Esta planta está estreitamente relacionada com o amplo grupo dos genericamente chamados cardos (ver aqui) e pertence à família das Asteraceae/Compositae e ao género Scolymus. Este género botânico agrupa algumas espécies espinhosas que se distinguem dos outros “cardos” porque as suas inflorescências brotam das axilas das folhas e não da extremidade dos caules e também porque são formadas por flores todas liguladas ( com “pétalas”) e não tubulosas (ocas e alongadas).
O Scolymus hispanicus é nativo da bacia do Mediterrâneo, grosso modo desde Portugal até à Ásia oriental e norte de África. Foi introduzida noutras paragens, nomeadamente na Europa central, Ilhas Britânicas, Macaronésia (Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde) e ainda no continente americano.
Esta planta é, na generalidade, considerada uma erva daninha, mas existem muitos países onde é utilizada na alimentação humana e até considerada um petisco.
O Scolymus hispanicus é uma planta bienal ou perene cuja parte aérea seca anualmente propiciando à planta o merecido descanso durante o qual, as gemas de renovo que estão situadas à superfície do solo, ficam protegidas pelos restos secos das folhas do ano anterior.
Passado o inverno, emerge do solo uma roseta de folhas espinhosas, de cor verde vivo, com a nervura central que pode tomar uma cor avermelhada. É no final da primavera que a roseta emite o caule, com folhas menores e também espinhosas e de cujas axilas brotam as inflorescências, de um amarelo-vivo.
O Scolymus hispanicus forma um pequeno arbusto que pode chegar aos 80 cm de altura. O caule é fino mas robusto e é alado, isto é, ramificado com uma expansão achatada lateral que compensa alguma escassez de folhas; é também solitário, ereto, ramificado desde a base e geralmente provido de pelos crespos.
As folhas da roseta basal são moles, com poucos espinhos e estão providas de um longo pecíolo; são oblanceoladas ou seja, têm forma de lança mas com a parte mais larga um pouco acima do meio; são ligeiramente suculentas e a nervura mediana é bastante mais grossa que as nervuras secundárias as quais são mais ou menos paralelas entre si; o limbo é muito dividido, chegando o recorte até à nervura mediana.
As folhas do caule são alternas, rígidas, muito recortadas, com margens espessadas e estão divididas em lóbulos que terminam cada um com um espinho; o formato é de oblongo-linear a ovado e o limbo é sinuado, isto é, curvas salientes alternam com curvas reentrantes. As nervuras são bastante espessas e de cor branca.
As flores, minúsculas, estão agrupadas em capítulos solitários que aparecem na axila das folhas, de junho a setembro.
Inflorescência em capítulo |
Tal como é característico das espécies da família das Asteraceae/Compositae as flores são inúmeras mas muito pequenas e estão reunidas num receptáculo em forma de disco que lhes dá o aspeto de um malmequer. Normalmente, devido a uma economia de esforços, apenas as flores da periferia do disco/receptáculo se prolongam em lígulas, em forma de pétalas. No entanto, nesta espécie todas as pequenas flores são liguladas.
Cada conjunto floral está protegido por um invólucro composto de duas filas de brácteas de formato estreito e acabando em ponta.
Os frutos são cipselas achatadas em que o papilho está reduzido a alguns pelos, muito curtos e rígidos.
Esta foto de Scolymus maculatus ajuda-nos a observar o que a distingue do Scolymus hispanicus |
Existe o risco de confundir o Scolymus hispanicus com uma espécie algo semelhante que ocorre em algumas regiões do nosso país, o Scolymus maculatus. Esta espécie diferencia-se por ter caules marcadamente alados, folhas marginadas de branco e pelos escuros na base das flores, nos capítulos.
