"O grande responsável pela situação de desequilíbrio ambiental que se vive no planeta é o Homem. É o único animal existente à face da Terra capaz de destruir o que a natureza levou milhões de anos a construir"





domingo, 31 de agosto de 2014

Oenanthe crocata L.

Nomes comuns:
Embude; arrabaça; rabaça; enanto-de-cor-de-açafrão; 
prego-do-diabo; salsa-dos-rios; canafreicha

Oenanthe crocata é uma espécie perene, herbácea e bastante alta, podendo chegar aos 150 cm de altura. É nativa da Europa ocidental e também do Mediterrâneo ocidental, nomeadamente Marrocos, Irlanda, Reino Unido, Bélgica, Itália (apenas na ilha da Sardenha), França, Espanha e Portugal. 

No nosso país ocorre um pouco por todas as regiões (exceto Açores e Madeira), bordejando as margens de cursos de água com pouca corrente ou em situações de águas paradas, como acontece em pequenos lagos ou charcos. É, pois, uma espécie ripícola, vivendo na zona de transição entre o ambiente terrestre e o ambiente aquático de água doce. As suas raízes nem sempre estão mergulhadas na água mas o certo é que não lhes falta humidade durante a estiagem; também se sentem confortáveis  com as inundações periódicas de inverno, quando as chuvas engrossam as correntes.

Durante a floração, que acontece de abril a julho, Oenanthe crocata forma um arbusto vistoso e suavemente aromático. A massa verde escura da sua folhagem tem um aspeto refrescante e contrasta com as cabeças florais brancas que balouçam suavemente na brisa, embalando os insetos que nelas procuram alimento. 

O impacto visual é acentuado pela existência de vários exemplares da mesma espécie crescendo ao longo dos corredores ripícolas. 
Linda, elegante e aromática, quem havia de dizer que esta é uma das espécies mais venenosas da flora portuguesa? A sua toxicidade deve-se à oenantotoxina, uma substância do grupo dos álcoois poliacetilenos, presente em todas as partes da planta, mas muito particularmente nas raízes. A oenantotoxina é um dos metabólitos secundários produzidos pela planta. Os metabólitos secundários são substâncias químicas sintetizadas por certas espécies e que contribuem para a sua adaptação aos ecossistemas, protegendo-as contra a herbivoria, contra a infeção por agentes patogénicos e atraindo polinizadores e dispersores de sementes, tudo em prol da propagação da espécie. Esta estratégia tem sido aperfeiçoada ao longo dos processos evolutivos de cada planta, tendo em conta as suas necessidades específicas.
“Desprovidas de mobilidade para defesa e de sistema imunitário contra infeções virais, bacterianas ou fúngicas, as plantas desenvolveram uma complexidade de metabólitos secundários que funcionam como estratégias e armas químicas de resistência e combate, ao longo de mais de 300 milhões de anos de coevolução com estes microrganismos” (Harborne, 1990; Wink, 2003; Simões et al., 2009). 
Nesta conformidade a oenantotoxina atua na Oenanthe crocata como mecanismo de defesa contra a herbivoria por parte de insetos e vertebrados. 

