"O grande responsável pela situação de desequilíbrio ambiental que se vive no planeta é o Homem. É o único animal existente à face da Terra capaz de destruir o que a natureza levou milhões de anos a construir"





terça-feira, 19 de novembro de 2013

Eruca vesicaria (L.) Cav.


Nomes comuns:
Rúcula; agrião-da-terra; arucula; mostarda-persa; pinchão; rugula

Eruca vesicaria é uma espécie originária da região mediterrânica e oeste asiático, tendo-se propagado a outros continentes. Pode ser encontrada ocasionalmente como espécie espontânea também na Europa central, Ásia central, América do norte e Austrália. É uma das muitas plantas silvestres comestíveis cujo valor nutritivo é inestimável. Votada ao esquecimento durante seculos a Eruca vesicaria voltou a estar em destaque, tendo sido sendo reintroduzida com sucesso na alimentação humana e fazendo parte daquilo a que se convencionou chamar cozinha modernista, ávida de novas técnicas e sabores. Claro que já não é preciso ir busca-la ao campo pois é largamente cultivada e comercializada juntamente com outras espécies semelhantes, todas elas batizadas de rúcula. O seu cultivo faz-se em diferentes países mediterrânicos como a Itália, Grécia, Turquia, Egito, Sudão, Espanha e agora também Portugal.
Como planta silvestre, a Eruca vesicaria é bastante resistente e cresce geralmente em locais soalheiros, bem adaptada a climas temperados de verões quentes e secos. Desenvolve-se em qualquer tipo de solo podendo tornar-se invasiva pois ressemeia-se facilmente.
Podemos encontra-la em jardins ou hortas abandonadas, campos de pousio, orla dos caminhos e de uma forma geral em locais de solo remexido, ricos em azoto.
A Eruca vesicaria é uma planta de ciclo anual que pode crescer dos 20 aos 80 cm dependendo das condições de humidade do solo. É muito aromática, ereta, algo ramificada e coberta com alguns pelos.
As primeiras folhas formam uma roseta basal. As folhas caulinares dispõem-se de forma alternada e o seu limbo apresenta-se profundamente dividido em segmentos (lóbulos) de margens dentadas de forma irregular, terminando num lóbulo maior (folhas lirado-penatissetas).
Em Portugal a Eruca vesicaria floresce na primavera e mantem-se em floração até ao verão. As flores brotam no topo de um longo pedicelo, reunidas em inflorescências do tipo racimo: as flores inserem-se em diversos níveis no eixo comum e vão abrindo na extremidade do ramo conforme este vai crescendo. Desta forma as flores mais velhas e mais afastadas do ápice vão formando frutos ao mesmo tempo que no topo da planta as flores mais jovens mostram todo o seu esplendor.
As flores, de pedicelos ascendentes, apresentam a estrutura característica das Brassicaceae/Cruciferae, família a que pertence esta espécie. A corola é formada por 4 pétalas estreitas, livres e dispostas em cruz.
Intercaladas entre elas estão as 4 sépalas, persistentes durante a frutificação, as quais formam uma espécie de tubo, chamado unha. A unha protege a parte debaixo das pétalas, onde elas são mais estreitas, no ponto de inserção. As pétalas são de cor amarelo tão pálido que parecem quase brancas e são raiadas de finas nervuras de cor purpura ou violeta.
Apesar do seu pequeno tamanho são pétalas muito bonitas e tão delicadas que parecem borboletas. Os estames, de anteras amarelas, são 6 dos quais 4 são mais longos.
As flores são completas, isto é, estão providas de órgãos de reprodução femininos e masculinos, funcionais. A polinização é feita por abelhas e outros insetos.
Devido ao seu sabor intenso, ovelhas, cabras ou outro tipo de gado não são apreciadores da Eruca vesicaria e só a comem quando não há mais nada no pasto.
Phyllotreta cruciferae e Phyllotreta striolata - Wikimedia Commons
Contudo há insetos que não são tão esquisitos como é o caso de Phyllotreta cruciferae e Phyllotreta striolata que podem produzir grandes estragos na sua folhagem, caules e pétalas.
Xanthorhoe fluctuata - Wikimedia Commons
Eruca vesicaria é também alimento para as larvas de algumas espécies de borboletas noturnas nomeadamente a Xanthorhoe fluctuata.

