sexta-feira, 25 de abril de 2014

Quercus coccifera L. subsp. coccifera

Nomes comuns:
Carrasco; carvalho-dos-quermes; carrasco-galego;
carrasqueiro; carrasquinha; verdadeiro-carrasco

Quercus coccifera é um arbusto de folhas persistentes originário do sul da Europa e que cresce de forma espontânea em toda a região mediterrânica. É uma espécie de crescimento lento que pode atingir os 3 metros de altura, ou mesmo mais. 
Apesar da sua envergadura é considerada um arbusto pois não tem apenas um tronco principal como acontece com as árvores, antes apresenta vários troncos semelhantes que nascem à altura do solo. Estes são numerosos, ascendentes, muito ramificados e tortuosos, curvando-se numa e noutra direção. 
Cobertos de folhas, os ramos formam uma massa densa e intrincada que serve de refúgio a pequenos mamíferos tais como coelhos e lebres e até aves, nomeadamente perdizes, que aproveitam para aí fazerem os seus ninhos, com toda a privacidade. É, pois, uma espécie importante para a conservação da biodiversidade.
Quercus coccifera pertence à família Fagaceae que inclui cerca de 1000 espécies entre arbustos e arvores, distribuídas pelas zonas temperadas do hemisfério norte e agrupadas em 8 géneros, entre os quais o género Quercus no qual se enquadra esta espécie. O género Quercus (carvalhos) inclui cerca de 600 espécies das quais 9 são de crescimento espontâneo em Portugal Continental, nomeadamente o sobreiro, a azinheira, o carvalho-cerquinho, carvalho-negral e carvalho-roble, entre outras.
Sendo uma espécie arbustiva a Quercus coccifera está melhor adaptada à contingência de fogos do que as espécies arbóreas. Logo após a extinção dos fogos, novos ramos rebentam vigorosamente, graças ao seu enraizamento profundo. O mesmo acontece em casos de fogos sucessivos, tornando-se, nos primeiros anos após um fogo, numa espécie dominante nas regiões onde está instalada,  aproveitando o espaço deixado livre por outras espécies mais sensíveis.
Cresce em todos os tipos de solo mas adapta-se especialmente bem aos terrenos calcários, secos e pedregosos, em locais expostos ao sol. É uma espécie muito resistente cujas características morfológicas lhe permitem suportar os verões secos e por vezes escaldantes tão característicos do clima mediterrânico. Também a podemos ver em arribas expostas aos ventos do litoral os quais, no entanto, lhe restringem o crescimento. 
Distribuição em Portugal Continental
 Fonte: Jardim Botânico UTAD
É comum no centro e sul de Portugal crescendo em baldios e encostas sendo a sua expansão favorecida pela degradação de azinhais e sobreirais e outras quercíneas. 
As folhas, de pecíolo curto, apresentam forma oblonga ou obovada e as margens são dentadas e espinhosas; são muito lustrosas e brilhantes, de aspeto coriáceo e de cor verde-escuro na página superior e amareladas na inferior.
Esta é uma espécie monoica, ou seja, na mesma planta coexistem flores masculinas e flores femininas, separadas. As flores masculinas, muito abundantes, dispõem-se em espigas alongadas e pendentes enquanto as femininas, em menor numero, são solitárias ou se reúnem aos pares nas axilas das folhas.
Este arbusto floresce durante os meses de abril e maio mas só frutifica em agosto do ano seguinte. Os 18 meses que medeiam entre a polinização e a maturação do fruto são de “trabalho” e esforço energético pois há que processar a transformação de flores diminutas em frutos comparativamente grandes.
Os frutos são glandes, vulgarmente chamados bolotas, comestíveis e bem característicos das espécies do género Quercus. A bolota, de forma oval e de cor castanha quando madura, é globosa e termina em ponta rígida; está inserida numa cúpula hemisférica de cor castanho-claro que cobre pelo menos metade da parte carnuda. Esta cúpula liga-se ao ramo por meio de um pedúnculo curto e está eriçada de escamas imbricadas, salientes e quase espinhosas. As bolotas de Querqus coccifera são mais globosas que as das outras quercíneas mas são também as mais amargas pelo que poucas vezes terão sido consumidas pelas populações ou utilizadas na alimentação de animais domésticos. Ainda assim serão certamente apreciadas pela fauna silvestre que, pouco habituada a luxos, se contenta com o que a natureza põe ao seu alcance.
Característico do género Quercus e muito especialmente da Quercus coccifera é o aparecimento de galhas (também designadas por bugalhos) nas folhas ou nos ramos. As galhas apresentam-se como pequenas excrescências de forma mais ou menos esférica e que à primeira vista parecem frutos. As galhas resultam das picadas de certo tipo de insetos que ocasionam uma reação que leva ao espessamento dos tecidos criando assim, um espaço que funciona como casulo. É nesse espaço que o inseto deposita os seus ovos e as larvas se desenvolvem, parasitando a planta e aproveitando-se dos nutrientes que retiram da galha.
No caso do Quercus coccifera as galhas são provocadas pelo inseto do género Kermes, Kermococcus vermilio. As galhas são vermelhas e desenvolvem-se durante o inverno, principalmente em anos mais húmidos; inicialmente parecem flores, depois vão tomando a forma arredondada, ficando esponjosas por dentro e duras por fora. Estas galhas foram, em tempos idos, muito utilizadas para obter tinta de cor escarlate ou carmim usada para muitos fins, desde as artes ao tingimento de têxteis. Pela dificuldade em obter esta cor de outra forma o corante de Kermes, também chamado grã-de-carrasco, teve no passado grande valor comercial em Portugal e noutros países do Mediterrâneo ocidental que o exportavam para o norte da Europa. O inseto em causa pertence à família Coccidae de onde deriva o nome científico Coccifera que identifica a espécie Quercus coccifera.