Uma vez que a evolução das plantas está fortemente associada à evolução dos insetos herbívoros estes reconhecem os "avisos" emitidos pela Oenanthe crocata e passam de largo, mas para nós, humanos, e para o gado incauto, a planta é demasiado subtil.
Nós deixamo-nos enganar pela semelhança que flores, folhas e raízes apresentam com outras espécies comestíveis da mesma família; os animais que pastam nos campos comem o que lhes aparece ao alcance sobretudo no fim do verão quando percorrem as zonas húmidas à procura das primeiras ervas, não desdenhando as raízes de Oenanthe crocata que por vezes aparecem desenterradas pelas primeiras chuvadas. Como medida de prevenção deve fazer-se a limpeza regular dos ribeiros tendo o cuidado de recolher os tubérculos desenterrados.
A oenantotoxina é uma neurotoxina de grande potencial e que, mesmo em doses muito pequenas, ataca de forma muito agressiva não só o sistema nervoso central mas também outras partes do organismo. Provoca delírio, dores intensas, náuseas, vómitos contínuos, rictus facial com paralisia dos órgãos da fala, convulsões e finalmente a morte. Algumas substâncias extraídas da planta foram utilizadas no passado, como um remédio homeopático para o tratamento de epilepsia, em soluções aquosas muito diluídas, mas sem grande resultado pratico.
As raízes da Oenanthe crocata são tuberosas, cilíndricas, grossas e compridas, com sabor adocicado e agradável, podendo ser confundidas com a pastinaca (Pastinaca sativa), espécie da mesma família, também conhecida como cherivia ou cherovia, semelhante à cenoura mas de cor bastante mais clara. 
Pastinaca (Pastinaca sativa)
Foto de Quadell/Wikimedia commons
A pastinaca foi, em tempos idos, alimento fundamental na dieta dos povos da Europa, tendo perdido a sua importância com a introdução da batata, no séc. XVI. No entanto é ainda cultivada no nosso país, principalmente na Beira interior e Trás-os-Montes, sendo muito apreciada. 

Os caules são cilíndricos, grossos e resistentes mas ocos, libertando um líquido de cor amarelada, quando seccionados. A superfície exterior apresenta sulcos longitudinais.

As folhas lembram folhas de salsa de tamanho gigante e até podem ser confundidas com o aipo; a sua forma é triangular mas apresentam-se profundamente divididas até à nervura mediana, formando 2 a 4 folíolos. As folhas superiores são mais pequenas e constituídas por segmentos mais estreitos do que as folhas basais.

As flores de Oenanthe crocata são muito pequenas pelo que, para se tornarem mais visíveis e atraentes aos insetos polinizadores, se reúnem em inflorescências muito particulares, denominadas umbelas porque se assemelham a um conjunto de pequenos guarda-chuvas. 
Cada umbela principal consta de um número variável de raios que nascem no mesmo ponto do caule; na extremidade de cada um deles formam-se umbelas mais pequenas também constituídas por vários raios porém, mais curtos, os quais terminam numa flor. 


Desta forma, funcionando em equipa, as flores de uma umbela montam uma estratégia muito eficaz, ficando semelhantes a uma única flor com tamanho suficiente para sobressair na paisagem. Além disso, estas flores são muito generosas, fornecendo néctar como recompensa aos muitos insetos que as visitam pelo que cada umbela parece, por si só, constituir um pequeno habitat. Estas flores são geralmente polinizadas por moscas-das-flores, vespas, abelhas, formigas, besouros, escaravelhos e joaninhas.

Cada pequena flor, provida de órgãos sexuais femininos e masculinos, apresenta um cálice constituído por 5 sépalas com dentes muito curtos e de formato triangular, persistentes na frutificação. A corola é formada por 5 pétalas de cor branca ou ligeiramente rosada, curvadas para dentro sendo que as pétalas externas das flores marginais são geralmente maiores. Os 5 estames produtores de pólen, alternam com as pétalas. 

O ovário apresenta duas cavidades, cada uma delas com um óvulo e os 2 estiletes estão espessados na base formando um disco nectarífero, o qual persiste sobre os frutos até à maturação.

Os frutos são mericarpos de forma cilíndrica e cor castanha constituídos por duas metades, cada uma delas com a sua semente. Cada planta pode produzir anualmente uma grande quantidade de mericarpos que conseguem flutuar na água durante vários meses ate encontrarem sítio adequado à sua germinação. Estas condições favorecem a propagação da espécie por meio das sementes tanto na proximidade da planta-mãe como a alguma distância. Contudo a espécie também se propaga a partir de pedaços das raízes tuberosas, muitas vezes separados do caule pela força da água e arrastados na corrente.

