quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Xanthium spinosum L.

Nomes comuns:
Pica-três, bardana-espinhosa, arzola, gatinho


Quando voltamos de um passeio de verão pelo campo, são grandes as hipóteses de trazermos para casa a tarefa incomoda de arrancar pequenas sementes e folhas que se agarraram tenazmente às meias e aos atacadores dos sapatos de ténis. 
Ganchos, espinhos ou outros "apetrechos" permitem que pequenas sementes se agarrem a tudo o que passa perto. São intencionais e fazem parte das estratégias de que se socorrem certas espécies para se fazerem transportar à boleia para longe da planta-mãe, conseguindo assim iniciar novas colónias. Nesta perspetiva uma das plantas mais irritantes é Xanthium spinosum, uma sobrevivente por excelência que, a pouco e pouco, vem conquistando lugar privilegiado no mundo.


Xanthium spinosum é muito fácil de identificar. 
É uma planta anual, robusta e de tamanho médio, podendo atingir os 90 cm de altura. Os seus caules são eretos ou ligeiramente curvados, rígidos e muito ramificados. 

A seta assinala os espinhos tripartidos que nascem na axila das folhas
Os caules são de cor verde-claro, com um indumento de pelos fracos e densos. Quando jovens os caules são herbáceos tornando-se, depois, algo lenhosos. De forma característica, os caules projetam longos espinhos tripartidos de cor amarelada que nascem nos nós da axila das folhas.


As folhas dispõem-se de forma alternada e ligam-se ao caule através de pecíolos curtos ou são quase sésseis. As folhas são relativamente estreitas, com forma lanceolada ou elíptica e são profundamente recortadas; as inferiores são muito irregulares com cinco lóbulos, sendo o lóbulo médio muito maior que os restantes; as folhas superiores são bastante mais alongadas dado que os lóbulos medianos podem ser insignificantes ou ausentes. 


A página superior das folhas é de cor verde-escuro brilhante, com pelos fracos e ralos, mais densos nas nervuras proeminentes e de cor clara; as páginas inferiores apresentam cor esbranquiçada devido à cobertura de pelos curtos e densos, enrolados sobre si próprios.
Este é o capitulo que podemos observar em muitas das espécies da família Asteraceae
mas não é o caso de Xanthium spinosum, como veremos no texto.

Esta espécie está incluída na família Asteraceae/Compositae, no entanto, as flores e os frutos são muito diferentes da generalidade das espécies deste grupo. A maior diferença reside no facto de Xanthium spinosum produzir capítulos de flores unissexuais ao contrário dos habituais capítulos de flores bissexuais.
A principal característica das Asteraceae são os capítulos, em que as flores minúsculas estão inseridas num recetáculo em forma de disco e separadas por pequeníssimas brácteas, estando este conjunto envolvido por um invólucro formado por uma camada de brácteas maiores.
Ao contrário do que acontece na maioria das espécies da família Asteraceae (em que as flores masculinas e flores femininas se agrupam-se num mesmo capítulo), em Xanthium spinosum os capítulos são constituídos por flores do mesmo sexo, ou seja, existem capítulos com flores masculinas +  capítulos com flores femininas, mas ambos os tipos coexistindo numa mesma planta (planta monóica). 
Em Xanthium spinosum as flores masculinas também são diferentes das femininas

