cada umbela principal consta de um número variável de raios que nascem no mesmo ponto do caule; na extremidade de cada um deles formam-se umbelas mais pequenas também constituídas por vários raios porém, mais curtos, os quais terminam numa flor. 


Desta forma, funcionando em equipa, as flores de uma umbela montam uma estratégia muito eficaz, ficando semelhantes a uma única flor com tamanho suficiente para sobressair na paisagem. Além disso, estas flores são muito generosas, fornecendo néctar como recompensa aos muitos insetos que as visitam pelo que cada umbela parece, por si só, constituir um pequeno habitat. Estas flores são geralmente polinizadas por moscas-das-flores, vespas, abelhas, formigas, besouros, escaravelhos e joaninhas.

Cada pequena flor, provida de órgãos sexuais femininos e masculinos, apresenta um cálice constituído por 5 sépalas com dentes muito curtos e de formato triangular, persistentes na frutificação. A corola é formada por 5 pétalas de cor branca ou ligeiramente rosada, curvadas para dentro sendo que as pétalas externas das flores marginais são geralmente maiores. Os 5 estames produtores de pólen, alternam com as pétalas. 

O ovário apresenta duas cavidades, cada uma delas com um óvulo e os 2 estiletes estão espessados na base formando um disco nectarífero, o qual persiste sobre os frutos até à maturação.

Os frutos são mericarpos de forma cilíndrica e cor castanha constituídos por duas metades, cada uma delas com a sua semente. Cada planta pode produzir anualmente uma grande quantidade de mericarpos que conseguem flutuar na água durante vários meses ate encontrarem sítio adequado à sua germinação. Estas condições favorecem a propagação da espécie por meio das sementes tanto na proximidade da planta-mãe como a alguma distância. Contudo a espécie também se propaga a partir de pedaços das raízes tuberosas, muitas vezes separados do caule pela força da água e arrastados na corrente.

Oenanthe crocata pertence ao género Oenanthe um dos muitos géneros da família das Apiaceae em que se inclui esta espécie. O termo genérico Oenanthe significa literalmente vinho-flor, derivado da contração das palavras gregas “oinos” (vinho) e “anthos” (flor). Tal termo tem a ver com o estado mental alterado que se assemelha à condição de embriaguez e que é o primeiro sintoma após ingestão da planta. Quanto ao termo específico da espécie, crocata vem do latim “crocum” ( =açafrão, cor-de-laranja) referindo-se à cor do exsudado existente dentro dos caules.
Esta planta pertence à família Apiaceae a qual também é conhecida por Umbelliferae. Este é o nome antigo o qual deriva do tipo de inflorescência em umbela presente na maior parte dos membros desta família. O nome Umbelliferae continua válido apesar das novas regras de  ICBN que estabelecem que os nomes das famílias botânicas devem ser construídos a partir do nome do género com maior representatividade, substituindo a declinação final pelo sufixo –aceae. Por exemplo Apiaceae foi construído a partir do género Api(um) + aceae.
São 8 as famílias botânicas que beneficiam de dupla nomenclatura pois os seus nomes antigos foram aceites tendo em conta a sua expressividade e consagração pelo uso. São elas:
Compositae=Asteraceae
Cruciferae=Brassicaceae; 
Gramineae=Poaceae
Guttiferae=Clusiaceae
Labiatae=Lamiaceae
Leguminosae=Fabaceae
Palmae=Arecaceae;  
Umbelliferae=Apiaceae