Oenanthe crocata pertence ao género Oenanthe um dos muitos géneros da família das Apiaceae em que se inclui esta espécie. O termo genérico Oenanthe significa literalmente vinho-flor, derivado da contração das palavras gregas “oinos” (vinho) e “anthos” (flor). Tal termo tem a ver com o estado mental alterado que se assemelha à condição de embriaguez e que é o primeiro sintoma após ingestão da planta. Quanto ao termo específico da espécie, crocata vem do latim “crocum” ( =açafrão, cor-de-laranja) referindo-se à cor do exsudado existente dentro dos caules.
Esta planta pertence à família Apiaceae a qual também é conhecida por Umbelliferae. Este é o nome antigo o qual deriva do tipo de inflorescência em umbela presente na maior parte dos membros desta família. O nome Umbelliferae continua válido apesar das novas regras de  ICBN que estabelecem que os nomes das famílias botânicas devem ser construídos a partir do nome do género com maior representatividade, substituindo a declinação final pelo sufixo –aceae. Por exemplo Apiaceae foi construído a partir do género Api(um) + aceae.
São 8 as famílias botânicas que beneficiam de dupla nomenclatura pois os seus nomes antigos foram aceites tendo em conta a sua expressividade e consagração pelo uso. São elas:
Compositae=Asteraceae
Cruciferae=Brassicaceae; 
Gramineae=Poaceae
Guttiferae=Clusiaceae
Labiatae=Lamiaceae
Leguminosae=Fabaceae
Palmae=Arecaceae;  
Umbelliferae=Apiaceae

Apiaceae/Umbelliferae é uma importante família botânica que abrange entre 2500 a 3000 espécies, agrupadas em 300 a 450 géneros. A característica quase uniforme das inflorescências em umbelas, torna as diversas espécies desta família  muito semelhantes à primeira vista e por vezes muito difíceis de distinguir, mas por outro lado, também fez desta uma das primeiras famílias naturais a ser claramente reconhecida.
A classificação taxonómica desta família sofreu várias alterações nos últimos anos contudo ainda não se chegou ao consenso necessário para efetivar divisões ou junções que continuam em suspenso. Acontece que os vários autores envolvidos ainda não se puseram de acordo quanto às características fenotípicas a considerar como descritores morfológicos prevalentes. Um dos casos mais exemplificativos prende-se com a relação estreita que parece existir entre as Apiaceae e as Araliaceae: alguns autores pretendem englobar esta última nas Apiaceae enquanto outros sustentam a sua separação.
família das Apiaceae encontra-se distribuída sobretudo pelas zonas de clima temperado do hemisfério norte. A sua importância económica é incontestável, sobretudo devido ao interesse alimentício ou condimentar de grande número de espécies, muitas delas presentes no dia a dia das nossas cozinhas. Entre as mais consumidas podemos salientar a cenoura (Daucus carota), a salsa (Petroselinum crispum), o aipo (Apium graveolens), o coentro (Coriandrum sativum), o funcho (Foeniculum vulgare), a alcaravia (Carum carvi), o anis (Pimpinella anisum), o cominho (Cuminum cyminum) e o endro (Anethum graveolens).
Além da Oenanthe crocata, existem em Portugal outras espécies venenosas na família das Apiaceae/Umbelliferae. Temos, por exemplo o caso da espécie Conium maculatum, do género Conium, da qual é extraído o veneno vulgarmente conhecido por cicuta, que provoca a morte por paralisia muscular e respiratória. Este veneno é especialmente conhecido por estar associado ao grande filósofo grego Sócrates, que foi condenado à morte por ingestão de chá de cicuta, no ano 469 a.C.. 
Cicuta é também o nome cientifico de um género de plantas desta mesma família que compreende espécies muito venenosas, nativas especialmente das regiões temperadas da América do Norte.
Muitas das espécies da família Apiaceae/Umbelliferae são apreciadas pelos seus constituintes aromáticos, em resultado da produção de grande número de metabólitos secundários, ao nível dos terpenos, fenóis e alcaloides.
Muitos destes compostos têm sido utilizados desde os primórdios da humanidade como fármacos, aromatizantes, narcóticos e venenos e mais recentemente como nutraceuticos.