Os frutos de Eruca vesicaria são síliquas, isto é, frutos secos, longos, e estreitos semelhantes a vagens cilíndricas, terminando num bico achatado e proeminente. Na maturação os frutos abrem-se longitudinalmente separando-se em duas valvas em cujo interior existem várias sementes de cor ocre, algo achatadas e dispostas em duas fiadas.
Rúcula, rúcula e rúcula:
Eruca vesicaria, Eruca sativa e Diplotaxis tenuifolia
Praticamente todas as espécies botânicas são conhecidas popularmente por um ou vários nomes os quais podem até variar dentro do mesmo país, conforme as regiões. Ao contrário dos nomes científicos que são universais, individuais e intransmissíveis, os nomes comuns não são fiáveis pois podem coincidir em espécies diferentes, originando confusão. É o que acontece no caso da rúcula. Na realidade, rúcula é um termo vernáculo utilizado para identificar espécies diferentes, mas idênticas na sua morfologia e sabor. Pertencem à mesma família (Brassicaceae) mas são de géneros diferentes. As folhas jovens e tenras das rúculas são muito consumidas hoje em dia, principalmente fazendo parte de saladas cruas, como guarnição principalmente em pizzas e também como condimento. Entre as espécies denominadas rúcula contam-se espécies pertencentes aos géneros Eruca e Diplotaxis, nomeadamente Eruca vesicaria, Eruca sativa e Diplotaxis tenuifolia. As folhas destas espécies têm morfologia semelhante e são caraterizadas por terem um sabor ligeiramente amargo, intenso e algo picante o qual se pode comparar ao do agrião mas mais acentuado.
Existe alguma controvérsia na classificação das espécies Eruca vesicaria e Eruca sativa. Embora classificada como espécie de direito próprio, alguns botânicos defendem que Eruca sativa não passa de uma subespécie de Eruca vesicaria. Outros consideram que a Eruca sativa é apenas a forma cultivada (do Latim 'sativus', significando 'cultivado' ou 'plantado') pois não encontram diferenças relevantes entre as duas. Nessa conformidade, a Flora Iberica confirma que algumas características assinaladas na Eruca sativa são consistentes com as formas cultivadas, podendo ser interpretadas como uma seleção artificial, tal como frutos mais longos e folhas maiores e comparativamente menos divididas.
Tradicionalmente distinguem-se as duas formas através das sépalas do cálice que tendem a ser persistentes na Eruca vesicaria e caducas na Eruca sativa mas ainda segundo a Flora Iberica as situações de persistência do cálice manifestam-se de forma esporádica em algumas populações silvestres e sobretudo a nível regional.
Embora estas três espécies possam à primeira vista ser confundidas existem algumas diferenças que justificam estarem classificadas em dois géneros diferentes:
- Género Eruca: Eruca vesiscaria e Eruca sativa, de flores brancas, são plantas de ciclo anual: nascem, florescem e frutificam, fenecendo no final da estação ou após a colheita das folhas a qual deve ser feita antes da floração, quando ainda são jovens e tenras. As folhas são mais largas e o sabor menos apimentado que na espécie Diplotaxis tenuifolia.
- Género Diplotaxis: Diplotaxis tenuifolia apresenta flores amarelas e é perene pelo que novas folhas crescem, na estação seguinte, a partir da mesma raiz. Em comparação com as espécies Eruca, a Diplotaxis tenuifolia apresenta folhas mais estreitas e o seu sabor é bastante mais picante/amargo e o aroma mais pungente.


