Convolvulus tricolor subsp. tricolor |
Corriola e gloria-da-manhã são nomes populares que referenciam algumas
espécies de grupos taxonómicos diferentes, mas todas incluídas na família
Convolvulaceae. Em território português esta família é representada por 6
géneros, entre os quais Convolvulus, Calystegia (que são autóctones) e Ipomoea
(espécies exóticas).
São plantas sobejamente conhecidas e facilmente identificáveis pelas suas
características flores em forma de trombeta, quer vestidas de branco, rosa, azul ou
violeta, extremamente atrativas para diversos tipos de insetos essenciais à sua reprodução. São também denominadas bons-dias, campanelas, verdizelas ou madrugadas,
entre outros nomes partilhados pela maioria destas espécies.
Convolvulus tricolor subsp. tricolor |
Fazendo jus aos seus apelidos populares, as flores de muitas destas
espécies abrem antes do nascer do dia, aproveitando ao máximo a hora a que os
insetos mais madrugadores já andam a procurar alimento. Contudo, a vida destas flores é muito breve pois murcham durante a
tarde. Esta situação não é invulgar. Existem plantas cujas flores apenas ficam abertas durante alguns minutos (como é ocaso da hera, Hedera hélix); em contrapartida, outras há que duram
mais de 10 dias. Cada caso é um caso e todas as situações têm uma razão. No
caso presente parece que não se trata de uma mera programação genética. Alguns
estudos sugerem que o tempo de abertura destas flores depende do tempo que
levam a ser polinizadas. A rápida polinização resulta num emurchecimento mais
rápido das pétalas, o que pode ser uma estratégia comportamental adaptativa
para reduzir custos de energia decorrentes da manutenção das peças florais. Uma
vez terminada a sua missão de atrair os polinizadores, deixaram de ser
necessárias.
Um dos suportes desta teoria reside no facto de flores ainda não
polinizadas ficarem abertas durante mais tempo do que as já fecundadas, o que
aumenta as probabilidades de uma polinização bem sucedida. Desta forma, a
planta canaliza estas poupanças de energia na produção de mais flores, o que na
realidade acontece de forma continuada durante todo o seu período de floração.
Convolvulus tricolor subsp. tricolor |
A bela Convolvulus tricolor é uma destas espécies. Floresce por esta altura
do ano, mais especificamente de março a junho, de preferência em terrenos secos
e argilosos, em campos de cultivo, valas e bermas de caminho, pastagens e
prados.
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Ao contrário de outras espécies do mesmo género (Convolvulus arvensis
ou Convolvulus althaeoides) que tantas vezes convivem nos mesmos habitats, esta
não é uma espécie invasora.
Cultivada em jardins pode acrescentar muito
interesse como planta anual, desde que cultivada em pleno sol. O alegre colorido
das suas corolas e os longos caules prostrados tornam-na especialmente indicada
para cestos suspensos, jardins de rocha e bordaduras, onde o seu efeito pode ser
verdadeiramente deslumbrante.
Apesar de lhe faltarem os ímpetos invasores o seu
cultivo generalizado como ornamental teve como consequência a naturalização
fora das fronteiras de difusão natural da espécie, o que ocasionalmente torna
difícil delimita-las com precisão.
Distinguem-se duas subespécies:
- Convolvulus tricolor subsp. tricolor que se distribui sobretudo pela região
mediterrânica: Portugal, Espanha, França, Itália, Grécia, Marrocos e Argélia. É
cultivada como adventícia na Turquia, Creta, Líbano, Medio oriente e Paquistão.
- Convolvulus tricolor subsp. cuprianus que se distribui pelo mediterrâneo
central: Malta, Sicília, Marrocos, Argélia e Tunísia.
Estas duas subespécies diferenciam-se pelas sépalas do cálice que na
subespécie tricolor se dividem em duas partes dissemelhantes, ao contrário do
que acontece na subespécie cuprianus.
As plantas ibéricas correspondem à subespécie tricolor que em
Portugal cresce de forma espontânea no Algarve, Baixo Alentejo, Beira Litoral,
Estremadura, Ribatejo e Trás-os-Montes e também no arquipélago da Madeira.
Convolvulus tricolor subsp. tricolor
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Convolvulus tricolor subsp. tricolor é uma herbácea, de hábito prostrado ou
ascendente. Os caules, de cor avermelhada, são simples ou escassamente
ramificados e estão revestidos de pelos densos, particularmente na parte
superior.
Convolvulus tricolor subsp. tricolor- caule |
Estas plantas são anuais ou raramente, perenes de vida curta. Muitas
vezes iniciam o seu ciclo de vida no Outono através da formação de uma roseta
de folhas ao nível do solo. No final do Inverno regista-se um rápido
alongamento dos caules e internós da roseta, de modo que os caules se esticam
até aos 45 ou 50 cm de comprimento. Após a floração e uma vez maduros todos os
frutos, os caules secam e morrem. Entretanto, na base da planta podem formar-se
rebentos que darão origem a uma nova roseta de folhas que se tornará visível no
outono seguinte. Neste tipo de crescimento a roseta de folhas protege as gemas
de renovo do vento, do sol, do frio e dos herbívoros e está perfeitamente
adaptado ao tipo de clima mediterrânico caracterizado pelos verões quentes,
secos e ventosos e os invernos frios e chuvosos.