O riso sardónico:

Mascara sardónica, fenicia, feita em terracota - Séc.IV a.C.
Photoghraph by DEA/G. Dagli via Getty Images
O nosso vocabulário é tão rico que nunca nos faltarão adjetivos para caracterizar a multiplicidade de sorrisos que o ser humano é capaz de produzir. Dependendo do estado de espírito, físico ou emocional de cada um, o sorriso pode ser espontâneo, simples, aberto, tímido, doce, amável, brincalhão, sincero… Ou, porque os sorrisos nem sempre estão associados a momentos de boa disposição, também podem ser amargos, sarcásticos, mordazes, zombeteiros, contrafeitos, maldosos, antagónicos, desconfiados, e por aí adiante. Um sorriso até pode ser sardónico, termo que parece ter caído em desuso e que se traduz por um arreganhar de dentes que denota ironia, zombaria e sarcasmo. Tanto quanto se sabe, a expressão “sorriso sardónico”, em termos literários, surge pela primeira vez na Odisseia (XX, 302), cunhada por Homero (poeta épico da Grécia Antiga, presumível autor dos poemas épicos Iliada e Odisseia) para designar “um riso com sarcasmo amargo e mal-intencionado, um escárnio desdenhoso, ofensivo e provocador”.
O termo sorriso sardónico (do grego sardonikós) tem as suas raízes na ilha da Sardenha, (Itália) onde, há mais de 2.800 anos os colonizadores fenícios realizavam rituais de morte durante os quais eram executados não só os criminosos mas também as pessoas idosas que não dispunham de meios de sobrevivência. Em primeiro lugar faziam-nos ingerir um preparado de cuja composição fazia parte a planta Oenanthe crocata (conforme confirmado recentemente) e a seguir, atiravam-nos para o mar, do alto das falésias. Os constituintes químicos desta planta provocavam nas vítimas contrações espasmódicas dos músculos da boca que davam à face uma expressão de amargo sarcasmo, a tal que ficou conhecida como sorriso sardónico, ou seja, da Sardenha. 
Veja mais em National Geographic News 

Fotos de Oenanthe crocata: Zambujeira/Lourinhã.




quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Rhamnus alaternus L.

Nomes comuns:
Aderno-bastardo; aderno-bravo;
espinheiro-cerval; sanguinho-das-sebes

Rhamnus alaternus é um arbusto perenifólio autóctone da região mediterrânica. Distribui-se pelo sul da Europa desde Portugal à Turquia e de Marrocos a Israel. Pode encontrar-se também na Austrália e Nova Zelândia onde foi introduzido como espécie ornamental tendo-se naturalizado e adquirido comportamento invasor, competindo com as espécies nativas por espaço e nutrientes. Mais recentemente foi introduzida nos Estados Unidos onde escapou dos jardins para a natureza. Para já, não é considerada uma planta naturalizada nesse país mas tem-se dado tão bem que já chamou a atenção dos defensores do meio ambiente e o seu cultivo tem sido alvo de objeções pelos impactos negativos que poderá vir a ter nos ecossistemas locais. Na sua condição de planta exótica, uma espécie está livre dos tradicionais inimigos naturais que, na terra de origem, com ela evoluíram e a mantêm dentro dos limites.
Distribuição em Portugal
Fonte: Jardim Botânico da UTAD
No sul da Europa e norte de África, de onde é nativa, Rhamnus alaternus não é uma espécie problemática, antes pelo contrário. Ocorre de forma dispersa em bosques e matagais, solos pedregosos e até terrenos arenosos da beira-mar, geralmente associada a outras espécies tipicamente mediterrânicas, nomeadamente Phillyrea angustifolia, Pistacia lentiscus, Quercus coccifera, Smilax aspera, Asparagus aphyllus, Cistus crispus, Cistus salvifolius, entre outras espécies já descritas neste blog.

Rhamnus alaternus pertence à família Rhamnaceae que se divide em cerca de 50 géneros; entre eles o género Rhamnus inclui cerca de 100 espécies de arbustos e pequenas árvores nativas das regiões temperadas e subtropicais do hemisfério norte. 
Segundo o portal Flora-on, são 3 as espécies deste género presentes em Portugal. 

