Nomes comuns:
Embude; arrabaça;
rabaça; enanto-de-cor-de-açafrão;
prego-do-diabo;
salsa-dos-rios; canafreicha
Oenanthe crocata
é uma espécie perene, herbácea e bastante alta, podendo chegar aos 150 cm de
altura. É nativa da Europa ocidental e também do Mediterrâneo ocidental,
nomeadamente Marrocos, Irlanda, Reino Unido, Bélgica, Itália (apenas na ilha da
Sardenha), França, Espanha e Portugal.
No nosso país ocorre um pouco por todas
as regiões (exceto Açores e Madeira), bordejando as margens de cursos de água
com pouca corrente ou em situações de águas paradas, como acontece em pequenos
lagos ou charcos. É, pois, uma espécie ripícola, vivendo na zona de transição
entre o ambiente terrestre e o ambiente aquático de água doce. As suas raízes nem sempre estão mergulhadas na água mas o certo é que não lhes falta humidade durante
a estiagem; também se sentem confortáveis com as inundações periódicas de inverno, quando as
chuvas engrossam as correntes.
O impacto visual é acentuado
pela existência de vários exemplares da mesma espécie crescendo ao longo dos
corredores ripícolas.
Linda, elegante e aromática, quem havia de dizer que esta
é uma das espécies mais venenosas da flora portuguesa? A sua toxicidade deve-se
à oenantotoxina, uma substância do grupo dos álcoois poliacetilenos, presente em
todas as partes da planta, mas muito particularmente nas raízes. A
oenantotoxina é um dos metabólitos secundários produzidos pela planta. Os metabólitos secundários são substâncias
químicas sintetizadas por certas espécies e que contribuem para a sua adaptação
aos ecossistemas, protegendo-as contra a herbivoria, contra a infeção por
agentes patogénicos e atraindo polinizadores e dispersores de sementes, tudo em
prol da propagação da espécie. Esta estratégia tem sido aperfeiçoada ao longo dos
processos evolutivos de cada planta, tendo em conta as suas necessidades
específicas.
“Desprovidas de mobilidade para defesa e de sistema imunitário contra
infeções virais, bacterianas ou fúngicas, as plantas desenvolveram uma
complexidade de metabólitos secundários que funcionam como estratégias e armas
químicas de resistência e combate, ao longo de mais de 300 milhões de anos de
coevolução com estes microrganismos” (Harborne, 1990; Wink, 2003; Simões et al.,
2009).
Nesta conformidade a oenantotoxina atua na Oenanthe crocata como mecanismo de defesa contra a herbivoria por parte de insetos e vertebrados.
Nesta conformidade a oenantotoxina atua na Oenanthe crocata como mecanismo de defesa contra a herbivoria por parte de insetos e vertebrados.
Uma vez que a evolução das
plantas está fortemente associada à evolução dos insetos herbívoros estes
reconhecem os "avisos" emitidos pela Oenanthe crocata e passam de largo, mas para
nós, humanos, e para o gado incauto, a planta é demasiado subtil.
Nós deixamo-nos
enganar pela semelhança que flores, folhas e raízes apresentam com outras
espécies comestíveis da mesma família; os animais que pastam nos campos comem o
que lhes aparece ao alcance sobretudo no fim do verão quando percorrem as zonas
húmidas à procura das primeiras ervas, não desdenhando as raízes de Oenanthe
crocata que por vezes aparecem desenterradas pelas primeiras chuvadas. Como
medida de prevenção deve fazer-se a limpeza regular dos ribeiros tendo o
cuidado de recolher os tubérculos desenterrados.
A oenantotoxina é
uma neurotoxina de grande potencial e que, mesmo em doses muito
pequenas, ataca de forma muito agressiva não só o sistema nervoso central mas
também outras partes do organismo. Provoca delírio, dores intensas, náuseas,
vómitos contínuos, rictus facial com paralisia dos órgãos da fala, convulsões e
finalmente a morte. Algumas substâncias extraídas da planta foram utilizadas no
passado, como um remédio homeopático para o tratamento de epilepsia, em
soluções aquosas muito diluídas, mas sem grande resultado pratico.
As raízes da
Oenanthe crocata são tuberosas, cilíndricas, grossas e compridas, com sabor
adocicado e agradável, podendo ser confundidas com a pastinaca (Pastinaca
sativa), espécie da mesma família, também conhecida como cherivia ou cherovia,
semelhante à cenoura mas de cor bastante mais clara.
Pastinaca (Pastinaca sativa) Foto de Quadell/Wikimedia commons |
A pastinaca foi, em tempos idos,
alimento fundamental na dieta dos povos da Europa, tendo perdido a sua
importância com a introdução da batata, no séc. XVI. No entanto é ainda
cultivada no nosso país, principalmente na Beira interior e Trás-os-Montes,
sendo muito apreciada.