Convolvulus tricolor subsp. tricolor - folhas superiores |
Na ausência de pecíolo, as folhas inserem-se nos caules diretamente pela
base do limbo, de forma atenuada; são inteiras, com nervuras bem vincadas, glabras ou pubescentes,
com pelos mais compridos nas margens. Forma e tamanho do limbo variam
ligeiramente entre as folhas inferiores que são espatuladas ou oblanceoladas
com um pequeno chanfro a meio do ápice e as superiores que são espatuladas ou
oblongas com ápice obtuso.
Convolvulus tricolor subsp. tricolor |
As flores têm corolas azuis com o centro em tons de branco e amarelo.
Crescem solitárias no topo de longos pedúnculos eretos que emergem da axila das
folhas superiores os quais apresentam 2 bractéolas de forma linear. Estes
pedúnculos são eretos durante a floração mas encurvam durante a frutificação,
não só pelo peso acrescido do fruto mas também porque continuam a crescer e
se tornam um pouco mais longos.
Convolvulus tricolor subsp. tricolor - Bractéolas e cálice |
Convolvulus tricolor subsp. tricolor - Cálice |
O cálice é mais ou menos acampanulado, com as 5 sépalas diferenciadas em
duas partes morfologicamente diferentes. A inferior tem forma oblonga, convexa
e é ligeiramente coriácea durante a floração. A parte superior é mais curta,
amplamente ovada e as extremidades herbáceas terminam de forma aguda e
ligeiramente curva. O crescimento do cálice prossegue mesmo depois da
fecundação e até o fruto atingir a maturação.
Convolvulus tricolor subsp. tricolor - flor aberta e flores enroladas em
botão
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A corola é afunilada e em forma de trombeta, morfologia que resulta da
fusão das 5 pétalas que a constituem. Quando a flor ainda está em botão, as
peças florais (sépalas e pétalas) apresentam-se dobradas umas sobre as outras
de forma contorcida ou espiralada, parecendo um guarda-chuva bem enrolado.
Convolvulus
tricolor subsp. tricolor
- pétalas vincadas pelo
enrolamento apertado
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Curiosamente, quando as flores abrem, as pétalas apresentam vincos nos pontos
onde estavam dobradas.
Convolvulus
tricolor subsp. tricolor
- o limbo das pétalas é reforçado por 5
nervuras
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De forma característica existem 5
nervuras bem visíveis a meio do limbo de cada uma das pétalas, as quais não só reforçam a
arquitetura floral como também encurvam as pétalas para fora e ajudam no
processo do desenrolar da corola quando ela se abre na ântese.
A corola
apresenta 3 bandas transversais de cores bem diferenciadas, amarela na base,
branca na zona intermédia e azul-violeta na parte superior. Estas bandas
coloridas formam padrões visuais destinados a guiar os insetos em direção ao
néctar e ao pólen, disponível no centro da flor.
Estas flores apresentam órgãos reprodutores masculinos e femininos. Os
estames são 5, com filetes comprimidos formando um a
coluna curta que torneia o estilete, mas deixa abertas 5 estreitas passagens que
conduzem ao néctar. Assim, ao entrar na flor, o corpo do inseto toca nos
estigmas, ao mesmo tempo que fica empoado de pólen.
As anteras são lisas e
brancas mas com duas linhas azuladas.
O disco nectarífero é intrastaminal ou
seja, posiciona-se em forma de anel no centro da flor, em redor do ovário e dos
estames.
O ovário é pubescente e dele desponta um estilete que se divide em
dois estigmas de cor branca.
Convolvulus tricolor subsp. tricolor
Fruto capsular em vias de maturação, envolvido pelo cálice |
O fruto é uma cápsula arredondada, pubescente até
à maturação e dentro da qual se encontram 4 sementes de cor muito escura.
Sob o ponto de vista taxonómico Convolvulus tricolor inclui-se na complexa
família Convolvulaceae, subfamília Convolvuloideae, tribo Convolvuleae e género
Convolvulus.
Convolvulaceae:
A família Convolvulaceae, inclui cerca de 1650 espécies, agrupadas em
diversas subfamílias e/ou tribos e 55 géneros que se concentram em regiões de
clima tropical e subtropical, com apenas 10 % das espécies nas zonas
temperadas. A família apresenta aspetos morfológicos bem definidos, como as
flores em forma de trombeta e outras características bem marcantes próprias de
climas secos. De forma geral, são plantas eretas ou prostradas e até
trepadeiras volúveis que se enrolam sobre si próprias ou nas plantas vizinhas.
Foi esta característica que deu nome à família o qual deriva do latim
“convolvo” ou "convolvere"= entrelaçar.
Esta família conta com muitas espécies adventícias, ou seja naturalizadas,
cuja distribuição está ligada a atividades humanas de dispersão intencional. Em
contrapartida, a quota de endemismos é bastante grande.