Rhamnus alaternus é utilizada frequentemente em programas de reflorestação na região mediterrânica, sobretudo em zonas áridas e rochosas, por ser uma espécie robusta e que suporta bem a sede. Além do mais, possui uma capacidade notável de regeneração que lhe permite sobreviver aos incêndios, com o rebrotamento de novos ramos originados a partir do seu raizame profundo. É uma espécie de crescimento relativamente rápido sendo bastante apreciada em jardins, providenciando estrutura e enquadramento, tendo a vantagem de conservar as belas folhas durante o ano inteiro. Rhamnus alaternus não tem preferência pelo tipo de solo e embora goste de uma boa exposição solar suporta bem a sombra intermitente. Relaciona-se bem com os ventos marítimos mas as suas raízes fragilizam-se com as geadas pelo que se lhe deve fazer proteção invernal, se for o caso.
Apesar de ser um arbusto de grande envergadura o seu tamanho pode ser restringido e a sua forma educada através da poda pois adapta-se muito bem à topiaria. Também é adequada para formar sebes e corta-ventos.

Embora insignificantes, as suas flores são abundantes e segregam o nutritivo néctar que atrai borboletas e abelhas. Posteriormente as flores transformam-se em frutos semelhantes a bagas, primeiro verdes, depois vermelhas e em seguida negras.

Na sua plenitude Rhamnus alaternus pode alcançar 8 metros de altura ou até mais. Os numerosos ramos glabros e de aspeto robusto que despontam das raízes ramificam-se de forma alternada e apresentam-se bastante emaranhados; em conjunto com a folhagem, formam uma copa compacta e arredondada. 

Os ramos mais jovens possuem uma casca lisa, de coloração castanha ou avermelhada. Com o avançar dos anos, e à medida que os ramos engrossam, a casca torna-se acinzentada e mais espessa. 


As folhas persistem neste arbusto o ano inteiro e são alternas ou quase opostas; são inteiras, pecioladas, terminando numa ponta aguda e rígida; de nervuras bem visíveis, a sua consistência é coriácea, a forma é oval e as margens estão serradas de forma algo irregular, apresentando dentes pequenos e escassos.

O verde das folhas é intenso e lustroso na pagina superior das folhas mas mais claro na pagina inferior onde as nervuras são mais visíveis. Dependendo da incidência dos raios solares as folhas apresentam tons azulados.

Rhamnus alaternus é uma planta dioica, ou seja, ao contrário da maioria das plantas de flor, em que o mesmo individuo apresenta flores com órgãos reprodutores dos dois sexos, nesta espécie as flores masculinas (com estames) e as femininas (com estigma, estilete, e ovário) ocorrem em plantas separadas. Assim, para que se forme semente é necessário haver plantas com flores masculinas na proximidade de plantas com flores femininas.
Veja mais sobre a dioicia AQUI.



As flores, em forma de taça, são abundantes mas minúsculas, de cor esverdeada ou amarelada e agrupam-se em cachos densos, com pedicelos curtos.
As flores masculinas juntam-se em espigas alongadas, pendentes, não têm pétalas e apresentam 4 ou 5 estames.
As femininas dispõem-se em cachos eretos e podem ter pétalas muito curtas mas geralmente são inexistentes.
Flores masculinas 
Fonte: Commons Wikimedia 

Flores femininas (pormenor da foto de JDAlmeida)
Fonte Flora-on 
O cálice é constituído por 5 sépalas que, nas flores masculinas se dobram bruscamente para baixo, enquanto nas flores femininas permanecem eretas, conforme é visível nas fotos.
As flores são polinizadas por insetos ou por ação do vento. Não dispondo de pétalas ou sépalas vistosas e chamativas, a principal atração para os insetos polinizadores reside na oferta de néctar, depositada num disco nectarífero.

