Nomes comuns:
Erva-de-São-Tiago;
erva-de-santiago;
trepadeira-do-Natal; tasneirinha-de-correr
Foi em fevereiro
passado que nos demos a conhecer, eu e a Delairea odorata. No espaço de dias,
aquilo que parecia o habitual coberto de um muro de sustentação constituído por
diversas espécies de heras, cobriu-se de cascatas de flores amarelas, numa
explosão de cor e brilho. Até aquele dia não me tinha dado conta desta espécie
trepadeira e ela já tinha vários metros de altura. Das duas uma, ou andei muito distraida ou a "plantinha" se disfarçou bem enquanto tomava conta do local.
De forma sub-repticia, germinou numa linha
de escoamento de águas da chuva, a 100 metros da minha casa e, de forma
determinada lá foi crescendo, apoiando-se aqui e ali nas plantas mais fortes
que foi encontrando no caminho, como quem faz uma escalada. Uma coisa é certa,
no ano anterior não estava lá.
Contudo, o mais surpreendente estava para vir,
quando uns dias mais tarde me deparei com nova trepadeira da mesma espécie,
dissimulada na beira da sebe de heras que protege o meu jardim do vento sul do inverno. A planta nasceu fora do meu terreno, alimentada
pela humidade de uma regueira que corre num nível muito inferior ao do meu muro
e lá foi subindo, subindo, até chegar onde queria, para florir por entre as
folhas da hera e os losangos da rede, espreitando primeiro de forma algo tímida
e depois, criando ânimo, apresentando-se em toda a sua beleza e esplendor.
Esta é uma espécie
exótica nativa da África do Sul mais especificamente das regiões de Natal e
Cabo, onde o clima é tipicamente mediterrânico (verões quentes e secos e
invernos chuvosos). Foi introduzida na Europa meridional e noutras partes do
mundo nomeadamente na Califórnia, sudoeste da Austrália, Nova Zelândia,
sudoeste asiático onde ocorre até cerca de 650 m de altitude. Apesar do clima
do Hawaii ser mais quente que o do habitat nativo, também aí esta espécie se
naturalizou, embora apenas ocorra entre os 800 e os 2000 m de altitude, onde as
temperaturas são mais frescas.
Delairea odorata foi
introduzida na Europa em meados do século XIX, com fins ornamentais, tendo sido
incentivado o seu cultivo em jardins e estufas em função da beleza das suas
florações suavemente perfumadas e também devido ao seu rápido crescimento e
fácil propagação. Contudo, Delairea odorata mostrou-se traiçoeira. POssivelmente apreciadora da liberdade, depressa cortou as “amarras” e fazendo transportar a suas numerosas e leves sementes para fora dos jardins e
viveiros, com a ajuda do vento, foi naturalizar-se onde melhor lhe convinha. O pior é que se verificou
que não é uma planta recomendável devido à sua tendência em competir com a
vegetação autóctone.
Delairea odorata cresce rapidamente e de forma agressiva. Apesar de não
ter gavinhas ou raízes aéreas facilmente encontra forma de subir até às árvores
e arbustos mais altos, enrolando-se nos seus troncos e subindo de forma
progressiva, privando-os de luz e em casos mais graves, sufocando-os de forma
letal. Quando não encontra suporte vertical, Delairea odorata forma tapetes
densos que cobrem totalmente o solo matando a vegetação nativa, não só tapando-lhes a luz solar mas também alimentando-se dos seus nutrientes e impedindo que se reproduzam por
semente.
Aparentemente as sementes de Delairea odorata não têm nenhum mecanismo que lhe induza
dormência pelo que germinam rapidamente, quer se encontrem à superfície ou semi-enterradas
no solo e conseguem fazê-lo numa ampla gradação de temperaturas. As sementes
são viáveis durante décadas pelo que os bancos de sementes desta espécie se vão acumulando no
subsolo.
Encontra-se de
preferência em locais húmidos como margens de linhas de água, pastagens,
bosques húmidos, beira dos caminhos florestais e ambientes ruderalizados, perto
de habitações.
