Nomes comuns:
Carrasco; carvalho-dos-quermes; carrasco-galego;
carrasqueiro; carrasquinha; verdadeiro-carrasco
Quercus
coccifera é um arbusto de folhas persistentes originário do sul da Europa e que
cresce de forma espontânea em toda a região mediterrânica. É uma espécie de
crescimento lento que pode atingir os 3 metros de altura, ou mesmo mais.
Apesar da sua envergadura é considerada um arbusto pois não tem apenas um tronco principal como acontece com as árvores, antes apresenta vários troncos semelhantes que nascem à altura do solo. Estes são numerosos, ascendentes, muito ramificados e tortuosos, curvando-se numa e noutra direção.
Cobertos de folhas, os ramos formam uma massa densa e intrincada que serve de refúgio a pequenos mamíferos tais como coelhos e lebres e até aves, nomeadamente perdizes, que aproveitam para aí fazerem os seus ninhos, com toda a privacidade. É, pois, uma espécie importante para a conservação da biodiversidade.
Quercus
coccifera pertence à família Fagaceae que
inclui cerca de 1000 espécies entre arbustos e arvores, distribuídas pelas
zonas temperadas do hemisfério norte e agrupadas em 8 géneros, entre os quais o
género Quercus no qual se enquadra esta espécie. O género Quercus (carvalhos) inclui cerca de 600 espécies das quais 9 são de
crescimento espontâneo em Portugal Continental, nomeadamente o sobreiro, a
azinheira, o carvalho-cerquinho, carvalho-negral e carvalho-roble, entre
outras.
Sendo uma espécie arbustiva a Quercus
coccifera está melhor adaptada à contingência de fogos do que as espécies
arbóreas. Logo após a extinção dos fogos, novos ramos rebentam vigorosamente, graças ao seu enraizamento profundo. O mesmo acontece em casos de fogos
sucessivos, tornando-se, nos primeiros anos após um fogo, numa espécie dominante nas regiões onde está instalada, aproveitando o espaço deixado livre por outras
espécies mais sensíveis.
Cresce em todos os tipos de solo mas adapta-se especialmente bem aos
terrenos calcários, secos e pedregosos, em locais expostos ao sol. É uma
espécie muito resistente cujas características morfológicas lhe permitem
suportar os verões secos e por vezes escaldantes tão característicos do clima
mediterrânico. Também a podemos ver em arribas expostas aos ventos do litoral
os quais, no entanto, lhe restringem o crescimento.
Distribuição em Portugal Continental Fonte: Jardim Botânico UTAD |
É comum no centro e sul de
Portugal crescendo em baldios e encostas sendo a sua expansão favorecida pela
degradação de azinhais e sobreirais e outras quercíneas.
As folhas, de pecíolo curto, apresentam forma oblonga ou obovada e as
margens são dentadas e espinhosas; são muito lustrosas e brilhantes, de aspeto
coriáceo e de cor verde-escuro na página superior e amareladas na inferior.
Esta é uma espécie monoica, ou seja, na mesma planta coexistem flores
masculinas e flores femininas, separadas. As flores masculinas, muito
abundantes, dispõem-se em espigas alongadas e pendentes enquanto as femininas,
em menor numero, são solitárias ou se reúnem aos pares nas axilas das folhas.
Este arbusto floresce durante os meses de abril e maio mas só frutifica em
agosto do ano seguinte. Os 18 meses que medeiam entre a polinização e a
maturação do fruto são de “trabalho” e esforço energético pois há que processar
a transformação de flores diminutas em frutos comparativamente grandes.
Os frutos são glandes, vulgarmente chamados bolotas, comestíveis e bem característicos das espécies do género Quercus. A bolota, de forma oval e de
cor castanha quando madura, é globosa e termina em ponta rígida; está inserida
numa cúpula hemisférica de cor castanho-claro que cobre pelo menos metade da
parte carnuda. Esta cúpula liga-se ao ramo por meio de um pedúnculo curto e
está eriçada de escamas imbricadas, salientes e quase espinhosas. As bolotas de
Querqus coccifera são mais globosas que as das outras quercíneas mas são também as
mais amargas pelo que poucas vezes terão sido consumidas pelas populações ou utilizadas na alimentação de animais
domésticos. Ainda assim serão certamente apreciadas pela fauna silvestre que,
pouco habituada a luxos, se contenta com o que a natureza põe ao seu alcance.