O Instituto Nacional de Recursos Biológicos publicou um boletim com algumas informações interessantes sobre este assunto o qual começa assim: “Kermes vermilio Planchon, conhecido como grã-dos-tintureiros ou grã-de-carrasco, é um inseto do grupo das cochonilhas, que foi utilizado em tinturaria, para dar a cor carmesim a tecidos valiosos, fabricados desde a antiguidade clássica em toda a Europa, principalmente na zona mediterrânica. Em Portugal era vulgar na Arrábida e no Barrocal algarvio, com grandes populações, que permitiram a sua exploração comercial, tendo sido exportado, como matéria corante preciosa, para muitos centros têxteis europeus. Hoje é raríssimo, não só em Portugal, sendo uma espécie em extinção, mas também noutras zonas onde antes era abundante.” … Para ler mais, clique AQUI

Em certas regiões de Portugal a produção do corante kermes poderá ter contribuído para a manutenção de algumas florestas de quercíneas, nomeadamente no Parque Natural da Arrábida. Na realidade muitas foram as florestas mediterrânicas que com as suas populações de carvalhos desapareceram para sempre devido à desflorestação desenfreada não só para aproveitamento das madeiras mas também para obter novos campos agrícolas. 


NOTA À MARGEM:
O corante quermes caiu em desuso com a introdução na Europa do corante de cochonilha ou corante carmim, importado do México durante o período colonial e que era dez vezes mais rentável. O corante de cochonilha era transacionado pelos Maias, tal como tinha sido feito pelos Aztecas e possuía grande valor comercial na América do Sul. Teve muito sucesso na Europa onde passou a ser consumido em larga escala. Este corante natural perdeu a sua importância com a descoberta dos corantes sintéticos, no seculo XIX. Contudo mais recentemente o corante de cochonilha voltou a ser comercialmente viável, por ser natural ao contrário dos corantes artificiais que poderão ser tóxicos ou cancerígenos. Este corante, denominado E-120, é usado para dar cor vermelha ou rosa a grande variedade de alimentos, doces ou salgados, nomeadamente gelados, iogurtes, gelatinas, salsichas entre outros. É também usado em produtos farmacêuticos e de cosmética. O corante cochonilha obtém-se a partir do inseto cochonilha (Dactylopius coccus), criado em catos do género Opuntia, no México, Peru, Bolivia, Chile e ilhas Canárias. Para mais detalhes veja AQUI.