Ora vejamos:
A seta assinala as flores masculinas
- Os capítulos masculinos podem ser numerosos e agrupam-se no ápice dos caules ou na axila das folhas superiores. São globosos, com recetáculo cilíndrico e com invólucro ligeiramente cónico devido à forma lanceolada das brácteas que o formam.
Cada capítulo masculino tem flores mais ou menos numerosas, as quais são pequeninas e inconspícuas, de cor variável branco-amarelado ao amarelo-esverdeado. As corolas são tubulares e translucidas, com 5 lóbulos. Os estames são 5, com os filetes unidos, mas com as anteras livres.
A seta assinala as flores masculinas e a estrela indica as flores femininas
- Os capítulos femininos crescem na axila das folhas superiores mas abaixo dos masculinos com as flores femininas prontinhas para receber a chuva de pólen que há-de vir de cima, trazida pela brisa. 
Os capítulos femininos são solitários ou pouco numerosos e cada capítulo tem apenas 2 flores. Estas encontram-se encerradas dentro de uma estrutura ovóide formada pelas brácteas involucrais que são coreáceas e cobertas de espinhos em forma de gancho. Internamente, o capítulo divide-se em dois lóculos, cada um deles com uma flor feminina sem pétalas. A fertilização realiza-se através dos estiletes que estão ligados ao ovário e se apresentam salientes através das aberturas que existem em cada uma das extremidades do invólucro. O pólen dispersa-se com a ajuda do vento.
Após a fecundação os capítulos femininos transformam-se em frutos rígidos e espinhosos, inicialmente de cor verde e depois amarelo-acastanhado, com duas sementes no seu interior. A planta só se reproduz por semente.


Os espinhos dos frutos terminam em gancho e aderem ao pelo dos animais e à nossa roupa. Só com muita dificuldade são retirados, o que lhes permite “viajar” longas distancias e germinar longe da planta-mãe, assim iniciando novas colónias. 
Há quem diga que o suíço George de Mestral se inspirou na morfologia dos espinhos destes frutos para inventar o Velcro, em meados do século passado. As sementes também podem dispersar-se através da infestação do pasto ou outros grãos. Flutuam perfeitamente, dispersando-se também ao viajarem nos cursos de água ou nos regatos  formados pela água das chuvas.
As duas sementes que se encontram no interior dos frutos apresentam períodos de dormência diferentes. A semente de baixo pode germinar logo na estação seguinte, mas a outra só germinará passados 2 ou 3 anos permanecendo viável durante cerca de 8 anos.
A planta floresce e frutifica de julho a novembro, geralmente produzindo sementes durante 2 a 3 meses. Em media, cada planta produz cerca de 150 sementes. 

Esta é uma espécie largamente distribuída pela maioria dos países temperados ou subtropicais do mundo inteiro. Prospera com vigor e grande poder invasivo em locais onde o solo foi perturbado, tal como a beira dos caminhos, pastagens, terrenos baldios e zonas costeiras. É muito resistente à seca, apesar disso, é muito frequente também em terrenos periodicamente alagados e margens de cursos de agua, diques e barragens.
Provou adaptar-se de forma notável numa grande variedade de climas e outras condições ambientais com exceção de climas de frio ou calor extremo. De forma geral, nas regiões tropicais só ocorre em altitude, onde as temperaturas são mais amenas. Aparentemente não apresenta requisitos especiais no que diz respeito ao tipo de solo. A ampla distribuição de Xantium spinosum pode ser atribuída, pelo menos em parte, à sua capacidade de adaptação a uma variada gama de condições climáticas e edáficas.


Xanthium spinosum ocorre na maioria dos países do mundo quer no hemisfério norte quer no hemisfério sul,
entre as latitudes 50ºN e 43ºS, segundo algumas fontes.
Fonte do mapa: Wikimedia commons
Encontra-se mais abundantemente distribuída na Europa, região mediterrânica, Austrália, algumas regiões costeiras de África, na América do Sul e Estados Unidos.
Mapa da distribuição de Xanthium spinosum em Portugal continental
Fonte: Flora Digital de Portugal - UTAD.