Os caules são cilíndricos,
grossos e resistentes mas ocos, libertando um líquido de cor amarelada, quando
seccionados. A superfície exterior apresenta sulcos longitudinais.
As folhas lembram
folhas de salsa de tamanho gigante e até podem ser confundidas com o aipo; a
sua forma é triangular mas apresentam-se profundamente divididas até à nervura
mediana, formando 2 a 4 folíolos. As folhas superiores são mais pequenas e constituídas
por segmentos mais estreitos do que as folhas basais.
As flores de Oenanthe crocata são muito pequenas pelo que, para se tornarem mais visíveis e atraentes aos insetos polinizadores, se reúnem em inflorescências muito particulares, denominadas umbelas porque se assemelham a um conjunto de pequenos guarda-chuvas.
Cada umbela principal consta de um número variável de raios que nascem no mesmo ponto do caule; na extremidade de cada um deles formam-se umbelas mais pequenas também constituídas por vários raios porém, mais curtos, os quais terminam numa flor.
Cada umbela principal consta de um número variável de raios que nascem no mesmo ponto do caule; na extremidade de cada um deles formam-se umbelas mais pequenas também constituídas por vários raios porém, mais curtos, os quais terminam numa flor.
Desta forma, funcionando em equipa, as flores de uma umbela montam uma
estratégia muito eficaz, ficando semelhantes a uma única flor com tamanho suficiente para sobressair na
paisagem. Além disso, estas flores são muito generosas, fornecendo néctar como
recompensa aos muitos insetos que as visitam pelo que cada umbela parece, por
si só, constituir um pequeno habitat. Estas flores são geralmente polinizadas
por moscas-das-flores, vespas, abelhas, formigas, besouros, escaravelhos e
joaninhas.
Cada pequena
flor, provida de órgãos sexuais femininos e masculinos, apresenta um cálice
constituído por 5 sépalas com dentes muito curtos e de formato triangular, persistentes
na frutificação. A corola é formada por 5 pétalas de cor branca ou ligeiramente
rosada, curvadas para dentro sendo que as pétalas externas das flores marginais
são geralmente maiores. Os 5 estames produtores de pólen, alternam com as
pétalas.
O ovário apresenta duas cavidades, cada uma delas com um óvulo e os 2
estiletes estão espessados na base formando um disco nectarífero, o qual
persiste sobre os frutos até à maturação.
Os frutos são
mericarpos de forma cilíndrica e cor castanha constituídos por duas metades, cada
uma delas com a sua semente. Cada planta pode produzir anualmente uma grande quantidade
de mericarpos que conseguem flutuar na água durante vários meses ate encontrarem
sítio adequado à sua germinação. Estas condições favorecem a propagação da
espécie por meio das sementes tanto na proximidade da planta-mãe como a alguma distância.
Contudo a espécie também se propaga a partir de pedaços das raízes tuberosas,
muitas vezes separados do caule pela força da água e arrastados na corrente.
Oenanthe crocata pertence ao género Oenanthe um dos
muitos géneros da família das Apiaceae em que se inclui esta espécie. O termo genérico Oenanthe significa literalmente vinho-flor, derivado da contração das
palavras gregas “oinos” (vinho) e “anthos” (flor). Tal termo tem a ver com o
estado mental alterado que se assemelha à condição de embriaguez e que é o
primeiro sintoma após ingestão da planta. Quanto ao termo específico da espécie,
crocata vem do latim “crocum” ( =açafrão, cor-de-laranja) referindo-se à cor do
exsudado existente dentro dos caules.
Esta planta pertence à família Apiaceae a qual também é
conhecida por Umbelliferae. Este é o nome antigo o qual deriva do
tipo de inflorescência em umbela presente na maior parte dos membros desta família. O nome Umbelliferae continua válido apesar das novas regras de ICBN que estabelecem que os nomes das famílias botânicas devem ser construídos a partir do nome do género com maior representatividade, substituindo a declinação final pelo sufixo –aceae. Por exemplo Apiaceae foi construído a partir do género Api(um) + aceae.
São 8 as famílias botânicas que beneficiam de dupla nomenclatura pois
os seus nomes antigos foram aceites tendo em conta a sua expressividade e
consagração pelo uso. São elas:
Compositae=Asteraceae;
Cruciferae=Brassicaceae;
Gramineae=Poaceae;
Guttiferae=Clusiaceae;
Labiatae=Lamiaceae;
Leguminosae=Fabaceae;
Palmae=Arecaceae;
Umbelliferae=Apiaceae
Apiaceae/Umbelliferae é uma importante família botânica que abrange entre 2500
a 3000 espécies, agrupadas em 300 a 450 géneros. A característica quase uniforme das inflorescências em umbelas, torna as diversas espécies desta família muito semelhantes à primeira vista e por
vezes muito difíceis de distinguir, mas por outro lado, também fez desta uma das primeiras
famílias naturais a ser claramente reconhecida.