Segundo a Flora Iberica o Rhamnus alaternus tem tendência para apresentar alguns dimorfismos sexuais e as plantas masculinas têm frequentemente uma floração mais abundante, embora apresentem menor envergadura e folhas mais pequenas.
Estudos feitos em Itália (os quais poderão eventualmente servir de referência a outras regiões do Mediterrâneo) concluíram que as colónias de Rhamnus alaternus são formadas por maior número de plantas masculinas do que femininas; as flores masculinas são mais abundantes e parecem florescer regularmente todos os anos enquanto as plantas femininas produzem fruto de dois em dois anos (Aronne e Wilcock 1995).

Esta espécie floresce no final do inverno ou início da primavera e os frutos ficam maduros a partir do início do verão, ou seja, mais cedo do que outras produtoras de bagas (cujos frutos só amadurecem em meados do verão ou no outono). Esta frutificação precoce representa uma vantagem evolutiva tendo em conta que coincide com a época da reprodução de potenciais frugívoros e pássaros dispersores de sementes.

Os frutos são carnudos e arredondados, inicialmente vermelhos e depois negros, quando completamente maduros. No interior da polpa encontram-se de 2 a 4 pequenas sementes estando cada uma delas encerrada num invólucro duro, semelhante a um caroço, o endocarpo, o qual se abre espontaneamente depois de seco, expelindo as sementes e lançando-as a uma pequena distância. 

Curiosamente, nesta espécie, o endocarpo só libera as sementes depois de estar limpo de polpa. A polpa tem de ser removida pelos dispersores de sementes, quer pelos pássaros ou por pequenos mamíferos, através dos seus processos digestivos ou pelos insetos, depois dos frutos terem caído para o solo.

Raízes, casca, folhas e frutos de Rhamnus alaternus são ricos em emodina (um composto secundário derivado das antraquinonas). São utilizados na indústria, nomeadamente na fabricação de corantes, medicamentos e cosméticos. A emodina possui uma poderosa ação laxante, principal razão pela qual esta espécie tem sido utilizada, desde a Antiguidade, com fins terapêuticos.

Os metabólitos secundários e a emodina:
Todos sabemos que as plantas sintetizam um enorme número de químicos, de natureza muito diversificada. Estes químicos podem ser divididos em metabólitos primários e secundários.
Os metabólitos primários incluem os químicos essenciais para o crescimento e desenvolvimento de todas as plantas, como a fotossíntese ou o metabolismo respiratório.
Os metabólitos secundários são estrutural e quimicamente muito mais diversificados que os metabólitos primários e referem-se a compostos presentes em células especializadas que, não sendo diretamente essenciais, são, ainda assim, necessários para a sobrevivência das plantas.
Os metabólitos secundários são capazes de responder eficazmente às situações de stress, aparentemente atuando como defesa (contra herbívoros, micróbios, viroses ou plantas concorrentes) como sinalização (para atrair polinizadores e animais dispersores das sementes) e também como antioxidantes e protetores da radiação solar.
A emodina é um importante metabólito secundário do grupo das antraquinonas. Sabe-se que desempenha um papel relevante na adaptabilidade e sobrevivência de certas plantas, tendo sido registado em 17 famílias botânicas, distribuídas por climas tropicais, subtropicais e temperados. É mais comum entre algumas espécies de Fabaceae (Cassia spp), Polygonaceae (Rheum, Rumex e Polygonum spp) e Rhamnaceae (Rhamnus e Ventilago spp) mas recentemente foi também assinalada em algumas espécies de Asteraceae e Poaceae. A emodina tem muitas propriedades, podendo atuar como inseticida natural, protegendo raízes, caules, folhas e frutos contra a ação de organismos transmissores de doenças. Pode ainda limitar a herbivoria feita por insetos fitófagos e o consumo dos frutos enquanto estão verdes, protegendo as sementes e evitando a sua dispersão antes de estarem maduras ou a sua precoce destruição pelos predadores.
A emodina pode distribuir-se por todos os órgãos das plantas ou apenas por alguns. Também apresenta níveis de concentração desiguais conforme os órgãos da planta ou a estação do ano e até mesmo conforme a hora do dia, o que reflete a diversidade de trajetórias evolutivas e as diferentes funções adaptativas que pode ter.