Esta planta é nativa da América do Sul, provavelmente do Chile, embora outros países desse grande continente reclamem a honra (Bolívia, Equador, Peru, Uruguai e Argentina). Xanthium spinosum espalhou-se pelo resto do mundo, tendo-se naturalizado de forma bastante rápida e adquirindo hábitos invasores.
As exatas origens de Xanthium spinosum permanecem algo confusas e os seus limites obscuros. Inicialmente, foi considerada nativa da Europa mas, atualmente, parece ser ponto assente que esta planta é nativa da América do Sul, introduzida e naturalizada nos restantes locais onde ocorre.
Os dados sobre a data do início da sua introdução noutros continentes e a forma como tal se passou são muito limitados. Segundo alguns autores esta planta terá chegado à Europa através de Portugal. Aliás, a espécie-tipo (espécimen de herbário sob a forma de planta seca e que serviu originalmente para lhe dar o nome) é de Portugal. 
Pius Font i Quer, botânico, farmacêutico e químico espanhol, na sua obra "Plantas medicinales: el Dioscórides renovado" (1962) refere que no século XVII esta planta era denominada Xanthium lusitanicum spinosum, numa clara alusão ao território português. Foi assim chamada por Leonard Plukenet, botânico inglês na sua obra "Almagestum botanicum" (1696), e também pelo botânico francês Magnol em "Hortus regius Monspeliensis" (1697).
Com base no ensaio "Géographie Botanique" publicado em 1820 pelo botânico suíço De Candolle, Font Quer refere que a planta mencionada por Magnol teria sido obtida a partir de sementes levadas para França por Tournefort (botânico francês 1656-1708), as quais lhe teriam sido dadas por um jardineiro português.
Em consequência, na sua primeira edição de "Species plantarum" (1753) Lineu refere a Lusitania como o habitat desta planta.

O termo Xanthium deriva do grego xanthos (=amarelo) numa referência ao corante amarelo que pode ser retirado dos frutos.
Spinosum vem do latim e refere-se aos caules espinhosos.

Esta espécie está classificada como altamente invasora na maioria das áreas onde foi introduzida. Produz sementes de forma muito prolífica, com altas taxas de germinação e sobrevivência, provocando prejuízos avultados nas safras agrícolas sobretudo da soja e algodão; ao agarrarem-se tenazmente ao pelo das ovelhas as sementes contaminam a lã, afetando as industrias de têxteis. Além do mais, é uma ameaça à fauna e flora nativas devido à sua adaptabilidade a uma ampla gama de habitats. A erradicação através de herbicidas tem-se mostrado ineficaz pelo que poderão ser equacionados meios biológicos.
As sementes, e as folhas na sua fase emergente, são muito tóxicas para o gado e animais domésticos, principalmente porcos e cavalos. Contudo, a não ser que os animais sejam obrigados a pastar onde esta planta exista em abundância, não é grande motivo de preocupação pois as folhas não agradam ao paladar dos animais e as sementes, encerradas num invólucro rígido e cheio de picos, também não são apelativas. A toxicidade das folhas desvanece-se à medida que se desenvolvem e aumentam de tamanho, embora o mesmo não aconteça com a secagem.

Xanthium spinosum já foi muito usada em medicina caseira, sobretudo pelos índios da América do Sul, por presumíveis efeitos benéficos contra alguns tipos de cancro, diabetes e cardiopatias. 
Entretanto, foram efetuados estudos e experiências “in vivo”  e “in vitro” sobre as diferentes atividades farmacológicas e fitoquímicas desta planta, os quais demonstraram propriedades analgésicas, anti-inflamatórias, antiartríticas, antiangiogénese e antivírus. São, no entanto, necessárias mais experiências para explorar o potencial terapêutico em termos de utilidade clínica.

Xanthium spinosum pertence ao género Xanthium, assim denominado pelo botânico francês Tournefort (1656-1708),  cujo trabalho foi aperfeiçoado por Lineu. Lineu aproveitou o nome genérico Xanthium em "Species Plantarum" (1753) no qual incluiu duas espécies, Xanthium spinosum e Xanthium strumarium. Desde então algumas 30 espécies foram descritas e incluídas neste género. Ora, dá-se o caso de Xanthium strumarium - que cresce um pouco por todo o mundo e também em Portugal - ser uma planta extremamente variável em termos de hábito, forma e tamanho dos frutos e reação a fatores do meio ambiente. Assim, as numerosas espécies apresentadas como espécies diferentes poderão, segundo alguns botânicos, não passar de variantes de Xanthium strumarium.

Fotos: Serra do Calvo/Lourinhã