Podemos encontrar o Scolymus hispanicus em terrenos incultos, desenvolvendo-se preferencialmente em solos leves, permeáveis, profundos e ricos em matéria orgânica. Embora crescendo de forma espontânea, esta planta é, desde há muitos séculos, utilizada na alimentação humana. É também um excelente diurético. Em certos países é de tal forma apreciada que a planta tem sido cultivada em grande escala, quer para aproveitamento das raízes que são comidas cozidas ou fritas, quer das folhas mais tenras que são cozinhadas como espargos ou das corolas que são usadas como sucedâneo do açafrão. O Scolymus hispanicus é apreciado um pouco por todas as regiões onde cresce espontânea, como por exemplo na Argélia, Brasil, Itália, Rússia, Reino Unido, França, Espanha e Alemanha.
Em Portugal o Scolymus hispanicus é pouco conhecido para além do Alentejo onde tem sido mais consumido, a par de outras ervas que nascem espontaneamente na natureza e que nos trazem sabores há muito esquecidos, como por exemplo as beldroegas, os poejos e os catacuzes (ver Rumex bucephalophorus). Felizmente, a pouco e pouco, estamos a ficar mais esclarecidos e vamo-nos apercebendo do desperdício pois muitas das ervas silvestres que consideramos daninhas e nos habituamos a desprezar são afinal “delicatessen” que podem enriquecer a nossa dieta com novos sabores, vitaminas e minerais. Geralmente encontramo-las fazendo parte do menu de restaurantes regionais e são pagas a bom preço, mas em certas situações, podemos colhê-las na natureza sem que haja investimento monetário da nossa parte. Ou podemos ter a sorte de as encontrar no nosso jardim, como aconteceu comigo este ano, quando a minha pequena horta foi inesperadamente colonizada por pequenas plantas daninhas que descobri serem beldroegas, as quais têm resultado em saborosas e nutritivas sopas. Dado que foi uma invasão sem precedentes suponho que as sementes terão sido trazidas pelos pássaros, quem sabe, agradecidos pela comidinha suplementar que lhes ofereço durante os dias frios de inverno...
As beldroegas, no canteiro dos pepinos... |
A verdade é que colher as ervas na natureza dá bastante mais trabalho e incómodo do que fazer compras no supermercado. No que diz respeito aos Scolymus hispanicus posso confirmar que dão muito trabalho e levam bastante tempo a preparar pelo que não será fácil encontrá-los à venda. A colheita deve ser feita entre o fim do inverno e o início da primavera, antes que surja o caule, pois é quando as folhas da roseta basal estão ainda tenras.
Corta-se a planta com um golpe certeiro que parta o colo da raiz a uns 2 ou 3 dedos abaixo do nível do solo, de modo que a roseta de folhas fique inteira. Esta é deixada ao sol durante algum tempo para que a planta se torne mais maleável. Em seguida, segura-se a planta com uma mão e apertando a nervura central entre o polegar e os dedos indicador e médio da outra mão, vai-se deslizando desde a base até ao vértice da folha, arrancando a parte verde e os picos. O procedimento é igual para cada uma das folhas até que só restem as nervuras agarradas ao colo da planta. Recomenda-se o uso de um bom par de luvas para toda a operação.
Com uma faca afiada retiram-se os restos da folha e cortam-se as nervuras em pedaços de cerca de 4 a 5 cm de comprimento. A raiz também serve, é até muito saborosa, desde que se rejeite a parte central, por ser fibrosa. Colocam-se todos os pedaços em água com sumo de limão para que não oxidem, até ao momento de cozinhar. Nessa altura colocam-se numa panela com água nova, sal e uma colher grande de farinha que servirá para absorver os sucos amargos do cardo. Deixa-se ferver até que estejam tenros e depois deixa-se arrefecer. Podem comer-se temperados com sal, azeite e limão ou vinagre e misturados com ovo cozido ou presunto. Há quem os envolva em ovos mexidos, os coma salteados com alho, em salada, esparregado…
Embora a maior parte dos “cardos”silvestres seja comestível, a informação que tenho é que o Scolymus hispanicus é o melhor de todos.