Nota:
Algo semelhante acontece com as centenas de milhar de metabólitos secundários já conhecidos, muitos deles responsáveis pelas propriedades terapêuticas registadas em tantas plantas consideradas medicinais. Daí que a recolha dessas plantas seja, tradicionalmente, condicionada aos fatores ambientais, por forma a potenciar os seus efeitos (época do ano, hora do dia, recolha diurna ou noturna, etc.)

No que diz respeito a Rhamnus alaternus a emodina está presente em todas as partes da planta, mas os níveis de concentração variam conforme os órgãos e os seus requisitos, sendo também influenciados por fatores ambientais.
Do ponto de vista ecológico seria de esperar que a concentração de emodina nos frutos maduros fosse consideravelmente mais baixa, tendo em conta que a polpa recompensa os dispersores de sementes e que as sementes deveriam ser menos atrativas, para conseguir repelir os predadores. De facto, assim é. Os níveis de emodina são 8 vezes mais elevados nas folhas do que nos frutos verdes (polpa e sementes) e nos frutos maduros os níveis encontrados na polpa são 14 vezes mais baixos do que nas sementes.
A concentração de emodina na polpa dos frutos verdes torna-os moderadamente tóxicos (dependendo das doses ingeridas) devido às suas propriedades laxantes. A sua concentração aumenta nos primeiros estágios da maturação atingindo um pico antes dos frutos estarem maduros, caindo para um mínimo quando os frutos amadurecem. A estratégia da planta é impedir que os frutos e sementes sejam ingeridos antes de tempo, uma vez que o seu objetivo principal se prende com a reprodução e a propagação da espécie. De facto muitas espécies de aves parecem sensíveis à variação na concentração da emodina preferindo consumir os frutos maduros, tanto mais que a frutificação desta espécie ocorre numa época do ano em que não faltam alimentos. Outras espécies, no entanto, parecem dar mais importância aos hidratos de carbono, lípidos e proteínas que podem retirar da polpa dos frutos, em detrimento das consequências. Não que uns pássaros sejam mais inteligentes que os outros. O que parece é que no Mediterrâneo as aves nativas coevoluiram com o Rhamnus alaternus e há muito que aprenderam com o que podem contar; outras aves, possivelmente migratórias ou naturalizadas, ainda não conseguem fazer a discriminação adequada. Em países onde o Rhamnus alaternus foi introduzido (e é, portanto, exótica), o mesmo acontece com as aves nativas, que ainda não adquiriram o conhecimento desta planta.
Contudo, mesmo quando os frutos amadurecem, o seu sabor não encoraja a grandes banquetes. Na realidade esta é uma estratégia evolutiva pois a planta prefere que venham muitos “clientes” mas que cada um coma pouco de cada vez, não vendo com bons olhos os que ficam por ali a repetir o almoço. Senão vejamos:
As propriedades laxantes da emodina presente nos frutos de Rhamnus alaternus, provocam alterações na digestão das pequenas aves mesmo quando estes estão maduros, provocando diarreias. Se as aves ingerem uma maior quantidade de frutos de uma vez (por consequência, ingerindo maior quantidade de emodina) a digestão processa-se rapidamente e sendo lógico pensar que elas vão ficando por ali perto, as defecações, que fatalmente surgirão a intervalos curtos, são feitas perto da planta. Quando as aves ingerem apenas alguns frutos e depois voam para outros lugares na procura de alimento mais saboroso, a digestão é retardada pela ingestão de outros componentes. Desta forma não só os compostos digestivos da ave dispõem de mais tempo para processar a polpa e dela retirarem mais nutrientes, como as defecações serão feitas em locais mais afastados e mais apropriados à germinação das sementes. Recordo que, nesta espécie, o endocarpo só liberta as sementes quando está limpo de polpa uma vez que a emodina nela contida inibe a sua germinação.
A emodina também tem propriedades alelopáticas, isto é, a sua composição química impede que outras plantas cresçam em seu redor, inibindo a concorrência por espaço e nutrientes.

