"O grande responsável pela situação de desequilíbrio ambiental que se vive no planeta é o Homem. É o único animal existente à face da Terra capaz de destruir o que a natureza levou milhões de anos a construir"





terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Nigella damascena L.

Nomes comuns:
Nigela-dos-jardins; cabelos-de-vénus; dama-de-verde;
damas-do-bosque; barba-de-velho


Nigella damascena é uma fascinante espécie anual que cresce de forma espontânea em campos cultivados, searas e pomares, terrenos baldios e beira dos caminhos, em solos pedregosos ou remexidos.
A sua folhagem é plumosa e algo etérea, embora resistente; a estrutura floral é delicada na aparência mas, bastante complexa e algo dramática. Por estas razões Nigella damascena é muito apreciada em jardins, sendo muitas vezes cultivada com fins ornamentais.




Foi muito popular durante o século XIX e parte do século XX sobretudo nas “cottages” inglesas e seus jardins rústicos. Depois, caiu em desuso perante o surgimento de plantas exóticas de cores mais vistosas. Porém, volta a estar na moda por direito próprio. As Nigella damascena são ótimas para preencher lacunas entre as perenes dos canteiros durante o verão, especialmente vistosas se semeadas em grupos, formando massas de flores azuis envolvidas em vaporosas folhas verdes. Também funcionam bem em vasos e cestos suspensos, além de que são excelentes flores de corte para colocar em jarras ou para fazer ramos e bouquets. Também depois de secas, tanto as flores como os frutos, fazem lindos arranjos.

Fonte: Martha Stewart Weddings
Bouquet de noiva com Nigella damascena, Anemona sp. e Muacari sp.
Fonte: Martha Stewart weddings
Exemplos de arranjos singelos, entre eles Nigella damascena
Nigella damascena é uma espécie com ampla distribuição mediterrânica sendo nativa de:
Europa:
- sudoeste europeu: Portugal continental (na Madeira é uma espécie introduzida e não existe nos Açores), Espanha, França;
- sudeste europeu: Albania, Bosnia e Herzegovina, Bulgaria, Croacia, Grecia, Italia, Malta, Montenegro, Servia e Eslovenia;
- leste europeu: Ucrânia;
África:
- Ilhas Canarias, Argelia, Libia, Marrocos e Tunisia;
Ásia temperada:
- Azerbeijao, Ciscascausia (Federação Russa), Chipre, Irão, Iraque, Turquia e Síria.
Mapa de distribuição de Nigella damascena em Portugal continental. Fonte Naturdata
A cor amarela mostra as regiões onde a espécie foi observada em estado selvagem mas sem que tenha havido reconfirmação.
A cor verde significa que  a espécie foi validada internamente. Veja mais AQUI sobre como interpretar o mapa.
Nigella damascena pertence ao género Nigella cujo nome deriva do latim e se refere à cor negra das sementes.
Flores de Nigella damascena em botão
O epíteto damascena que designa a espécie refere-se a Damasco, na Síria, muito provavelmente o seu centro de diversidade. Foi assim denominada pelo naturalista e botânico suíço Conrad Gesner em 1561. Contudo, a espécie só foi publicada por Lineu, em 1753, tendo sido por ele atribuída ao género Nigella.
Nigella é o mais pequeno género na família Ranunculaceae e inclui 14 espécies, todas anuais e que se distribuem desde a região mediterrânica até à Asia temperada. Além da Nigella damascena, o género inclui outras espécies importantes como Nigella sativa (inexistente em Portugal no seu estado espontâneo), cultivada em várias partes do mundo e renomada pelas suas propriedades aromáticas e medicinais.
Desenho esquemático/comparativo  de Nigella sativa (à esquerda) e Nigella damascena (à direita)
Fonte: Wikipedia
Autor: Franz Eugen Köhler
As sementes de N. sativa são conhecidas pelo nome comum de cominho preto embora nada tenham a ver com o nosso conhecido cominho
Cuminum cyminum que é da família das umbelíferas. As sementes de N.sativa ganharam popularidade e consequente interesse comercial. Além de utilizadas em culinária como condimento são estimadas como antioxidantes, anti-hipertensivas, analgésicas, anti-inflamatórias, anti-histamínicas, carminativas e antibacterianas.
Há quem use as sementes de N.damascena em culinária apesar do seu teor aromático ser menos intenso mas, segundo algumas fontes, o seu uso é pouco recomendável uma vez que, em doses excessivas, podem ser tóxicas.
Caule e folhas
Os caules de Nigella damascena são eretos ou ascendentes, angulosos, simples ou escassamente ramificados desde a base. A altura da planta varia entre os 10 e os 70 cm.
As longas folhas estão divididas em segmentos muito estreitos, quase lineares.
As flores, com 2 a 3 cm de diâmetro, são hermafroditas. Geralmente, são de cor azul-clara ou brancas e aparecem solitárias no extremo dos caules, aninhando-se num invólucro verde e rendilhado constituído por 5 brácteas, maiores do que a flor.
Parte de baixo da flor mostrando o ninho de brácteas
Estas brácteas apresentam-se muito afastadas umas das outras (quase em ângulos de 90º) e estão divididas em segmentos longos, estreitos e pontiagudos, assemelhando-se às folhas.
As flores de Nigella damascena partilham uma serie de características com outros membros do seu género no entanto, apresentam uma particularidade muito interessante que é a rara coexistência, nas populações naturais, de dois tipos morfológicos que resultam num dimorfismo da composição do perianto.
O perianto é o conjunto das peças florais que rodeiam os órgãos sexuais da flor, nomeadamente as pétalas (que formam a corola) e as sépalas (que constituem o cálice). Por vezes pétalas e sépalas são mais ou menos semelhantes pelo que são designadas indiferentemente por tépalas. As tépalas semelhantes a sépalas são sepalóides e as que são semelhantes a pétalas são petalóides.
O dimorfismo floral desta espécie regista as seguintes duas formas de arquitetura floral em indivíduos diferentes:
Forma de flores simples:
Morfo de flores simples
Adaptado de Wikipedia 
Tem um perianto diferenciado em que as sépalas do cálice e as pétalas que constituem a corola são peças bem distintas. O perianto é formado por 5 sépalas azuladas petalóides e 5 a 10 pétalas de tamanho reduzido e de cor mais escura transformadas em bolsa de néctar, com dois lábios sendo o inferior bilobulado.
Forma de flores dobradas:
Morfo de flores dobradas
Nesta variante o perianto é indiferenciado, ou seja, todas as peças florais são mais ou menos semelhantes. Não existem pétalas nectaríferas mas sim um grande número de órgãos petalóides semelhantes a sépalas situados entre as sépalas petalóides no exterior e os vários estames no interior. 
Ou seja, a ausência de pétalas é colmatada por órgãos sepaliformes, observando-se um gradiente contínuo de formas que se traduz na produção de formas intermediárias bizarras, na transição entre o perianto e os estames.