Uma das características anatómicas mais percetíveis das Convolvulaceae é a
existência de células foliares e/ou radiculares que segregam resinas
glicosidicas (metabolitos secundários), responsáveis pelas propriedades
purgativas, analgésicas e alucinogénicas de algumas espécies desta família.
Sob o ponto de vista taxonómico Convolvulaceae não tem sofrido muitas
alterações desde que foi descrita por Jussieu em Genera Plantarum, em 1789.
Contudo, a capacidade que exibe na diversificação e capacidade de colonização
de regiões afastadas por todo o mundo, tem suscitado o interesse dos botânicos e
diversos estudos têm sido realizados nas últimas décadas. Não é, pois, de
admirar que se suscitem duvidas e se proponham alterações tal como acontece com
a maioria das famílias de angiospermas.
Esta família foi dividida em 3 ou 4 subfamílias que por sua vez se subdividem num numero de tribos variável, oscilando entre 3 e 12. Embora, de forma geral, tenha havido consenso no que diz respeito à relação
entre estes grupos, existe ainda alguma controvérsia quanto à sua classificação
taxonómica. Um dos pomos de discórdia é o grupo Cuscutoideae or Cuscutaceae,
cujo único género Cuscuta (também presente em Portugal) alguns botânicos
prefeririam segregar da família por serem espécies parasitas com
especificidades a nível da corola e embrião.
Certos autores também discordam sobre a delimitação de alguns géneros
dentro da família baseando-se nas variações do tamanho, forma ou pubescência
das brácteas, sépalas, corola e pólen e também tendo em conta a forma e divisão
dos estigmas e algumas características diferentes nas sementes.
Ipomoea batatas (flor da batata-doce) Foto de H.Zell. Fonte Wikimedia commons |
O maior género desta família é Ipomoea com 500 a 600 espécies, de
distribuição tropical e no qual se inclui a espécie alimentar Ipomoea batatas,
a nossa conhecida e apreciada batata-doce.
Na região mediterrânica e mais especificamente em Portugal, os géneros
autóctones mais representativos da família Convolvulaceae são Calystegia e
Convolvulus, os quais estão estreitamente relacionados. A característica mais
evidente que diferencia os dois géneros reside na existência de bractéolas
grandes e empoladas no género Calystegia que quase escondem as sépalas, como
podemos rever em Calystegia soldanella.
Convolvulus:
Estudos muito recentes estimam que o género Convolvulus inclui cerca de 200
espécies que se distribuem por todos os continentes, em regiões de clima
temperado e subtropical. O seu maior centro de diversidade situa-se na área
geográfica próxima ao mar Mediterrânico e Ásia Ocidental, com outros centros de
diversidade na Ásia Oriental e na América do Sul temperada, no sul e no leste
da África e na Australásia, ou seja, as três zonas temperadas do hemisfério
sul.
É um género característico de habitats pedregosos e arenosos,
essencialmente secos, desde o nível do mar até aos 3000 mt de altitude.
Algumas
espécies são invasoras e altamente prejudiciais em campos cultivados, outras
são economicamente importantes no comércio das plantas ornamentais e até no
ramo farmacêutico.
Na generalidade, são espécies subcosmopolitas, mas algumas
são endemismos e ocorrem em áreas muito restritas.
Convolvulus fernandesii é uma das espécies de distribuição confinada a uma
determinada região. Na realidade é um endemismo português. É muito rara e a sua
distribuição mundial restringe-se à Serra da Arrábida, mais especificamente ao
curto espaço da costa que vai de Sesimbra ao Cabo Espichel. Floresce durante a
primavera e cresce nas escarpas, entre fendas e afloramentos rochosos, em
locais quase inacessíveis, razão pela qual terá passado despercebida durante
séculos. Foi publicada no Boletim da Sociedade Broteriana pelo botânico
português Pinto da Silva (P.Silva &Teles)
apenas em 1980.
Convolvulus fernandesii - Foto de Sérgio Chozas Fonte Flora-on |
É um arbusto perenifólio de caules volúveis e entrelaçados. Os caules mais
velhos são glabrescentes e lenhosos mas as hastes mais jovens são pubescentes.
As folhas são pecioladas, elípticas ou oblongo-elípticas, com o ápice arredondado
ou truncado. As flores, em grupos de 3 a 6, reúnem-se em inflorescências
axilares, são pedunculadas e apresentam bractéolas. As 5 pétalas são brancas e
estão unidas tomando a forma afunilada característica da família e do género.
As sépalas são obovadas ou elípticas com pontas curtas, agudas e rígidas.
Esta é uma espécie protegida ao abrigo do Estatuto Directiva de Habitats
92/43, como espécie prioritária do Anexo II e anexo IV.
Fotos:
Calystegia soldanella: Praia da Areia Branca/Lourinhã
Convolvulus tricolor subsp. tricolor: Zambujeira e Areia Branca/Lourinhã
Convolvulus arvensis: Serra do Calvo/Lourinhã
Convolvulus althaeoides: Arribas do Caniçal /Lourinhã