Os legítimos dispersores de sementes:
Os frutos de Rhamnus alaternus são uma fonte de alimento para as aves e pequenos mamíferos (morcegos e roedores) mas, do ponto de vista reprodutivo da planta, nem todos são “amigos”. As aves granívoras, que se alimentam essencialmente de sementes, e os roedores, são predadores de sementes pois danificam-nas, mastigando-as juntamente com a polpa. Pelo contrário, as aves frugívoras e os morcegos, entre outros vertebrados, são os que contribuem para a proliferação da planta. É que eles procuram essencialmente a polpa, sem causar prejuízo às sementes. Contudo entre as aves frugívoras há dois comportamentos que é preciso distinguir. Existem os “consumidoras de polpa” que se limitam a debicar os frutos, deixando-os nos ramos ou fazendo-os cair acidentalmente no solo ao pé da planta-mãe. Em contrapartida os “legítimos dispersores de sementes” engolem os frutos inteiros no local ou carregam-nos no bico, levando-os para longe. Neste caso, depois de digeridas, as sementes são regurgitadas ou defecadas, intactas e despidas da polpa. Estes são os “legítimos dispersores das sementes”. No entanto até eles podem causar dano, o que acontece se ingerirem os frutos verdes, antes de as sementes serem viáveis. Assim, do ponto de vista evolutivo e tendo em conta o sucesso reprodutivo e a consequente proliferação da espécie, os frutos deparam-se com alguns problemas. Se por um lado têm de ser simultaneamente atrativos para os agentes frugívoros dispersores e não-atrativos para os predadores de sementes, por outro lado eles têm de encontrar formas de não serem ingeridos ou destruídos antes do amadurecimento completo.
Em resumo, a contribuição dos frugívoros para o crescimento e desenvolvimento das plantas tem a ver com a forma como é feita a dispersão das sementes, estando em causa não só a quantidade mas também a qualidade com que esta é feita.
A quantidade da dispersão é fundamentalmente determinada pelo número de visitas feitas à planta e o número de sementes consumidas em cada visita.
A qualidade na dispersão é baseada no desgaste da polpa feito pelos sucos digestivos e nas condições em que as sementes são posteriormente depositadas.
A interação de Rhamnus alaternus com os pássaros dispersores tem sido alvo de estudos no terreno que comprovam consequências tanto positivas como negativas para a planta.
No que diz respeito à quantidade, o aspeto positivo é que a dispersão de sementes de Rhamnus alaternus, numa altura em que não há outras bagas maduras, evita uma competição interespecífica, sendo a dispersão provavelmente maior do que se outras espécies também tivessem bagas maduras. Qualitativamente, a baixa densidade da chuva de sementes (sementes germinadas no locais da deposição dos dejetos) tem a vantagem de reduzir a quantidade de plântulas nascidas, diminuindo a competição entre as futuras plantas.
O aspeto negativo tem a ver com a pequena quantidade de dispersores de sementes, em conjunto com a natural abundância de outros recursos - estas aves também apreciam os artrópodes (insetos, aranhas, centopeias) – o que indicia um número limitado de visitas para remoção dos frutos, resultando em muitas sementes que ficam por dispersar. Por outro lado, o comportamento territorial das aves em época de nidificação reduz as distâncias entre a planta e o local da defecação. Apesar disso a ação dos dispersores de sementes provou ser razoavelmente eficaz na remoção da polpa através dos sucos digestivos, promovendo a capacidade de germinação.
Estes estudos constataram a presença de algumas aves bem nossas conhecidas e ficamos a saber que elas são “legítimas dispersoras de sementes” (pelo menos no que diz respeito a Rahmnus alaternus):
Sylvia melanocefala (toutinegra-de-cabeça-preta) – Veja AQUI e AQUI
Sylvia undata (Felosa-do-mato ou Toutinegra-do-mato) – Veja AQUI
Sylvia atricapilla (toutinegra-de-barrete-preto) – Veja AQUI e AQUI
Erithacus rubecula (Pisco-de-peito-ruivo) – Veja AQUI
Turdus merula ( Melro-preto) – Veja AQUI

Fotos de Rhamnus alaternus: Serra do Calvo/Lourinhã.