A classificação taxonómica desta família
sofreu várias alterações nos últimos anos contudo ainda não se chegou ao consenso necessário para efetivar divisões ou junções que continuam em suspenso.
Acontece que os vários autores envolvidos ainda não se puseram de acordo quanto
às características fenotípicas a considerar como descritores morfológicos prevalentes. Um
dos casos mais exemplificativos prende-se com a relação estreita que parece
existir entre as Apiaceae e as Araliaceae: alguns autores pretendem englobar esta última nas Apiaceae enquanto outros sustentam a sua separação.
A família das Apiaceae encontra-se distribuída sobretudo pelas zonas de clima temperado do hemisfério norte. A
sua importância económica é incontestável, sobretudo devido ao interesse
alimentício ou condimentar de grande número de espécies, muitas delas presentes
no dia a dia das nossas cozinhas. Entre as mais consumidas podemos salientar a
cenoura (Daucus carota), a salsa (Petroselinum crispum), o aipo (Apium graveolens),
o coentro (Coriandrum sativum), o funcho (Foeniculum vulgare), a alcaravia
(Carum carvi), o anis (Pimpinella anisum), o cominho (Cuminum cyminum) e o
endro (Anethum graveolens).
Além da Oenanthe
crocata, existem em Portugal outras espécies venenosas na família das
Apiaceae/Umbelliferae. Temos, por exemplo o caso da espécie Conium maculatum, do género Conium, da
qual é extraído o veneno vulgarmente conhecido por cicuta, que provoca a
morte por paralisia muscular e respiratória. Este veneno é especialmente
conhecido por estar associado ao grande filósofo grego Sócrates, que foi
condenado à morte por ingestão de chá de cicuta, no ano 469 a.C..
Cicuta é também o nome cientifico de um género de plantas desta mesma família que
compreende espécies muito venenosas, nativas especialmente das regiões
temperadas da América do Norte.
Muitas das espécies da
família Apiaceae/Umbelliferae são apreciadas pelos seus constituintes aromáticos,
em resultado da produção de grande número de metabólitos secundários, ao nível
dos terpenos, fenóis e alcaloides.
Muitos destes compostos
têm sido utilizados desde os primórdios da humanidade como fármacos,
aromatizantes, narcóticos e venenos e mais recentemente como nutraceuticos.
O riso sardónico:
Mascara sardónica,
fenicia, feita em terracota - Séc.IV a.C.
Photoghraph by DEA/G. Dagli via Getty Images
|
O nosso vocabulário é tão rico que nunca nos faltarão adjetivos para caracterizar
a multiplicidade de sorrisos que o ser humano é capaz de produzir. Dependendo
do estado de espírito, físico ou emocional de cada um, o sorriso pode ser espontâneo, simples, aberto, tímido, doce, amável, brincalhão, sincero… Ou, porque os sorrisos nem sempre estão associados a momentos de boa disposição, também podem ser amargos, sarcásticos, mordazes, zombeteiros, contrafeitos,
maldosos, antagónicos, desconfiados, e por aí adiante. Um sorriso até pode ser
sardónico, termo que parece ter caído em desuso e que se traduz por um arreganhar
de dentes que denota ironia, zombaria e sarcasmo. Tanto quanto se sabe, a expressão
“sorriso sardónico”, em termos literários, surge pela primeira vez na Odisseia
(XX, 302), cunhada por Homero (poeta épico da Grécia Antiga, presumível autor
dos poemas épicos Iliada e Odisseia) para designar “um riso com sarcasmo amargo
e mal-intencionado, um escárnio desdenhoso, ofensivo e provocador”.
O termo sorriso sardónico (do grego sardonikós) tem as
suas raízes na ilha da Sardenha, (Itália) onde, há mais de 2.800 anos os
colonizadores fenícios realizavam rituais de morte durante os quais eram executados não
só os criminosos mas também as pessoas idosas que não dispunham de meios de sobrevivência. Em primeiro lugar faziam-nos ingerir um
preparado de cuja composição fazia parte a planta Oenanthe crocata (conforme confirmado recentemente) e a seguir, atiravam-nos para o mar, do alto das falésias.
Os constituintes químicos desta planta provocavam nas vítimas contrações espasmódicas
dos músculos da boca que davam à face uma expressão de amargo sarcasmo, a tal
que ficou conhecida como sorriso sardónico, ou seja, da Sardenha.