Resta acrescentar que o nome cochonilha se aplica a diversos insetos que se alimentam da seiva das plantas, podendo mata-las se não forem eliminados. Quase todos nós já a tivemos nas nossas plantas ornamentais, numa altura ou outra. As cochonilhas assumem diversos aspetos, desde a aparência de pequenas lapas acastanhadas ou pequenas ostras brancas até aos pequenos farrapos semelhantes a algodão. Uma coisa têm em comum: quando esmagadas todas libertam um líquido vermelho, o acido carmínico, o qual é produzido como defesa contra os predadores.  

A Floresta mediterrânica em Portugal
FONTE:  SPEA = Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves

“Mais de metade da floresta original do nosso planeta já foi destruída. As causas são diversas, mas destacam-se as que se devem a ações diretas do Homem como os incêndios, a desflorestação para plantações e construção de cidades, as pragas e doenças e também a introdução de espécies provenientes de diferentes habitats, as chamadas espécies invasoras. A poluição atmosférica e as alterações climáticas têm também impacto no desaparecimento das florestas, causando secas, e contribuindo para o aumento dos incêndios. Os cenários futuros não são animadores e prevê-se que simultaneamente aos períodos de seca e aumento das temperaturas, haja um aumento das tempestades e períodos de chuva intensa.
As florestas são uma fonte de riqueza que, quando bem gerida, pode tornar-se inesgotável. Das florestas o homem pode retirar a madeira para fazer mobiliário e papel, carvão, cortiça, resina, cogumelos, frutos silvestres, mel, entre outros. As florestas protegem ainda os solos da erosão, armazenam carbono e purificam o ar e água e regulam os sistemas hidrológicos através do controlo dos caudais.
O ecoturismo é também uma atividade económica em franco crescimento. Atividades como a observação de aves ou mesmo as caminhadas, são sinónimo de bons momentos passados em harmonia com a natureza, que demonstram bem que conservação e turismo podem andar de mãos dadas.
Montados e florestas de sobreiro, azinheira e carvalhos (quercíneas) de Portugal Continental são fontes de biodiversidade. São habitats que sofrem um grau variável de intervenção humana, que vai desde a extração da cortiça até ao uso múltiplo silvícola, agropecuário, apícola, cinegético e turístico. São um exemplo paradigmático de uma exploração florestal múltipla, sustentável, de grande importância socioeconómica, cultural e ecológica. A importância ecológica reside no facto destas florestas de sobro e carvalhos funcionarem como barreiras contra a desertificação do solo e contra os incêndios florestais.
Nas florestas de quercíneas foram catalogadas mais de 700 espécies de plantas, incluindo endemismos ibéricos, como a Peónia (Paeonia broteroi)  e o Rosmaninho (Lavandula stoechas luisieri)  . Ocorrem 24 espécies de répteis e anfíbios e 160 espécies de aves, das quais mais de 100 nidificam. Ocorrem também 37 espécies de mamíferos, de onde podemos destacar o Gato-bravo (Felix sylvestris), ameaçado de extinção em toda a Europa, o Ratinho-de-Cabrera (Microtus cabrerae) e o Lince-ibérico (Lynx pardina), ambos endemismos ibéricos. Esta última espécie é mesmo o felídeo mais ameaçado do mundo, existindo atualmente menos de 120 indivíduos em Portugal e Espanha.
As aves são indicadores precisos do estado do ambiente nos habitats e ecossistemas, porque estão posicionadas no topo das cadeias alimentares, porque são muito conspícuas e ocorrem em vastas áreas. Nestes habitats florestais ocorrem espécies ameaçadas de extinção, como a Cegonha-preta (Ciconia nigra), a Águia-imperial-ibérica (Aquila adalberti)  e a Águia-perdigueira (Hieraaetus fasciatus). Podemos encontrar também espécies raras, como a Águia-cobreira (Circaetus gallicus), o Bútio-vespeiro (Pernis apivorus), o Peneireiro-cinzento (Elanus caeruleus)  ou a Toutinegra-real (Sylvia hortensis). Mas acima de tudo podemos observar um fervilhar de dezenas de espécies comuns (aves de rapina diurnas e noturnas, perdizes, poupas e abelharucos, pica-paus, cotovias, picanços, estorninhos, gaios e pegas, piscos, rouxinóis e tordos, felosas e toutinegras, chapins, trepadeiras, pardais, tentilhões e escrevedeiras), que são o indicador da saúde ambiental dos montados e florestas de Sobro.”

Fotos: Serra do Calvo e Caniçal / Lourinhã