Apiaceae/Umbelliferae é uma importante família botânica que abrange entre 2500 a 3000 espécies, agrupadas em 300 a 450 géneros. A característica quase uniforme das inflorescências em umbelas, torna as diversas espécies desta família  muito semelhantes à primeira vista e por vezes muito difíceis de distinguir, mas por outro lado, também fez desta uma das primeiras famílias naturais a ser claramente reconhecida.
A classificação taxonómica desta família sofreu várias alterações nos últimos anos contudo ainda não se chegou ao consenso necessário para efetivar divisões ou junções que continuam em suspenso. Acontece que os vários autores envolvidos ainda não se puseram de acordo quanto às características fenotípicas a considerar como descritores morfológicos prevalentes. Um dos casos mais exemplificativos prende-se com a relação estreita que parece existir entre as Apiaceae e as Araliaceae: alguns autores pretendem englobar esta última nas Apiaceae enquanto outros sustentam a sua separação.
família das Apiaceae encontra-se distribuída sobretudo pelas zonas de clima temperado do hemisfério norte. A sua importância económica é incontestável, sobretudo devido ao interesse alimentício ou condimentar de grande número de espécies, muitas delas presentes no dia a dia das nossas cozinhas. Entre as mais consumidas podemos salientar a cenoura (Daucus carota), a salsa (Petroselinum crispum), o aipo (Apium graveolens), o coentro (Coriandrum sativum), o funcho (Foeniculum vulgare), a alcaravia (Carum carvi), o anis (Pimpinella anisum), o cominho (Cuminum cyminum) e o endro (Anethum graveolens).
Além da Oenanthe crocata, existem em Portugal outras espécies venenosas na família das Apiaceae/Umbelliferae. Temos, por exemplo o caso da espécie Conium maculatum, do género Conium, da qual é extraído o veneno vulgarmente conhecido por cicuta, que provoca a morte por paralisia muscular e respiratória. Este veneno é especialmente conhecido por estar associado ao grande filósofo grego Sócrates, que foi condenado à morte por ingestão de chá de cicuta, no ano 469 a.C.. 
Cicuta é também o nome cientifico de um género de plantas desta mesma família que compreende espécies muito venenosas, nativas especialmente das regiões temperadas da América do Norte.
Muitas das espécies da família Apiaceae/Umbelliferae são apreciadas pelos seus constituintes aromáticos, em resultado da produção de grande número de metabólitos secundários, ao nível dos terpenos, fenóis e alcaloides.
Muitos destes compostos têm sido utilizados desde os primórdios da humanidade como fármacos, aromatizantes, narcóticos e venenos e mais recentemente como nutraceuticos.

O riso sardónico:

Mascara sardónica, fenicia, feita em terracota - Séc.IV a.C.
Photoghraph by DEA/G. Dagli via Getty Images
O nosso vocabulário é tão rico que nunca nos faltarão adjetivos para caracterizar a multiplicidade de sorrisos que o ser humano é capaz de produzir. Dependendo do estado de espírito, físico ou emocional de cada um, o sorriso pode ser espontâneo, simples, aberto, tímido, doce, amável, brincalhão, sincero… Ou, porque os sorrisos nem sempre estão associados a momentos de boa disposição, também podem ser amargos, sarcásticos, mordazes, zombeteiros, contrafeitos, maldosos, antagónicos, desconfiados, e por aí adiante. Um sorriso até pode ser sardónico, termo que parece ter caído em desuso e que se traduz por um arreganhar de dentes que denota ironia, zombaria e sarcasmo. Tanto quanto se sabe, a expressão “sorriso sardónico”, em termos literários, surge pela primeira vez na Odisseia (XX, 302), cunhada por Homero (poeta épico da Grécia Antiga, presumível autor dos poemas épicos Iliada e Odisseia) para designar “um riso com sarcasmo amargo e mal-intencionado, um escárnio desdenhoso, ofensivo e provocador”.
O termo sorriso sardónico (do grego sardonikós) tem as suas raízes na ilha da Sardenha, (Itália) onde, há mais de 2.800 anos os colonizadores fenícios realizavam rituais de morte durante os quais eram executados não só os criminosos mas também as pessoas idosas que não dispunham de meios de sobrevivência. Em primeiro lugar faziam-nos ingerir um preparado de cuja composição fazia parte a planta Oenanthe crocata (conforme confirmado recentemente) e a seguir, atiravam-nos para o mar, do alto das falésias. Os constituintes químicos desta planta provocavam nas vítimas contrações espasmódicas dos músculos da boca que davam à face uma expressão de amargo sarcasmo, a tal que ficou conhecida como sorriso sardónico, ou seja, da Sardenha. 
Veja mais em National Geographic News 

Fotos de Oenanthe crocata: Zambujeira/Lourinhã.




1 comentário:

  1. Boas.
    É só para dizer que passei por aqui, devido a ter uma dúvida. Votos de boa viagem.Fica aqui o meu link e obrigado https://www.facebook.com/groups/685995898212441/

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