Ambas as formas são complementadas por várias series de estames que constituem os órgãos masculinos da flor.
O gineceu é formado por 5 carpelos unidos em toda a sua extensão, apresentando estiletes eretos, longos e engrossados, os quais são persistentes na maturação.
Depois de fecundados os óvulos, o ovário incha e forma uma cápsula insuflada muito lisa e globosa, com 5 compartimentos separados, os quais contêm numerosas sementes achatadas e negras.
Fruto maduro e sementes de Nigella Damascena
Fonte Wikipedia

Fruto e sementes de Nigella damascena
Fonte Wikipedia
Na maturação os frutos estão anichados no invólucro de brácteas, tal como a flor. A sua forma capsular coroada pelos estiletes é algo intrigante e bizarra pelo que são excelentes para incluir em arranjos de flores, secas ou não. 
Antes da completa maturação a superfície externa dos frutos pode apresentar listas longitudinais de cor purpura. Depois de secos tomam a cor da palha, ficam com uma textura semelhante à do pergaminho e é nessa altura que se rompem, geralmente pelo atrito com o vento, deixando sair as sementes
Para secar estes frutos colhem-se com os respetivos caules enquanto as características estrias avermelhadas ainda estão visíveis e penduram-se, com as cápsulas viradas para baixo, num lugar escuro, seco e arejado. Para as flores o método é semelhante mas, para que conservem a cor, precisam ser penduradas num armário ou forno com uma atmosfera morna.
Ramo de frutos secos de Nigella damascena
Embora seja uma planta anual, uma vez semeada num determinado local a Nigella damascena volta todos os anos pois ressemeia-se e germina com facilidade nos anos seguintes. Para manter as populações controladas nos canteiros basta repicar no local e descartar as plântulas de que não necessitamos.

A existência das duas formas florais de Nigella damascena é conhecida desde os primórdios do século XVII e, desde então, foi descrita em muitas publicações (Lineu 1753; Hoffman 1875; Blaringhem 1910).
Hendrik Jannes Toxopéus (1927) estudou a espécie sob o ponto de vista genético e chegou à conclusão que este dimorfismo floral é controlado por um gene específico e que a forma simples é a dominante, sendo a forma dobrada recessiva. A prevalência da forma simples e dos seus carateres florais partilhados com o resto dos membros do seu género sugerem fortemente ser essa a forma ancestral.
Uma vez que as diferenças morfológicas existentes entre as duas formas de Nigella damascena estão diretamente relacionadas com os caracteres especificamente desenvolvidos para atrair os polinizadores (a presença ou ausência de pétalas nectaríferas e o número de órgãos atrativos), é inevitável que o comportamento dos insetos e a forma de reprodução das flores seja por elas influenciado. De facto, estudos recentes comprovaram que as flores com forma floral simples são muito visitadas por insetos, os quais são atraídos pelo néctar existente nas pequenas pétalas, sendo a fecundação feita a partir de polinização cruzada. Em contrapartida, as flores da forma floral dobrada são praticamente ignoradas pelos insetos, sobretudo os coletores de néctar, como é o caso das abelhas, que de alguma forma parecem ter conhecimento, à distância, que dali não levam nada e não vale a pena o incómodo. Neste caso a fecundação realiza-se através de autopolinização.  
No caso de populações mistas em que convivem plantas de ambos os morfos, as flores simples podem ser polinizadas pelo pólen de flores dobradas e vice-versa. Ainda assim, ambas as formas estão capacitadas para, na ausência de insetos, se reproduzirem através de autopolinização pois nesta espécie não existem mecanismos de autoincompatibilidade.

Fotos: Serra do Calvo/Lourinhã