Esta espécie invade
geralmente as zonas litorais onde o clima é mais fresco e também mais húmido, o
que não impede que ocorra em locais moderadamente secos ou até mesmo secos. É
resistente a geadas ligeiras e existem registos da sua presença em arribas do litoral
onde está exposta aos salpicos salgados da água do mar. Tanto cresce em pleno
sol como na sombra e não é esquisita no que toca ao tipo de solo desde que seja
fértil. É, pois, uma espécie com feitio acomodaticio e flexivel, cuja excelente
adaptabilidade é a chave do seu sucesso como planta invasora.
De notar que não só
altera o habitat das espécies nativas mas também afeta a vida da fauna, com
especial incidência nas zonas ribeirinhas pois possui alcaloides bastante
tóxicos capazes de envenenar os ambientes aquáticos. A planta também é
considerada tóxica para o gado e para os humanos.
Delairea odorata é,
como já vimos, uma trepadeira vigorosa, de folhagem perene, cujos caules longos
e volúveis são herbáceos em quase toda a sua extensão exceto na base que é algo
lenhosa.
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Os caules volúveis. |
Os caules emitem ramificações que rapidamente crescem e, sendo
bastante fracos e flexíveis, logo procuram suporte, enrolando-se em qualquer
estrutura que encontrem à sua beira. Com o tempo tornam-se mais grossos, embora
não excedendo os 10 mm de espessura. O seu aspeto é carnudo e partem-se com
facilidade, enraizando com facilidade a partir do mais pequeno pedaço. Também os nós que tocam no solo criam raizes com facilidade. São verdes, por vezes avermelhados, glabros (sem pelos) e com
seção cilíndrica.
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As folhas lobadas são semelhantes às da hera. |
As folhas surgem na
extremidade de longos pecíolos; são finas mas de aspeto carnudo com limbos de
cor verde, encerado e brilhante; dispõem-se nos caules de forma alternada e
estão divididas em vários lobos triangulares com a base recortada, de forma
muito semelhante às folhas de hera; são fragrantes quando esmagadas. As folhas
da parte superior da planta são mais pequenas que as da parte de baixo.
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As florinhas reúnem-se em capítulos, que por sua vez constituem os corimbos.
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As inflorescências
de Delairea odorata são corimbos muito densos que surgem na axila das folhas na
extremidade dos ramos e que são constituídos por numerosos capítulos (de 15 a
50).
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Aqui, as flores ainda estão fechadas o que nos permite observar as brácteas que formam o invólucro e as bractéolas abaixo dos invólucros. |
As 8 a 12 florinhas que formam cada capítulo inserem-se num recetáculo em
forma de disco, formando um conjunto que é protegido por umas 8 a 10 brácteas de
cor verde que formam um invólucro cilíndrico com metade do tamanho das flores.
Na base do invólucro existem 2 (por vezes 4) bractéolas, também de cor verde e
que são características desta espécie e por conseguinte, importantes para a sua
identificação.
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As florinhas abertas apresentando os bordos lobados e os braços estigmáticos aguardando pelo pólen.
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As florinhas, de um amarelo brilhante são afuniladas, com
corolas em forma de tubo com bordos divididos em 5 lobos revirados para fora.
Ao contrário de muitas outras espécies da mesma família (Asteraceae) as
florinhas de Delairea odorata não têm lígulas, semelhantes a pétalas. Todas as flores são perfeitas, ou seja, estão equipadas
com órgãos reprodutores masculinos e femininos. Os filamentos dos estames são
um pouco mais compridos que as corolas e juntamente com as anteras formam uma
espécie de cone. Emergindo do ovário, o estilete é filiforme e termina num
estigma com dois braços, distintamente salientes e cujas extremidades são
truncadas e divididas em segmentos filamentosos paralelos e muito finos
formando uma espécie de franja. Curiosamente, o estilete e os estames desta espécie estão unidos na base, formando uma coluna comum, separando-se apenas na parte
superior.
As flores são suavemente perfumadas o que justifica o epiteto especifico de odorata.