Característico do género Quercus e muito especialmente da Quercus coccifera é o aparecimento de galhas (também designadas por bugalhos) nas folhas ou nos ramos. As galhas
apresentam-se como pequenas excrescências de forma mais ou menos esférica e que
à primeira vista parecem frutos. As galhas resultam das picadas de certo tipo
de insetos que ocasionam uma reação que leva ao espessamento dos tecidos
criando assim, um espaço que funciona como casulo. É nesse espaço que o inseto
deposita os seus ovos e as larvas se desenvolvem, parasitando a planta e
aproveitando-se dos nutrientes que retiram da galha.
No caso do Quercus coccifera as
galhas são provocadas pelo inseto do género Kermes,
Kermococcus vermilio. As galhas são
vermelhas e desenvolvem-se durante o inverno, principalmente em anos mais húmidos;
inicialmente parecem flores, depois vão tomando a forma arredondada, ficando
esponjosas por dentro e duras por fora. Estas galhas foram, em tempos idos, muito
utilizadas para obter tinta de cor escarlate ou carmim usada para muitos fins,
desde as artes ao tingimento de têxteis. Pela dificuldade em obter esta cor de
outra forma o corante de Kermes,
também chamado grã-de-carrasco, teve no passado grande valor comercial em Portugal e noutros países do Mediterrâneo ocidental que o exportavam para o norte da Europa. O inseto em causa pertence à família Coccidae de
onde deriva o nome científico Coccifera
que identifica a espécie Quercus
coccifera.
O Instituto Nacional de Recursos Biológicos publicou um boletim com algumas informações interessantes sobre este assunto o qual começa assim: “Kermes vermilio Planchon,
conhecido como grã-dos-tintureiros ou grã-de-carrasco, é um inseto do grupo das
cochonilhas, que foi utilizado em tinturaria, para dar a cor carmesim a tecidos
valiosos, fabricados desde a antiguidade clássica em toda a Europa,
principalmente na zona mediterrânica. Em Portugal era vulgar na Arrábida e no
Barrocal algarvio, com grandes populações, que permitiram a sua exploração
comercial, tendo sido exportado, como matéria corante preciosa, para muitos
centros têxteis europeus. Hoje é raríssimo, não só em Portugal, sendo uma
espécie em extinção, mas também noutras zonas onde antes era abundante.” … Para ler mais, clique AQUI
Em certas regiões de Portugal a produção do corante kermes
poderá ter contribuído para a manutenção de algumas florestas de quercíneas,
nomeadamente no Parque Natural da Arrábida. Na realidade muitas foram as florestas mediterrânicas
que com as suas populações de carvalhos desapareceram para sempre devido à
desflorestação desenfreada não só para aproveitamento das madeiras mas também
para obter novos campos agrícolas.
NOTA À MARGEM:
O corante quermes caiu em desuso com a introdução na
Europa do corante de cochonilha ou corante carmim, importado do México durante
o período colonial e que era dez vezes mais rentável. O corante de cochonilha era
transacionado pelos Maias, tal como tinha sido feito pelos Aztecas e possuía
grande valor comercial na América do Sul. Teve muito sucesso na Europa onde
passou a ser consumido em larga escala. Este corante natural perdeu a sua importância
com a descoberta dos corantes sintéticos, no seculo XIX. Contudo mais recentemente
o corante de cochonilha voltou a ser comercialmente viável, por ser natural ao contrário
dos corantes artificiais que poderão ser tóxicos ou cancerígenos. Este corante,
denominado E-120, é usado para dar cor vermelha ou rosa a grande variedade de
alimentos, doces ou salgados, nomeadamente gelados, iogurtes, gelatinas,
salsichas entre outros. É também usado em produtos farmacêuticos e de cosmética.
O corante cochonilha obtém-se a partir do inseto cochonilha (Dactylopius coccus), criado em catos do género Opuntia, no México, Peru, Bolivia, Chile e ilhas Canárias. Para
mais detalhes veja AQUI.