Eruca vesicaria sativa
Diplotaxis tenuifolia - Wikimedia Commons
Através das diversas abordagens que foram realizadas para diferenciar os géneros Eruca e Diplotaxis foram observadas importantes diferenças nos seus compostos químicos, o que justifica a diferença nos respetivos sabores. Eruca vesicaria contém como principal componente derivados de kaempferol enquanto Diplotaxis tenuifolia contem derivados de quercetin. Embora diferentes, os fitoquímicos encontrados nestas espécies têm em comum potenciais propriedades farmacológicas o que faz das rúculas vegetais muito saudáveis e importantes para a nutrição humana tendo reconquistado um lugar de destaque à nossa mesa, pelo seu sabor, valor nutricional e baixas calorias. São também ricas em antioxidantes, vitaminas (A,B,C,K) e minerais (potássio, fosforo, ferro e enxofre). Os compostos dos flavonoides contidos nas suas folhas previnem certos tipos de cancro. Contudo, para que a alimentação seja equilibrada, não deve ser ingerida em excesso, pois em grandes quantidades inibe a absorção de iodo, prejudicando as funções da tiroide e levando ao hipotiroidismo.
A rúcula não é uma ideia nova, antes pelo contrário. Foi muito utilizada desde a Antiguidade, pelos povos do mediterrânico que já nessa altura conheciam as suas virtudes e a consideravam uma planta medicinal; não só extraiam óleo das suas sementes como consumiam as suas folhas cruas ou incluídas em sopas. Por ter propriedades estimulantes foi considerada uma espécie afrodisíaca e acredita-se que foi por esta razão que o seu consumo foi, em épocas mais obscuras, considerado moralmente reprovável e consequentemente marginalizado. Assim, por esta ou outras razões, o certo é que caiu em desuso tal como aconteceu com tantas outras plantas colhidas da natureza ou cultivadas em pequenas hortas para consumo próprio e que providenciaram alimento em tempos de carência.
Hoje em dia parece haver muita abundancia pois encontramos à venda, em qualquer altura do ano, muitas espécies de frutas e legumes que antes eram sazonais ou porventura exóticas. Criadas em estufas ou importadas, dão-nos uma sensação ilusória de variedade mas o certo é que com o êxodo rural muitas espécies deixaram de ser cultivadas e se perderam.
Pouco a pouco as espécies cultivadas e disponíveis para consumo vão-se reduzindo à uniformidade que as leis da procura impõem ao comércio, daí que o ressurgimento da rúcula tenha sido uma “lufada de ar fresco”, com consequente sucesso imediato.
Aparentemente as folhas de rúcula começaram por ser comercializadas na Austrália no início dos anos 90 do século passado, tendo sido desde logo um tremendo êxito que se espalhou ao resto do mundo civilizado. A novidade de um sabor diferente coincidiu com uma maior consciencialização da importância de consumir maior quantidade e variedade de produtos frescos e baixos em calorias. Também ajudou o facto de as folhas de rúcula terem sido lançadas no mercado em embalagens de produto lavado e escolhido, pronto a ser utilizado. Passou a ser o legume da moda, qual história de “Cinderela” no mundo da botânica, em que a modesta e rasteira planta silvestre subiu aos restaurantes “gourmet”. Mas infelizmente a popularidade tem um preço. Perante a escalada no consumo deste legume, pesquisas científicas têm sido realizadas no sentido de caraterizar as espécies comercializadas sob o nome de rúcula e perceber não só quais são as que apresentam colheitas mais rentáveis mas também as que têm melhor aceitação por parte dos consumidores. As espécies de sabor mais suave, menos ricas em glicosinolatos, parecem ser as mais procuradas. Em consequência é admissível que certas espécies venham a ser melhoradas em laboratório para lhes suavizar o sabor o que vai certamente reduzir as opções disponíveis no comércio. Os glicosinolatos, compostos encontrados nas espécies da família Brassicaceae/Cruciferae, e responsáveis pelo característico sabor mais ou menos picante destas plantas são importantes promotores da saúde, como antioxidantes e desintoxicantes. Por serem solúveis na água muito se perde com a cozedura, estando muito mais ativos nos vegetais comidos crus, em saladas, como é o caso da rúcula.

Ainda sobre a família Brassicaceae/Cruciferae:
As rúculas são espécies da família botânica Brassicaceae, também conhecida por Cruciferae. Cruciferae é o nome antigo mas este é ainda reconhecido como valido pelas autoridades competentes (ICBN Código Internacional de Nomenclatura Botânica) e faz referência às 4 pétalas dispostas em cruz que são características das flores desta família. A Brassicaceae/Cruciferae inclui cerca de 3700 espécies as quais estão agrupadas em 330 géneros. É uma família de grande importância económica. Cultiva-se um pouco por todo o mundo embora com maior prevalência nas zonas temperadas e atingindo maior diversidade na região mediterrânica. Algumas das espécies com valor comercial são ornamentais, outras são produtoras de óleos e gorduras vegetais obtidos através das suas sementes. De reconhecido valor nutricional, certas espécies são legumes imprescindíveis na alimentação humana, nomeadamente os brócolos, as couves, os rabanetes, os nabos, a mostarda e o agrião, entre outras. Muitas das espécies da família Brassicaceae foram, ao longo de milhares de anos, extensivamente alteradas e domesticadas não só levando à criação de novas espécies (por Ex: couve, repolho, brócolos, couve-flor e couve-de-bruxelas, apesar do seu aspeto distinto, provêm do mesmo ancestral silvestre comum e pertencem todas à mesma espécie, Brassica Oleracea), como também suavizando-lhes o característico sabor áspero e amargo.
O sabor característico das espécies desta família deve-se à alta concentração de compostos químicos nomeadamente os glicosinolatos, os quais exercem diversas funções nas plantas quer na regulação do seu próprio metabolismo e crescimento quer como defesa contra infeções por bactérias ou serem comidas por herbívoros. Na alimentação humana os glicosinolatos demonstraram ter potente ação preventiva em vários tipos de cancro. No entanto, a concentração de glucosinolatos é grandemente reduzida pela cozedura prolongada a temperaturas elevadas, tornando-se assim ineficaz como medida preventiva e curativa. Recomenda-se a ingestão em cru ou após cozedura a vapor e por um curto período de tempo, exceto no caso das pessoas que sofram de hipotiroidismo e metabolismo lento pois os glucosinolatos têm efeito inibidor sobre a função da tiroide, impedindo a absorção do iodo.

Fotos : Serra do Calvo / Lourinhã