As flores são
polinizadas por insetos, não havendo registo de autopolinização. De facto esta
é uma espécie protândrica, ou seja, as anteras amadurecem antes dos órgãos
femininos. Acontece que as anteras abrem e libertam o polen enquanto as florinhas ainda estão
fechadas mas a autopolinização nesta fase parece pouco provável porque os
estigmas ainda estão unidos e mantêm-se muito apertadinhos dentro da corola
fechada. A polinização acontece apenas depois que o estilete se tiver alongado para um nível superior ao das anteras, altura em
que se divide em dois braços, expondo a superfície estigmática que é recetiva
ao pólen trazido de outras plantas pelos insetos.
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Cada florinha de cada capitulo se transforma numa semente com a sua coroa de pelos fofos, o papilho.
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Depois de polinizadas as flores dão origem a inúmeros frutos denominados cipselas e que são constituídos por uma semente quase cilíndrica e uma coroa de pelos denominada papilho.
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Semente e papilho. |
Impulsionado pelo vento, o papilho ajuda a semente a viajar longas distâncias, numa ou mais viagens de parapente.
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Distribuição de Delairea odorata em Portugal continental. Fonte. |
Em Portugal Delairea
odorata distribui-se pelo litoral norte e centro do território continental, na
ilha da Madeira e na maioria das ilhas dos Açores. Geralmente floresce durante
o inverno, entre os meses de janeiro e março.
A forma mais efetiva
de evitar a sua dispersão é o arranque manual, tendo o cuidado de descartar em
local próprio todos os pedaços da planta, pois ela não se reproduz só por
semente, mas também vegetativamente. Qualquer segmento de caule que caia no
chão ou seja transportada pela água, tem boas probabilidades de enraizar. Não
deve, pois, ser adicionada aos resíduos de jardim.
O método mais
utilizado na sua erradicação inclui produtos químicos, os quais são nocivos para a fauna e flora e
que cada vez são menos eficazes no seu objetivo pois as plantas vão criando resistência aos
químicos, embora continuem a poluir o ambiente.
Nos últimos anos têm
sido estudados métodos de controlo biológico que não degradem ainda mais o
ambiente. Foi proposto utilizar-se a traça (Digitivalva delaireae) e a mosca
(Parafreutreta regalis), inimigos naturais da planta na Africa do sul e que poderão causar grande dano comendo as folhas de Delairea odorata, minando
os caules e neles colocando o seus ovos. Nos Estados Unidos, nomeadamente no
estado da Califórnia, que é o estado mais atingido, foi já autorizada a largada da traça acima referida, pela USDA-APHIS Technical Advisory Group on Biological Control of Weeds.
Delairea odorata pertence à família Asteraceae, a maior das famílias botânicas de plantas de flor. Esta planta em particular está muito relacionada com o género Senecio no qual já esteve incluída com o nome Senecio Mikanioides, classificação que muitos continuam a usar. No entanto esta espécie foi transferida para o género Delairea do qual é a única representante. A principal característica que a diferencia de Senecio são as bractéolas que se situam na base do invólucro.
No que diz respeito
à taxonomia esta espécie tem um historial muito confuso devido à sua publicação
quase simultânea por dois autores diferentes.
A primeira descrição
cientifica da planta e da sua inclusão no género Delairea Lem. foi publicada em 1844 por Lemaire que a
descreveu como “espécie distinta diferindo de parentes próximos pelo papilho
unisseriado, capítulos com flores todas hermafroditas, etc”.
Em 1845 Walpers
publicou a descrição de uma planta largamente cultivada na Alemanha (só posteriormente se percebeu que era a mesma a que se referia Lemaire) e que ele
denominou Senecio mikanioides Otto ex Walpers ou Senecio mikanioides Wapers,
mencionando que já se lhe tinha referido numa anterior publicação, embora sem
carater formal.
Numa publicação posterior, a planta foi confirmada no género
Senecio por Harvey (1894). Mais recentemente, em 1986 e também em 1992 o botânico Jeffrey publicou varias revisões do género Senecio, tendo voltado a incluir a planta no género
Delairea com o nome cientifico Delairea odorata Lem., baseando-se na forma
acampanulada do limbo da corola e outras características morfológicas.
Entretanto, cada vez mais taxonomistas se põem de acordo com a nova classificação. Apesar disso, nota-se ainda uma grande habituação ao nome antigo, o que não é de estranhar.
Fotos:Serra do Calvo/Lourinhã