Resta acrescentar que o nome cochonilha se aplica a diversos
insetos que se alimentam da seiva das plantas, podendo mata-las se não forem
eliminados. Quase todos nós já a tivemos nas nossas plantas ornamentais, numa
altura ou outra. As cochonilhas assumem diversos aspetos, desde a aparência de
pequenas lapas acastanhadas ou pequenas ostras brancas até aos pequenos farrapos
semelhantes a algodão. Uma coisa têm em comum: quando esmagadas todas libertam
um líquido vermelho, o acido carmínico, o qual é produzido como defesa contra
os predadores.
A Floresta mediterrânica em Portugal
“Mais de metade da floresta original do nosso planeta já foi destruída. As
causas são diversas, mas destacam-se as que se devem a ações diretas do Homem
como os incêndios, a desflorestação para plantações e construção de cidades, as
pragas e doenças e também a introdução de espécies provenientes de diferentes
habitats, as chamadas espécies invasoras. A poluição atmosférica e as
alterações climáticas têm também impacto no desaparecimento das florestas,
causando secas, e contribuindo para o aumento dos incêndios. Os cenários
futuros não são animadores e prevê-se que simultaneamente aos períodos de seca
e aumento das temperaturas, haja um aumento das tempestades e períodos de chuva
intensa.
As florestas são uma fonte de riqueza que, quando bem gerida, pode
tornar-se inesgotável. Das florestas o homem pode retirar a madeira para fazer
mobiliário e papel, carvão, cortiça, resina, cogumelos, frutos silvestres, mel,
entre outros. As florestas protegem ainda os solos da erosão, armazenam carbono
e purificam o ar e água e regulam os sistemas hidrológicos através do controlo
dos caudais.
O ecoturismo é também uma atividade económica em franco crescimento. Atividades
como a observação de aves ou mesmo as caminhadas, são sinónimo de bons momentos
passados em harmonia com a natureza, que demonstram bem que conservação e
turismo podem andar de mãos dadas.
Montados e florestas de sobreiro, azinheira e carvalhos (quercíneas) de
Portugal Continental são fontes de biodiversidade. São habitats que sofrem um
grau variável de intervenção humana, que vai desde a extração da cortiça até ao
uso múltiplo silvícola, agropecuário, apícola, cinegético e turístico. São um
exemplo paradigmático de uma exploração florestal múltipla, sustentável, de
grande importância socioeconómica, cultural e ecológica. A importância
ecológica reside no facto destas florestas de sobro e carvalhos funcionarem
como barreiras contra a desertificação do solo e contra os incêndios
florestais.
Nas florestas de quercíneas foram catalogadas mais de 700 espécies de
plantas, incluindo endemismos ibéricos, como a Peónia (Paeonia broteroi) e o Rosmaninho (Lavandula stoechas luisieri) . Ocorrem
24 espécies de répteis e anfíbios e 160 espécies de aves, das quais mais de 100
nidificam. Ocorrem também 37 espécies de mamíferos, de onde podemos destacar o
Gato-bravo (Felix sylvestris), ameaçado
de extinção em toda a Europa, o Ratinho-de-Cabrera (Microtus cabrerae) e o
Lince-ibérico (Lynx pardina), ambos endemismos ibéricos. Esta última espécie
é mesmo o felídeo mais ameaçado do mundo, existindo atualmente menos de 120
indivíduos em Portugal e Espanha.
As aves são indicadores precisos do estado do
ambiente nos habitats e ecossistemas, porque estão posicionadas no topo das
cadeias alimentares, porque são muito conspícuas e ocorrem em vastas áreas. Nestes
habitats florestais ocorrem espécies ameaçadas de extinção, como a
Cegonha-preta (Ciconia nigra), a Águia-imperial-ibérica (Aquila adalberti) e a Águia-perdigueira (Hieraaetus fasciatus). Podemos encontrar também espécies raras, como a
Águia-cobreira (Circaetus gallicus), o Bútio-vespeiro (Pernis apivorus), o Peneireiro-cinzento (Elanus caeruleus) ou a
Toutinegra-real (Sylvia hortensis). Mas acima de tudo podemos observar um fervilhar
de dezenas de espécies comuns (aves de rapina diurnas e noturnas, perdizes,
poupas e abelharucos, pica-paus, cotovias, picanços, estorninhos, gaios e
pegas, piscos, rouxinóis e tordos, felosas e toutinegras, chapins, trepadeiras,
pardais, tentilhões e escrevedeiras), que são o indicador da saúde ambiental
dos montados e florestas de Sobro.”